A pecuária portuguesa em tempo de crise – um desafio
Por: José E. Silveira Matos / Universidade dos Açores
Portugal é um importador líquido de alimentos e, pese embora o aumento da produção nacional, esta tem sido incapaz de responder ao ritmo do constante crescimento da procura. A produção pecuária representa cerca de 50% do valor da produção da agricultura portuguesa, no entanto, o défice da balança de pagamentos do sector pecuário rondará os 900 milhões de euros (Quadro I), isto apesar do país apresentar consumos médios per capita de produtos pecuários em geral inferiores à média da União Europeia. O país é marcado pelo envelhecimento da população, por uma concentração demográfica excessiva no Litoral (desertificação galopante do Interior), e agora, no contexto da actual crise, pelo desemprego, em particular dos jovens, muitos dos quais se vêm forçados a emigrar. Em contraste com esta situação, segundo o documento que resultou do estudo que deu origem ao ProDeR (Programa de Desenvolvimento Rural), Portugal possui apenas 2,9% de Jovens Agricultores, sendo a média comunitária de 5,3%. Temos potencial para produzir mais alimentos e sermos mais auto-suficientes. A crise financeira (e não só) em que mergulhámos pode e deve significar uma oportunidade para a necessária mudança de políticas que contrariem o despovoamento do mundo rural, a fuga dos jovens do País.
Porque somos um país de sol, um país culturalmente rico, o desenvolvimento da indústria do turismo, que se deseja, encontra na nossa riqueza gastronómica um factor de enriquecimento e esta encontra na agricultura e nos seus produtos, a principal razão e o suporte da sua diversidade.
A este respeito importa preservar os nossos patrimónios genéticos, animal e vegetal, e muitos dos sistemas tradicionais de produção – factores de enriquecimento – susceptíveis de conferir uma identidade própria aos nossos produtos, irrepetível noutros espaços – a nossa diferença. Façamo-lo por nós mas também pelo lucro – por uma oferta turística diferenciada, de maior qualidade, mais rentável; pela diminuição das importações; pela exportação de produtos de maior valor.
Os recursos genéticos
Segundo o “Relatório Nacional sobre os Recursos Genéticos Animais em Portugal” publicado pelo INIAP, em 2004, existem no nosso país mais de 35 raças nacionais de espécies pecuárias, a maioria das quais em risco de se extinguir.
Quadro 1 - Balança de pagamentos do sector pecuário (2008-9)
Este património genético significa riqueza, e não só no sentido de um património cultural. Com ele é possível o aproveitamento produtivo, sustentável, de áreas e recursos marginais, que de outra forma seriam deixados ao abandono, dada a sua elevada rusticidade e à possibilidade que estes animais têm de adaptação a diferentes sistemas de produção, a diferentes condicionalismos ambientais – muitas vezes adversos –, aos quais as raças importadas revelam dificuldades em se adaptar.
Embora Portugal seja um país pequeno, os sistemas de produção animal diferem substancialmente de região para região, em função da geografia e clima, solos, dimensão e estrutura fundiária, das tradições culturais, do regime de propriedade e da condição social das populações. Esta diversidade constitui um potencial único, irrepetível, que se encontra intimamente associado à qualidade da nossa gastronomia mais tradicional e ao valor de muitos produtos artesanais transformados: salsicharia, queijos, doçaria (produtos DOP, IGP, biológicos, ou de uma produção integrada, com baixos inputs de agroquímicos).
Três exemplos ilustram a importância dos genomas e dos sistemas de produção na qualidade dos produtos animais e seu rendimento: 1. Influência do genoma na qualidade do leite quando transformado em queijo; 2. Influência do pastoreio nas propriedades nutritivas e organoléticas do leite e derivados e da carne; 3. Influência da bolota na composição da carne e salsicharia do porco alimentado com bolota, em montado.
1.º Exemplo - Influência do genoma na qualidade do leite quando transformado em queijo
As caseínas do leite são constituídas basicamente por 3 tipos de proteínas, designadas pelas letras gregas α, β e K. Estas três caseínas formam uma espécie de pequenos novelos, chamados micelas, que se mantêm em suspensão no leite num equilíbrio muito instável. Quando adicionamos coalho ao leite (renina) esta enzima actua sobre a K-caseína, rompendo este equilíbrio, fazendo com que as caseínas precipitem, arrastando consigo gordura, água e sais de cálcio e fósforo, formando-se assim a coalhada que, por acção do dessoramento, da salga e da cura, se transforma em queijo.
