Por: Joana Rita Carvalho Fernandes,
Biotecnóloga
Entre as pragas que atacam os grãos de milho armazenados destacam-se duas, os gorgulhos, Sitophilus zeamais, popularmente conhecido como gorgulho do milho, e a traça, Sitotroga cerealella, também popularmente conhecida como a traça do milho.
Ambas as espécies são consideradas pragas primárias, ou seja, o insecto adulto quebra o revestimento duro dos grãos não danificados, pondo os seus ovos no seu interior e do qual as larvas se vão alimentar, como é o caso do Sitophilus zeamais.
Mas também ocorre o insecto adulto pôr os seus ovos no exterior do grão, e uma vez saídas as larvas do ovo, perfuram o revestimento duro do grão, penetrando-o à medida que se vão alimentando, como é o caso da Sitotroga cerealella.
As pragas dos produtos armazenados contaminam mais do que o que podem consumir, causando danos em cerca de 10% da produção mundial de grãos, invalidando deste modo esses produtos para o consumo humano.
Algumas destas pragas atacam o milho ainda este está no campo, enquanto outras infestam os grãos durante o seu processamento e armazenamento.
As pragas da ordem dos coleópteros (Coleoptera), como é o caso do Sitophilus zeamais e da ordem dos lepidópteros, no que toca à Sitotroga cerealella, são os grupos mais importantes das pragas de armazenagem do milho.
Como identificar — Sitophilus zeamais
Os adultos são gorgulhos de 2,0 a 3,5 mm de comprimento, de coloração castanho-escura, com 4 manchas avermelhadas nos élitros (asas anteriores), bem visíveis logo após a emergência (fig.1). Têm a cabeça projectada à frente, na forma de rostro curvado.
Nos machos o rostro é mais curto e grosso, nas fêmeas mais longo e afilado (fig. 2).
As larvas são de coloração amarelo-claro, do tipo curculioniforme, carnudas, macias e com a cabeça de cor castanho-escuro enquanto que as pupas são brancas (fig. 3).
Biologia e Ecologia
A espécie S. zeamais apresenta elevado potencial de multiplicação. A postura é feita no grão de milho, com o rostro abrem no sulco médio do grão um pequeno furo e, com o auxílio do oviscapto, introduzem o ovo no interior do grão, ao mesmo tempo que um líquido mucilaginoso tapa o orifício e mantém o ovo no seu lugar.
É no interior do grão que a larva completa o seu desenvolvimento e passa ao estágio de pupa, culminando com a emergência do adulto. As fêmeas podem viver até 140 dias, sendo o período de postura de 104 dias e o número médio de ovos por fêmea de 282. O período de incubação oscila entre 3 e 6 dias, sendo que o ciclo biológico do ovo até à emergência de adultos é de 34 dias quando o milho é o alimento.
De acordo com os seus hábitos alimentares, o Sitophilus zeamais é considerado um consumidor interno, pois as larvas alimentam-se completamente dentro dos grãos inteiros.
Natureza dos estragos e dimensão dos prejuízos
O Sitophilus zeamais é uma praga de grãos muito destrutiva. Apresenta infestação cruzada, (capacidade de infestar os grãos tanto no campo quanto no armazenamento), elevado potencial de multiplicação e possui muitos hospedeiros, não só o milho mas também o trigo, arroz, cevada e triticale. Os grãos colhidos já infestados chegam aos armazéns infestando também os grãos já existentes e que se encontram sadios.
Os adultos alimentam-se de grãos quebrados e pó de grão, mas as larvas desta espécie alimentam-se exclusivamente dentro dos grãos, originando a redução do peso e da qualidade física e fisiológica do grão, podendo, potencialmente, causar uma destruição quase completa (fig. 5). Neste caso, os grãos ficam apenas com a “casca”, tendo no interior um pó constituído pelos excrementos das larvas. Quando apresentam orifícios tal significa que os adultos já emergiram.
Como identificar — Sitotroga cerealella
Os adultos são borboletas com 10 a 15 mm de envergadura e com 6 a 8 mm de comprimento. As asas anteriores são cor de palha, com franjas, e as posteriores mais claras, com franjas maiores. As asas são sedosas e brilhantes, sendo as anteriores estreitas, longas e afiladas nas extremidades. Já as asas posteriores estreitam-se acentuadamente em direcção à extremidade (fig. 6).
