Leite e suinicultura: uma crise sem fim à vista

A crise nos setores do leite e suinicultura há largos meses que bateu à porta dos produtores. As manifestações e os protestos têm sido uma constante de Norte a Sul do País. O Agronegócios ouviu duas organizações que propõem a reposição de um sistema público de controlo da produção e do mercado, tipo “quotas leiteiras” cujo fim (31 de março, 2015) «muito contribui para a situação de desastre em que se encontra a produção de leite». João Dinis, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e Carlos Neves, presidente da Associação dos Produtores de Leite de Portugal (APROLEP), deixam a garantia – ao Governo e à Distribuição - de que «não haverá paz no setor enquanto não houver justiça».

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João Dinis, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), começa por dizer que a última quota nacional de leite (2014/15) «foi de cerca de 2 100 000 toneladas (Açores incluídos). Ficámos um pouco aquém dessa quantidade».

«Neste momento, haverá uns 5 mil produtores a produzir. Mais de metade estão nos Açores. À data da entrada de Portugal na então CEE (1986) – faz agora 30 anos - havia uns 80 mil produtores de leite! Os que sobrevivem fazem-no a perder dinheiro e não aguentam muito mais tempo. O preço do leite à produção anda – em média - pelos 27 cêntimos / litro mas há quem venda a mais baixo preço ainda. Os custos de produção são mais altos. Na ordem de 34 cêntimos o litro», salienta João Dinis.

João Dinis realça que as nossas balanças - alimentar e de pagamentos - «equilibravam-se entre a produção – o consumo – as importações – as exportações – leite e laticínios».

Mas agora, realça, «estão a desequilibrar-se e depressa… Se isto assim continuar, vamos ficar (muito) deficitários e muito depressa».

«Em 2015, Portugal importou 480 milhões de euros em leite. Mas deixou de exportar 100 000 toneladas de leite “só” para Espanha por dificuldades impeditivas colocadas pelo Estado Espanhol, (nomeadamente na Galiza) por exemplo através de controlos sucessivos e cerrados ao leite não-espanhol e por “acordos” internos com os seus hipermercados que afastaram das prateleiras leite não-espanhol. A França faz o mesmo. Portugal – o Governo português - continua o tal “bom aluno” do costume», sustenta o responsável da CNA.

Sobre os esforços do Governo para ajudar o setor, João Dinis afirma que «o ministro da Agricultura de Portugal anda num corrupio mas não enfrenta o essencial do problema: a necessidade de se voltar a um sistema de controlo público da produção e do mercado como eram as quotas leiteiras nacionais».

E dá um exemplo: «foi para Bruxelas, a 14 de março, para um Conselho Agrícola e parece que fica satisfeito – apenas – em apanhar a boleia das propostas do Governo francês que apontam para a redução da produção nacional em leite e carne suína o que, a consumar-se, e apesar das enormes dificuldades dos produtores individualmente considerados, será um novo erro estratégico tendo em conta a soberania alimentar do nosso País, a economia nacional, os vultosos investimentos (privados e públicos) feitos no sector e as necessidades alimentares da nossa população».

«A luta dos produtores de leite vai continuar»

Carlos Neves, presidente da APROLEP, começa por fazer ao Agronegócios um balanço «daquela que terá sido, provavelmente, a maior manifestação de produtores de leite e carne realizada em Portugal, reunindo cerca de 3000 pessoas e 300 tratores, quero dirigir umas breves palavras à fileira do leite e aos diversos agentes nela envolvidos».

«Uma primeira palavra para saudar os heróis tratoristas que vieram não apenas de Vila do Conde, onde iniciamos a marcha organizada em direção à manifestação, mas também de Esposende, Barcelos, Póvoa de Varzim, Famalicão, Maia, Matosinhos, Trofa, Santo Tirso, Valongo, Penafiel, Amarante (a 60 kms da manifestação) e mais algum concelho que por lapso esteja a omitir. Levantaram-se de madrugada, trataram dos animais e fizeram-se à estrada para se juntarem às 3000 pessoas, vindas de todo o país, que participaram nas concentrações e marcha desde a DRAPN até Pingo Doce e Continente de Matosinhos», recorda o responsável.

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Carlos Neves dá igualmente «uma palavra particular para o civismo com que decorreu toda a manifestação e para a paciência dos tratoristas, submetidos a uma inusitada operação stop pela GNR que provocou um atraso de uma hora na chegada à manifestação e a paragem do trânsito na N13».

Ao fim de longos minutos, «voltou a imperar o bom senso. Ficámos assim esclarecidos sobre uma das causas da nossa crise: Em vez de fiscalizar os camiões de produtos lácteos importados, a polícia recebe ordens para fiscalizar os tratores das manifestações. Saliente-se, no entanto, o comportamento exemplar dos agentes da GNR e PSP que estiveram presentes ao longo da manifestação», frisa.

O presidente da APROLEP lança ainda «uma palavra de lamento para a ausência de resposta concreta das cadeias de distribuição Pingo Doce e Continente, escondidas atrás de um vago e dececionante comunicado da APED - Associação de Empresas de Distribuição, sem qualquer medida concreta para reduzir o escândalo de importarmos 500 milhões de produtos lácteos numa situação de dificuldade extrema dos nossos produtores de leite nacionais».

Contudo, Carlos Neves regista como «positivo que a Comissão Europeia tenha assumido finalmente a existência de uma crise neste setor agrícola, mas lamento que no mesmo dia em que o Conselho de Ministros da Agricultura começou a dar pequenos passos (ainda insuficientes) para ultrapassar a crise, ao lado, o Conselho de Ministros dos Negócios estrangeiros tenha prolongado as sanções económicas à Rússia, causa do embargo aos produtos agrícolas europeus por parte do país que importava 30% dos queijos da Europa».

Diz não saber, todavia, «como poderão evoluir a revolta e o desespero dos produtores de leite» mas garante que, «de uma coisa o Governo e a distribuição podem estar certos: não haverá paz no setor enquanto não houver justiça».

«Não vamos parar enquanto não houver uma regra concreta para a rotulagem da origem do leite e enquanto a distribuição continuar a dificultar o acesso dos consumidores ao leite e produtos lácteos portugueses e não se comprometer a comprar mais leite e produtos lácteos nacionais, com números concretos», admite.

Carlos Neves realça que «mais importante do que tentar prever a força de futuras ações é ter consciência da força da nossa razão que não nos deixa desistir».

«A luta dos produtores de leite vai continuar», assegura, em jeito de conclusão.

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