A quantidade de proteína e de gordura no leite influencia muito o fabrico do queijo; não só o rendimento queijeiro, como as qualidades organolépticas do próprio queijo (sabor, textura, cheiro). Não espanta, por isso, que ao longo de séculos os homens tivessem empiricamente melhorado geneticamente os seus animais para produzirem leite mais adequado à produção de queijo. Por esta razão, também não admira que os grandes queijos – os queijos DOP (Denominação de Origem Protegida), com origem em certos “territórios” – estejam associados a determinadas raças (por exemplo, Ovelha Serra da Estrela e o queijo daquela Região; ou a Ovelha Saloia e o queijo de Azeitão).
Também é amplamente reconhecido que vacas de certas raças (como a Jersey, a Normanda, a Parda Suíça, a Simentaler) produzem leites – ricos em proteína e gordura – mais adequados ao fabrico de queijos. Pelo contrário, tem-se vindo a constatar que a introdução de raças melhoradas para a produção de maiores quantidades de leite resulta num empobrecimento do rendimento queijeiro e das qualidades organoléticas do queijo.
A razão para estas diferenças reside obviamente nos genes. Sendo a K-caseína tão importante no processo de coagulação, tem-se concluído, através de diversos estudos, que a sua governação genética está intimamente ligada à composição do leite e à sua maior ou menor aptidão queijeira. Sabe-se hoje que dois genes – designados por A e B – são os maiores responsáveis por estas diferenças. Uma vez que estes genes se associam entre si aos pares, os genótipos dos animais resultantes da sua combinação podem ser: AA; AB; BB. Vários estudos realizados em várias partes do mundo têm estudado a frequência destes genótipos nas diversas raças de bovinos, ovinos e caprinos e leiteiros. Por exemplo, nas raças bovinas, tradicionalmente utilizadas para produzir leite rico em sólidos, com maior aptidão queijeira, a frequência do Genótipo BB é maior do que nas raças de elevada produção (por exemplo, na Raça Holstein, a frequência deste genótipo não excede geralmente 4 %, enquanto que nas raças Jersey e Normanda esta ultrapassa os 40 %).
Com a colaboração de outros cientistas e técnicos da Universidade dos Açores, integrados no Centro de Biotecnologia dos Açores e na Granja Universitária, e do Professor Pedro Louro Martins e a sua equipa, do INIA-ISA, iniciámos, no ano transacto, um estudo que teve por principal objectivo determinar a influência dos polimorfismos da caseína K sobre a composição – gordura e proteína – e propriedades tecnológicas na produção de queijo feito com o leite dos 3 genótipos dos animais cruzados HolsteinxJersey explorados em condições de pastoreio.
1.º Exemplo - Influência do genoma na qualidade do leite quando transformado em queijo
As caseínas do leite são constituídas basicamente por 3 tipos de proteínas, designadas pelas letras gregas α, β e K. Estas três caseínas formam uma espécie de pequenos novelos, chamados micelas, que se mantêm em suspensão no leite num equilíbrio muito instável. Quando adicionamos coalho ao leite (renina) esta enzima actua sobre a K-caseína, rompendo este equilíbrio, fazendo com que as caseínas precipitem, arrastando consigo gordura, água e sais de cálcio e fósforo, formando-se assim a coalhada que, por acção do dessoramento, da salga e da cura, se transforma em queijo.
A quantidade de proteína e de gordura no leite influencia muito o fabrico do queijo; não só o rendimento queijeiro, como as qualidades organolépticas do próprio queijo (sabor, textura, cheiro). Não espanta, por isso, que ao longo de séculos os homens tivessem empiricamente melhorado geneticamente os seus animais para produzirem leite mais adequado à produção de queijo. Por esta razão, também não admira que os grandes queijos – os queijos DOP (Denominação de Origem Protegida), com origem em certos “territórios” – estejam associados a determinadas raças (por exemplo, Ovelha Serra da Estrela e o queijo daquela Região; ou a Ovelha Saloia e o queijo de Azeitão).
Também é amplamente reconhecido que vacas de certas raças (como a Jersey, a Normanda, a Parda Suíça, a Simentaler) produzem leites – ricos em proteína e gordura – mais adequados ao fabrico de queijos. Pelo contrário, tem-se vindo a constatar que a introdução de raças melhoradas para a produção de maiores quantidades de leite resulta num empobrecimento do rendimento queijeiro e das qualidades organoléticas do queijo.
