As vacas felizes dos Açores

Leite Vacas Felizes”. Assim se chama o programa lançado pela Terra Nostra há um ano, cujo objetivo visa obter o melhor leite junto dos seus produtores. Tudo através de requisitos como a pastagem de vacas ao ar livre, superfícies impermeáveis e linha do leite visível. O Agronegócios falou com Eduardo Vasconcelos, Diretor de Aprovisionamento de Leite Bel Portugal (empresa que detém a marca Terra Nostra), sobre a iniciativa, que considera que «o melhor leite vem da pastagem com elevados critérios de qualidade, bem-estar animal e sustentabilidade ambiental».

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Com um ano de terreno, o Programa “Leite Vacas Felizes” pretende «sobrevalorizar e superiorizar a nossa origem, os Açores, ter o melhor leite e contribuir para a produção de produtos mais saudáveis e saborosos», começa por realçar Eduardo Vasconcelos.

«O melhor leite vem da pastagem com elevados critérios de qualidade, bem-estar animal e sustentabilidade ambiental. Estamos a proteger a nossa terra para as gerações vindouras e a contribuir para um futuro sustentável. Este é um programa sobre fazer o bem, bem feito. Isto significa um grande rigor na produção, garantindo que as nossas vacas se alimentam à base de erva fresca o ano inteiro e vivem em liberdade, ao ar livre e o resultado é um leite puro e rico», explica o responsável.

Para tal são utilizadas diversas práticas agrícolas sustentáveis, sendo que «um dos pilares deste programa é a sustentabilidade e utilização correta dos recursos disponíveis, daí serem exigidos aos produtores uma série de requisitos presentes no Guia de Boas Práticas da Pecuária de Leite».

Adicionalmente, reforça Eduardo, «e de forma a confirmar o compromisso de Bel na redução do impacto ambiental, foi celebrada uma parceria com a WWF de forma a trabalharem em conjunto na obtenção de um alimento animal mais sustentável. Assim procuramos encontrar soluções mais sustentáveis no que toca à alimentação animal».

Quanto ao bem-estar animal, o Diretor de Aprovisionamento de Leite da Bel Portugal, reforça: «sabemos que numa evolução natural, ao atingir uma certa dimensão, o produtor tem tendência a fechar as vacas em estábulo, facilitando a gestão e maneio do efetivo e introduzindo uma maior percentagem de alimento não forrageiro».

Este programa «procura contrariar essa tendência, ao mesmo tempo que potencia a alimentação forrageira aliada a um sistema de controlo da qualidade e segurança alimentar, despertando ao produtor a necessidade de salvaguardar os recursos naturais e proporcionando o bem-estar animal».

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Eduardo Vasconcelos

O programa foca-se apenas nos Açores sendo que em janeiro de 2015, quando foi apresentado publicamente, «sentimos uma grande emoção e abertura dos produtores ao programa. Existe um acreditar coletivo que a nossa terra é única e que este método de produção leiteira - a pastagem, aliado aos mais altos critérios de qualidade e sustentabilidade – é excelente», salienta Eduardo Vasconcelos.

29 explorações certificadas numa «terra única»

Até ao momento, o programa conta com 29 explorações certificadas «e a nossa expectativa de adesão dos produtores é bastante alta», adianta.

«Este programa é único. Aliás, basta olhar para o panorama mundial para perceber que apenas a Irlanda, Nova Zelândia, Inglaterra e alguns estados dos EUA têm condições para uma pastagem ao ar livre e apenas metade do ano. Os Açores são uma terra única – rica, pura e natural, são a nossa terra e este programa vem garantir um leite de qualidade superior, um leite de excelência. Leite de vacas felizes, que vivem ao ar livre 365 dias por ano, com rigorosos critérios de qualidade, bem-estar animal e sustentabilidade», considera o responsável.

E qual o impacto da iniciativa ao nível da economia regional? O responsável salienta que os produtores certificados do programa «beneficiam de uma remuneração superior no pagamento do leite e de um suporte técnico dedicado, entre outros benefícios, nomeadamente de formação e de ordem social, como seja a extensão de benefícios atualmente destinados aos nossos colaboradores (exemplo: acesso a medicina geral sem custos, parcerias/protocolos com diversas instituições), bolsas escolares, entre outros. Para além disso, com este programa o nome Açores sai valorizado, está na vanguarda do que de melhor se faz no sector leiteiro em Portugal e não só».

Bem-estar animal

Fala-se cada vez mais do bem-estar animal enquanto conceito nevrálgico da sustentabilidade das explorações. Eduardo Vasconcelos afirma que, na Terra Nostra, «acreditamos que os responsáveis do setor estão cada vez mais conscientes quanto à importância de garantir um bem-estar animal».

No entanto, «a pastagem não é uma possibilidade universal, pois depende do clima, do solo disponível, das características da paisagem, entre outros fatores. O grupo Bel incentiva cada país a implementar as melhores práticas de bem-estar alimentar e ambiente com vista a ter uma cadeia de laticínios sustentável. Cabe a cada país encontrar a melhor solução considerando as suas especificidades. Os Açores, pela sua localização privilegiada, permite a pastagem 365 dias por ano, por isso a Bel decidiu investir na sua promoção e valorização através deste programa».