No entanto, há um certo polimorfismo nesta espécie, não sendo todos da mesma coloração, tamanho e padrão.
Os ovos, de comprimento médio de 0,5mm, apresentam a forma oval, estriados e de cor branca, tornando-se rosados à medida que se aproxima a eclosão.
As lagartas são curtas e truncadas, com falsas pernas abdominais pouco desenvolvidas, sustentando não mais que três colchetes. Apresentam cor amarelada no início do desenvolvimento, tornando-se brancas quando desenvolvidas, atingindo 6 mm de comprimento. São curvadas, com o tórax mais largo do que o abdómen e as mandíbulas são castanho-escuras (fig. 6).
A pupa, com comprimento médio de 6,5mm, varia de coloração desde branca, no início, a castanho-escura, quando a emergência está próxima (fig. 6).
Biologia e Ecologia
A fêmea desta espécie pode fazer posturas de 40 a 280 ovos. As posturas começam em 1 ou 2 dias após a cópula. Esses ovos são colocados isoladamente ou em grupos sobre os grãos.
Sob condições ideais, a larva eclode após 4 a 6 dias e penetra no grão dentro de 24 horas, normalmente através do pericarpo macio, próximo ao embrião. O desenvolvimento é completado entre 2 e 3 semanas, sendo que a larva se alimenta do conteúdo interno do grão. Verificando-se as condições ideais a larva passa por no mínimo quatro instares de desenvolvimento. Quando as larvas levam mais tempo para o desenvolvimento podem passar por até nove instares.
Antes de pupar, a lagarta constrói a saída para o exterior do grão, deixando apenas uma camada fina do tegumento intacto para proteger a pupa dos predadores. A lagarta tece um casulo de seda onde irá passar toda a fase de pupa. Assim que emerge a borboleta rompe esse casulo deixando um orifício de formato redondo.
De acordo com os seus hábitos alimentares, a Sitotroga cerealella é igualmente considerada um consumidor interno, pois as larvas também se alimentam completamente dentro dos grãos inteiros.
Natureza dos estragos e dimensão dos prejuízos
Assim como o gorgulho, a traça é uma praga de grãos muito destrutiva, podendo causar perdas que podem atingir os 48% da produção, pois a redução do peso e da qualidade física e fisiológica do grão, causam uma destruição quase completa (fig. 8).
Apesar de ser uma praga de grande impacto nos armazéns ataca também os cereais ainda no campo, sobretudo quando este se encontra próximo do local de armazenamento. O insecto voa relativamente bem e, quando possível, faz posturas directamente nas espigas, (o que acontece quando as glumas ou camisas do milho são curtas demais), infestando dessa forma culturas no campo situadas a cerca de 1km do local de armazenamento.
É um insecto frágil, de modo que não consegue penetrar nas massas de cereal, limitando os estragos à superfície do cereal armazenado (cerca de 30 a 40 cm).
No entanto, a praga pode ser muito grave se estiverem reunidos os principais factores de nocividade, ou seja, cultivares de milho de espiga mal coberta e falta de limpeza nos armazéns. Contudo, no caso de se receber grãos já infestados, os insectos que ficarem nos grãos à maior profundidade são incapazes de chegar à superfície.
Uma característica interessante resulta do facto de quando esta praga ataca grãos de pequenas dimensões a larva tece um tubo sedoso unindo vários grãos, onde completa o seu ciclo.
Formas de luta disponíveis: Gorgulho e Traça
Desde o momento em que determinados grãos, quer se encontrem em armazém ou mesmo no campo, são infectados por estas pragas, está-se perante um problema fitossanitário, uma vez que a sua proliferação é rápida criando um risco acrescido para o resto do armazenamento ou da cultura no campo.
Desta forma, se as pragas não forem travadas, o seu grau de nocividade leva a uma inviabilidade da cultura ou dos grãos infectados.
Portanto, uma vez que o Sitophilus zeamais e a Sitotroga cerealella são ambos pragas do milho, e como têm um comportamento idêntico, os meios de luta que se podem aplicar contra estas duas pragas também serão os mesmos. A monitorização e prevenção são as melhores estratégias de luta para evitar estas pragas em grãos armazenados. Recomenda-se sobretudo a desinfecção das sementes, bem como garantir um estado de limpeza dos celeiros e armazéns, com pavimentos, paredes e tectos sem rachas, devendo as janelas estar protegidas por uma fina rede mosquiteira.