A razão para estas diferenças reside obviamente nos genes. Sendo a K-caseína tão importante no processo de coagulação, tem-se concluído, através de diversos estudos, que a sua governação genética está intimamente ligada à composição do leite e à sua maior ou menor aptidão queijeira. Sabe-se hoje que dois genes – designados por A e B – são os maiores responsáveis por estas diferenças. Uma vez que estes genes se associam entre si aos pares, os genótipos dos animais resultantes da sua combinação podem ser: AA; AB; BB. Vários estudos realizados em várias partes do mundo têm estudado a frequência destes genótipos nas diversas raças de bovinos, ovinos e caprinos e leiteiros. Por exemplo, nas raças bovinas, tradicionalmente utilizadas para produzir leite rico em sólidos, com maior aptidão queijeira, a frequência do Genótipo BB é maior do que nas raças de elevada produção (por exemplo, na Raça Holstein, a frequência deste genótipo não excede geralmente 4 %, enquanto que nas raças Jersey e Normanda esta ultrapassa os 40 %).
Com a colaboração de outros cientistas e técnicos da Universidade dos Açores, integrados no Centro de Biotecnologia dos Açores e na Granja Universitária, e do Professor Pedro Louro Martins e a sua equipa, do INIA-ISA, iniciámos, no ano transacto, um estudo que teve por principal objectivo determinar a influência dos polimorfismos da caseína K sobre a composição – gordura e proteína – e propriedades tecnológicas na produção de queijo feito com o leite dos 3 genótipos dos animais cruzados HolsteinxJersey explorados em condições de pastoreio.
Quadro 2 - Influência do genótipo da K-caseína na composição do leite, propriedades da coagulação e rendimento queijeiro
O genótipo BB revelou neste estudo (ver Quadro II) um efeito significativo na composição do leite, proteína e gordura, muito valorizados por serem os componentes do leite mais importantes na produção de queijo. As percentagens de gordura e proteína foram significativamente maiores para o genótipo BB e significativamente menores para o genótipo AA. Estas diferenças corresponderam também a um maior rendimento queijeiro para o genótipo BB e menor para o genótipo AA. O genótipo BB esteve ainda associado a uma maior velocidade de agregação micelar, menor tempo de coagulação e a uma maior consistência da coalhada. Em conclusão, o leite do genótipo BB revelou ter uma maior aptidão para o fabrico de queijo, influenciando para além do rendimento e dos parâmetros de coagulação, a própria textura final do queijo, sendo esta mais desejável no queijo fabricado a partir do leite das vacas com o genótipo BB – textura mole, mais elástica – do que no queijo fabricado com o leite das vacas do genótipo AA – com uma textura mais dura, menos elástica, tipo borracha.
Estes resultados, que corroboram outros obtidos (nomeadamente na Irlanda), comprovam que existem vantagens – maior rendimento e melhor qualidade da textura do queijo – em seleccionar os animais produtores de leite cujo destino seja o fabrico de queijo, no sentido de aumentar a frequência do genótipo mais desejável da K-caseína – o Genótipo BB.
2.º Exemplo – Influência das pastagens nas propriedades nutritivas do leite e organolépticas do queijo
Em média, a maioria dos AGs do leite são saturados (66 %), 30 % monoinsaturados e 4 % polinsaturados. Esta composição em AGs varia com diversos factores, (nomeadamente os genéticos) mas os de maior importância estão relacionados com a alimentação dos animais (Daley et al. 2010). É conhecido que a alimentação dos ruminantes influencia a composição lipídica da sua carne, do leite e dos lacticínios dele derivados (Akers, 2002). Esta influência é particularmente positiva quando os animais são alimentados com erva, o que determina que a sua carne e o seu leite sejam mais ricos na componente mais desejável de ácidos gordos insaturados, os ácidos linoleicos conjugados (CLAs) e uma razão óptima de ácidos gordos ómega 3/ómega 6.
A composição em ácidos gordos da gordura do leite tem um grande efeito na sua qualidade, incluindo nas suas propriedades organolépticas e nutricionais, mas também nos aspectos tecnológicos enquanto matéria-prima no fabrico dos diversos lacticínios (ponto de fusão e consistência da manteiga, textura, ponto de fusão e plasticidade do queijo).
As preocupações do consumidor têm evoluído e, para além dos critérios económicos e organoléticos, ganha cada vez maior relevo a relação entre os alimentos e a saúde, afinal a razão de ser dos probióticos, prébióticos e nutracêuticos, hoje tão em voga. Os ácidos linoleicos (CLAs), presentes sobretudo nos alimentos com origem nos ruminantes, possuem um efeito preventivo do cancro e da aterosclerose, são estimuladores da imunidade e promotores do crescimento, promovendo a alteração da composição corporal, no sentido de um decréscimo na gordura corporal e um aumento da massa muscular (Kent, 2007).