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Nesta medida, o responsável refere que «acreditamos que é necessária uma formação e consciencialização constante e por esse motivo apostámos neste programa. Na verdade, para obter a certificação, o produtor tem que cumprir um conjunto de 183 boas práticas agropecuárias e um conjunto de 46 requisitos desde o modo de produção e critérios de qualidade à existência de determinadas condições de infraestruturas, garantindo o bem-estar do animal, segurança e controlo alimentar e elevados critérios de qualidade e sustentabilidade. Desta forma garantimos uma formação constante aos nossos produtores que contam com o apoio de consultores especializados e também com parcerias realizadas com parceiros externos para que se consigam melhores resultados e eficiências, para além de outros benefícios».

«A pastagem é o que diferencia o leite dos Açores», lê-se no site do programa. Que pastagem é esta que a torna diferente de todas as outras e contribui para produtos únicos com a tal marca da sustentabilidade?

À pergunta Eduardo Vasconcelos responde: «esta é uma marca que não só beneficia de uma origem única e natural, os Açores, como contribui ativamente para proteger essa natureza».

Nesse sentido «salvaguardamos os belos recursos naturais desta região, incentivando os nossos produtores a boas práticas ambientais, uma gestão correta de efluentes e um consumo de energia com práticas mais eficientes. Desenvolve, produz e comercializa produtos com o menor impacto ambiental possível, com vários projetos na área da sustentabilidade, todos com a missão de proteger o nosso bem mais precioso – os Açores».

A título de exemplo, realça, para além de certificações ambientais como a ISO 1400, «há objetivos internos de redução de consumo de água, de energia e de material de embalagem. O resultado é um leite exclusivo de vacas felizes que vivem ao ar livre e comem erva fresca 365 dias por ano, recolhido em frio e em menos de 24h00».

Crise no setor do leite

Sobre a crise que tem atingido o setor do leito, Eduardo Vasconcelos considera que «o excesso de leite no mundo, e em especial na Europa, em que a produção de leite está a crescer a maior ritmo do que o consumo, tem levado a que os excedentes de produtos lácteos tenham crescido de forma descontrolada».

«Com este excesso de oferta, a necessidade de escoar um produto perecível, tem levado a um decréscimo significativo dos preços de vendas dos produtos lácteos no mundo, como forma de poder permitir a sua venda. De forma a contornar esse panorama, estabelecemos relações de parceria com os nossos produtores, com o objetivo comum de criar valor», afiança Eduardo.

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Por outro lado, sublinha, «vemos o programa como um ativo importante que deve ser continuamente melhorado e nesse sentido, temos estabelecido parcerias com universidades e professores na área do bem-estar animal e sustentabilidade ambiental, de forma a continuarmos a construir o futuro na vanguarda da sustentabilidade. Temos a certeza que esta é a melhor forma de construir o futuro e ter produtos melhores, mais saborosos, naturais e sustentáveis, revertendo inclusivamente o cenário atual vivido no setor».

Sobre o fim das quotas, que tem tido um grande impacto no setor leiteiro em Portugal e na Europa, o responsável alia o problema «a outros fatores como o embargo russo, a retração das exportações para a China e a redução do consumo interno».

É neste contexto que o nosso projeto “Leite de Vacas Felizes” «procura ser uma estratégia que permita conceder ao produtor uma retribuição digna e justa baseada na diferenciação do leite e na entrega ao consumidor de um produto que seja mais valorizado por ele, por razões ligadas à alimentação mais saudável e com respeito pelos animais e meio ambiente».

Toda a situação do excesso de leite, criado pelos fatores já enunciados, «tem-se traduzido em preços de leite muito baixos, que não permitem pagar o leite a preços justos, sendo que a saída terá que passar por fornecer ao consumidor produtos de acordo com as suas necessidades e expectativas», sustenta.

Medidas estruturais

E Portugal tem sabido – a nível político – defender os interesses do setor junto da União Europeia (UE)? «A situação atual é bastante complexa e afeta todos os países da Europa, que entre si têm necessidades e estratégias diferentes. Neste contexto Portugal tem tentado defender os seus interesses mas, compreendo, que a relação de forças não é igual», afirma Eduardo Vasconcelos.

Pela informação que dispõe, Portugal «continua a reivindicar a necessidade de um controlo das quantidades de leite a nível europeu, que sei que será difícil por os grandes países não terem interesse nisso, mas que não se poderá desistir e se deverá continuar a insistir para bem da fileira do leite em Portugal».

No curto prazo, o Diretor de Aprovisionamento de Leite Bel Portugal, considera que a situação «será muito difícil, mas é necessário adotar medidas estruturais para defender o setor leiteiro em Portugal».

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«Os Açores têm que insistir no modo de produção tradicional, baseada na pastagem, e apoiar o produtor nesse modo de produção e na sua intensificação, pois está provado cientificamente que o leite de pastagem possui qualidades nutritivas mais saudáveis, sendo um leite que faz bem e o bem (mais qualidades ao nível do bem estar animal e de proteção do ambiente)», vinca.

E acrescenta que «também é necessário haver medidas em Portugal para diminuir o custo de produção do leite de modo a podermos manter a competitividade. Estas medidas terão que passar pelo emparcelamento das explorações, pelo aumento da profissionalização das explorações e pelo suporte da alimentação animal, principal custo de uma exploração, aliado ao suporte à internacionalização como meio de escoar o excedente de produção nacional».

«Mas não descurando a necessidade de continuar a insistir no controlo das quantidades produzidas de leite na Europa de modo a condicionar a oferta à procura», remata.

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Fotos: Créditos Bel Portugal 

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