Infestação numa pequena quantidade de grãos – Mergulhando os grãos em água, e verificando se alguns flutuam, pode-se fazer uma detecção precoce do ataque das pragas. Neste caso, a melhor solução é descartarem-se os grãos, e como forma de prevenção os restantes devem ser sujeitos a um tratamento de aquecimento ou refrigeração (luta física, por exemplo na arca frigorífica), durante determinado período de tempo, de forma a assegurar a morte de todas as fases de vida, no caso dos restantes grãos também se encontrarem infectados.
Infestação em grandes proporções – neste caso a luta química é a que actua com mais eficácia, existindo vários insecticidas no mercado indicados para tratamento preventivo e/ou curativo de pragas de grãos armazenados (quadro 1).
A fumigação é uma das opções de tratamento mais aplicada, e que pode evitar a perda total dos grãos.
Esta técnica consiste na aplicação de insecticidas na forma sólida como é o caso da fosfina (fosforeto de alumínio). No entanto, para uma efectiva protecção dos grãos (desde que não sejam utilizados imediatamente) e do ambiente, deve-se complementar a fumigação com um tratamento espacial (residual).
Neste tratamento pode-se optar por uma pulverização como mecanismo para a aplicação de um insecticida preventivo, de maneira a formar uma camada protectora, evitando re-infestações possíveis, bem como controlar eventuais focos de infestações nas estruturas para armazenagem.
Todas as medidas de luta química devem ser sempre implementadas de forma integrada, usando os produtos fitofarmacêuticos nas dosagens correctas. Recentemente tem sido utilizada a terra de diatomáceas como medida auxiliar de protecção para pisos e paredes e, eventualmente, sobre o grão, pois trata-se de um produto inerte que não provoca toxicidade nos grãos.
Outras formas de luta
Na última década aumentou consideravelmente a importância dos métodos físicos e biológicos para o combate das pragas. As razões para esta tendência são as restrições no que respeita aos tratamentos químicos dos grãos em muitos países.
Luta física - armazenamento hermético dos grãos, que evita a intrusão das pragas e causa a morte dos insectos que ficam no armazém por esgotamento de oxigénio; tratamentos com altas temperaturas; e tratamentos de refrigeração, originando a paragem no desenvolvimento da praga (em pequenas doses pode-se colocar o cereal até três dias em arcas frigoríficas congeladoras); armazenamento do milho em espiga em canastros, em substituição de tulhas e silos (nos canastros as temperaturas são menores, a humidade do grão tende a diminuir e permite-se a exposição aos insectos auxiliares).
Luta biológica - podem utilizar-se inimigos naturais destas pragas que asseguram o equilíbrio da população.
No caso de parasitóides das larvas dos Sitophilus zeamais podem ser utilizados o Anisapteromalus calandra e a Choetospila elegans. Quanto a parasitóides de ovos da Sitotroga cerealella pode utilizar-se para o efeito a Trichogramma exiguum.
Os métodos biológicos de combate permitem manter a quantidade da praga a um nível baixo no armazém, mas não conseguem uma exterminação dos mesmos.
Luta genética - pode recorrer-se a variedades mais resistentes a estas pragas, como o uso de culturas que apresentem as glumas (camisas do milho) bem desenvolvidas e que protejam o grão na integridade.
Luta biotécnica - pode-se utilizar a largada autocida e o uso de feromonas para captura de adultos no caso da Sitotroga cerealella. Porém, é pouco ou nada praticado.
A tecnologia do milho transgénico Bt (lepidópteros) é eficaz na protecção contra a traça (não contra gorgulhos), o que, por paradoxo, revela que as toxinas se mantêm elevadas mesmo no grão armazenado e que vai ser usado para consumo.
Considerações finais
Sendo que o Sitophilus zeamais (gorgulho) e a Sitotroga cerealella (traça) se tratam de duas pragas que podem causar grandes prejuízos num curto espaço de tempo, a melhor forma de as evitar será sempre a prática de uma monitorização atenta da cultura, juntamente com a recomendação de uma limpeza acentuada dos celeiros e armazéns, bem como de uma desinfecção das sementes após a colheita e antes de serem armazenadas.
Se estas práticas preventivas não forem realizadas e as pragas se instalarem, a única forma de as eliminar será recorrendo a um dos meios de luta disponíveis.