Tem sido também atribuída à relação entre os ácidos polinsaturados da família ómega 3 e 6 uma grande importância quando relacionada com aspectos da saúde humana, referindo-se que o quociente ideal na dieta humana entre os ácidos gordos ómega 3 e 6 seria de 1:4.
A carne, o leite e os lacticínios dos ruminantes explorados em sistemas de pastoreio extensivo possuem um quociente inferior a este, podendo contribuir para um melhor equilíbrio da dieta humana (Daley et al. 2010). Esta seria, pelo menos uma das razões apontadas para o facto dos franceses – que são, como se sabe, grandes consumidores de queijo, para além do consumo associado de vinho – terem taxas de acidentes cardiovasculares (ACV) inferiores a outros povos com menor consumo de gordura animal, ao contrário do que seria de esperar, o que ficou conhecido como sendo o “Paradoxo Francês”. Ao inverso, temos o chamado “Paradoxo Israelita” em que, apesar de os israelitas fazerem habitualmente uma dieta mediterrânica, a taxa de ACVs ser entre eles elevada, facto que se relacionaria com uma elevada relação ómega 3:6, ao contrário do que acontecerá com os franceses e também com outros povos em torno dos Alpes (Paradoxo Alpino) (Yam et al., 1996; Hauswirth et al., 2004). Um estudo publicado por uma equipa do INRA francês (Bugaud, 2002) chegou ainda à conclusão que as diferenças organoléticas, e de textura, que se verificam em queijos DOP, feitos numa mesma zona protegida, se devem sobretudo à variedade das forragens consumidas pelas vacas. Assim, também por esta razão, será igualmente importante cuidar da preservação da diversidade dos pastos naturais, responsáveis também pelas características próprias do “terroir” dos nossos queijos tradicionais.
3.º Exemplo – Influência da bolota na composição da carne e salsicharia do porco alimentado com bolota
A exploração dos porcos das raças Alentejana, em Portugal – quase desaparecida nos anos 50 e 60 devido à peste suína africana – e Ibérica, em Espanha, são hoje casos de sucesso, únicos na Europa, de exploração de porcos em regime extensivo, num sistema agro-silvo-pastoril perfeitamente integrado, onde a montanheira (engorda dos animais nos montados de azinho e sobro) constitui elemento preponderante.
Os presuntos, os enchidos e também a carne destes animais, são produtos merecidamente reconhecidos e muito valorizados, com elevada procura no mercado, constituindo um nicho da economia pecuária que tem vindo a ganhar cada vez maior importância. Este sucesso deve-se, no caso português, a uma melhor organização da fileira, com profundas alterações a partir dos anos 90, com a organização dos produtores em associações, com a certificação e protecção da carne e dos produtos transformados, através da certificação de Denominação de Origem Protegida (DOP) e de Indicação Geográfica (IGP, novas e modernas unidades industriais de transformação). Graças a tudo isto, foi possível salvar da extinção uma raça nacional, hoje em expansão, optimizando-se a utilização do montado, num sistema agro-silvo pastoril único, ambientalmente sustentável, que facilmente poderá ser classificado de biológico, orgânico ou ecológico.
Para além disso, através do porco da raça Alentejana, ou da raça Ibérica, a bolota é transformada em alimentos para humanos mais ricos em ácidos gordos insaturados essenciais (gordura boa) em que a razão entre os ácidos gordos polinsaturados (PUFA), n-6/n-3, é também mais baixa, por isso mais saudável (Quintas et al., 2005).
A pecuária e gestão do território
Há muitos anos, numa reunião científica, ouvi referir uma tese de doutoramento – da qual não consegui encontrar agora a referência – cujo objecto de estudo era a correlação histórica, na bacia mediterrânica, entre a decadência dos rebanhos de caprinos e a incidência de fogos na mesma bacia.
A tese estabelecia uma correlação negativa entre áreas ardidas e decréscimo do número destes animais.
Faz sentido. De acordo com as publicações do Instituto Nacional de Estatística, o efectivo caprino nacional terá passado de mais de 1 milhão de animais na década de 70, para cerca de 500 mil em 2009, o que representa um decréscimo de mais de 50 % em 40 anos. Este fenómeno terá acontecido, e continua acontecendo em toda a Europa, facto que fez com que o Parlamento Europeu aprovasse um relatório onde se apela à tomada de medidas urgentes propondo novos tipos de apoio aos produtores: um prémio por cabeça, para manter ovinos e caprinos em áreas ecologicamente sensíveis; ajudas para a introdução do sistema de identificação electrónica; um logótipo europeu para promover o consumo. Na Califórnia, passaram-se a usar cabras para ajudar os bombeiros na limpeza das florestas.
O governo português também se comprometeu recentemente a financiar um projecto ibérico (50 % português e 50 % espanhol) de combate a incêndios, que envolve a compra de 150 mil cabras para instalar na região transfronteiriça Duero-Douro. Estes exemplos, tal como o porco alentejano e o montado, exemplificam a necessidade de considerar a pecuária como um elemento essencial na gestão sustentável dos recursos do território.
Um grupo de especialistas do sector florestal publicou recentemente no Jornal Público (16 de Setembro de 2011) um “Manifesto pela Floresta Portuguesa” apelando “à resolução das causas profundas estruturais que estão na base da degradação da floresta portuguesa”.
Concordando com o diagnóstico feito e com as soluções avançadas, sugeríamos que, mutatis mutandis, as mesmas se apliquem a toda a agricultura, nomeadamente a necessidade de uma reestruturação fundiária e uma reforma fiscal “que estimule a gestão activa e profissional do recurso terra” estimulando-se o bom uso da mesma. Mais diríamos que à semelhança de outros países se deveriam urgentemente publicar cartas de uso dos solos, definindo-se a melhor utilização a dar a cada uma das parcelas, de acordo com o seu potencial produtivo, bem como realizar uma urgente modernização e actualização dos registos cadastrais dos prédios rurais, recorrendo a Sistemas de Identificação Geográfica (GIS). Defendemos ainda que os recursos pecuários nacionais deveriam fazer parte de soluções integradoras de sistemas agro-silvo-pastoris modernos, com uma visão integradora, complementar e sustentável do uso dos recursos da terra.
De repente, a agricultura portuguesa ficou na moda, talvez graças “à crise”! O mais alto magistrado da Nação, o Senhor Presidente da República, dedicou-lhe a sua atenção. Os meios de comunicação social também lhe passaram a dedicar mais do seu tempo e do seu espaço. Ainda bem. Descobrimos a nossa vulnerabilidade relativamente à auto-“in”suficiência alimentar, mas, também, descobrimos que temos casos de sucesso: a pêra rocha, o olival, o vinho, o “porco preto”, o sector hortícola, etc.. Casos estes que nos levam a meditar sobre as razões destes sucessos e da possibilidade de usar os seus exemplos noutras fileiras do sector.
Também redescobrimos a riqueza da nossa gastronomia tradicional – na verdade, única no mundo – e multiplicam-se os programas televisivos sobre culinária portuguesa. Até descobrimos que temos muito mais do que as “7 Maravilhas da Gastronomia”!
Também já nos apercebemos de que o turismo poderá ser uma das nossas possíveis saídas para esta crise. Certamente que sim, mas juntando, de mãos dadas, estes três sectores, na defesa e, já agora, na venda, do que mais genuíno e melhor temos, o sucesso poderá ser retumbante! Saibamos também mobilizar e incentivar os mais jovens para estes objectivos.
Porque as manteigas não são todas iguais?
À esquerda, manteiga dos Açores, à direita, manteiga continental.
Quando se compara a manteiga dos Açores com a manteiga produzida em Portugal Continental saltam à vista duas características bem evidentes: A cor (mais amarela na manteiga açoriana); A textura e untuosidade (mais fácil de barrar na manteiga açoriana). Estas diferenças não resultam de diferentes formas de fabrico nem de corantes ou aditivos. A diferença está na dieta das vacas. Quando as vacas são alimentadas predominantemente à base de pastos (como sucede nos Açores), e como a erva fresca é rica em ácidos gordos polinsaturados e em fibra (o que tem influência no pH do rúmen e na flora microbiana) o resultado é que o leite produzido vai ter também um teor de gorduras polinsaturadas mais elevado, ou seja, gorduras mais moles, entre as quais ácidos linoleicos conjugados (CLAs), resultando em manteigas mais fáceis de barrar e, teoricamente, saudáveis. Por outro lado, a erva verde é rica em β-caroteno (que é um pigmento natural e é o percursor da vitamina A). Este pigmento carotenóide, bem como as xantofilas (como a luteína), não são totalmente decompostos na digestão, circulando no sangue e acumulando-se na gordura do leite.Por esta razão, a manteiga produzida (além de ser mais rica nestes importantes compostos) tem uma atractiva cor amarelada, que é sinal de qualidade, e por isso algumas indústrias adicionam corantes para a imitar, o que, por regra, não sucede nas manteigas produzidas em Portugal. ■