Produção de mirtilos em cultura protegida

Por: Pedro Brás de Oliveira, Luís Lopes da Fonseca, Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P.

Portugal possui excelentes condições edafo-climáticas para a produção de mirtilos durante todo o ano, podendo tornar-se um dos principais fornecedores do mercado europeu.

A área dedicada a esta cultura, bem como a produção atual, são ainda muito reduzidas (75 ha, 700 t em 2011; INE, 2012) mas, com a submissão intensa de projetos no âmbito do PRODER, estão criadas as condições para Portugal assumir protagonismo ao nível europeu. Estima-se que estão a ser plantados na região norte do país mais de quinhentos hectares de mirtilo, ao ar livre, para produção de junho a setembro. Infelizmente não são conhecidos os valores para a região sul de Portugal. A zona sul do país tem aptidão para produzir de Outubro a Abril, complementando a região norte, permitindo assim o fornecimento contínuo do mercado de exportação. Para que esta seja uma realidade, que se pretende, é necessário desenvolver tecnologias de produção apropriadas a cada situação de solo-clima das diferentes regiões do país.

Existe atualmente uma janela de mercado altamente rentável que se situa entre outubro e abril, dado que os frutos de mirtilo são importados totalmente do hemisfério sul, principalmente Argentina e Chile, com preços muito altos e qualidade mediana, devido principalmente, à sua manutenção em atmosfera controlada e ao tempo de transporte entre continentes. Prevê-se que estes países da América do sul sejam rapidamente substituídos na produção pelo México, país que pode produzir na mesma época, mas a apenas três dias dos mercados da América do Norte.

A planta do mirtilo, à semelhança das framboesas ou das amoras, precisa de passar por um período de crescimento vegetativo, indução e diferenciação floral e, frio invernal, após o qual se segue um período de floração e frutificação na primavera seguinte. Neste momento, existem cultivares do tipo SHB (híbridos interespecíficos de V. darrowi e V. corymbosum) que possuem a capacidade de florir e produzir frutos sem necessitarem de passar por um período de frio ou, por um período de frio muito reduzido. No entanto, são plantas sensíveis ao fotoperíodo com promoção da iniciação floral sob dias curtos, sendo o desenvolvimento dos gomos florais favorecido em condições de dias longos. Em condições de clima com estações de crescimento longas e invernos amenos, a diferenciação de flores no mirtilo dá-se no final do verão, sendo ainda possível obter frutos no período de outono.

Os primeiros ensaios de adaptação varietal de mirtilos às condições sul de Portugal tiveram início em 1994 na Herdade Experimental da Fataca (HEF), localizada no Sudoeste Alentejano, Perímetro Regado do Mira.

Estes primeiros ensaios permitiram avaliar a adaptação de diferentes cultivares de mirtilo “Northern e Southern Highbush” e “Rabbiteye”. Em 1997, iniciaram-se na HEF os primeiros ensaios de mirtilo em cultura protegida. O principal objetivo foi desenvolver tecnologias de produção em cultura protegida que possibilitassem a produção antecipada, uma vez que a produção precoce permite aumentar o período de oferta destes frutos nos mercados. As cultivares do tipo “Southern Highbush”(SHB) são as que possuem maior aptidão para este tipo de produção por possuírem baixas necessidades de frio e grande precocidade (Figura 1).

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Em 1999, procedeu-se à instalação de um ensaio com plantas de um ano das cultivares O’Neal, Cape Fear, Georgiagem e Reveille, todas do grupo SHB, caracterizadas como tendo necessidades de frio entre 400 e 600 horas. Em Janeiro de cada ano, os túneis foram cobertos com polietileno térmico de 200 µ, quando as necessidades em frio das plantas se encontravam satisfeitas, removendo-se o plástico em Março-Abril, no início do processo de maturação dos frutos. Em todas as cultivares verificou-se um aumento progressivo da produção por planta ao longo dos três primeiros anos do ensaio, registando-se no terceiro ano produções comercialmente satisfatórias (1,7/1,4/1,1/0,8 kg por planta para a Cape Fear, Georgiagem, Reveille e O’Neil, respetivamente), com uma antecipação de um mês relativamente à cultura de ar livre.

Ao quarto ano de ensaio verificou-se que, após o período de produção normal da primavera (abril a junho), ocorreu um segundo e um terceiro fluxos de produção para todas as cultivares. O segundo fluxo de produção decorreu do fim de Agosto até à terceira semana de Setembro, com valores de produção correspondentes a 8,9, 19,7, 48,9 e 55,3 % da produção primaveril, respetivamente para as cultivares O’Neal, Georgiagem, Reveille e Cape Fear. O terceiro fluxo decorreu do fim de novembro até meados de dezembro, quando os túneis estavam já cobertos com plástico, verificando-se que a produção obtida foi comparativamente marginal e os valores do peso médio dos frutos foram muito baixos para todas as cultivares.

A ocorrência de uma segunda floração anual, em algumas cultivares do grupo SHB, é um fenómeno conhecido. Esta característica é uma consequência da presença de material genético das espécies V. angustifolium Aiton e V. darrowi Camp. O aproveitamento desta floração extemporânea pode permitir várias produções anuais, precoces ou tardias, consoante a altura do ano em que ocorra e a percentagem de gomos florais abrolhados, estando este parâmetro muito dependentes das condições ambientais.

Importante para a compreensão da adaptação das diferentes cultivares à cultura protegida e nomeadamente à produção precoce ou tardia, é o conhecimento do número de dias dos diferentes estados fenológicos. Num ensaio com as quatro cultivares já referidas, verificou-se que o período de floração está muito correlacionado com o número de dias até à abertura dos gomos florais e não com o período entre a abertura dos gomos e a floração.

De entre as várias cultivares em ensaio na HEF, a ‘Sharpblue’ foi aquela em que esta segunda floração anual ocorreu com maior intensidade e regularidade. Neste sentido, realizou-se um ensaio de otimização da floração outonal da cultivar Sharpblue cultivada em túnel. Assim, no Inverno de 2003, um túnel com 60 plantas foi coberto com polietileno térmico a 5 de Janeiro, tendo este sido removido a meio de Abril e substituído por rede de sombra (25% de taxa de retenção). O plástico foi novamente colocado sobre o túnel a 30 de outubro de 2003 e removido em meados de março de 2004. Apenas em 2004, foi possível otimizar a floração outonal com aproveitamento da respetiva produção, que correspondeu ao valor acrescentado, aproximado, de 600 g por planta, colhido até 30 de abril. A data de cobertura dos túneis revelou-se um fator fundamental para o aproveitamento da floração outonal, pois é a produção daí decorrente que permite a maior antecipação da colheita.

Os ensaios descritos foram realizados com as cultivares disponíveis na altura, pelo que, neste momento, se iniciaram novos ensaios com novas cultivares dos diferentes tipos de plantas de mirtilo. Cultivares de “SHB” com menores necessidades em frio (< 150 horas) para produção precoce e tardia, “NHB” e “Rabbiteye” com elevada qualidade organolética para produção tardia. O objetivo principal é o de testar técnicas para a alteração do ciclo vegetativo e produtivo das plantas em cultura protegida (Figura 2).

Diversas técnicas podem ser agora estudadas, para produção precoce ou tardia, destacando-se:
-    Produção precoce (SHB): Alteração da data de cobertura dos túneis (horas de frio); Forçagem das plantas em câmara frigorífica após diferenciação; Poda intensa durante o Verão para promoção da floração antecipada; Poda intensa seguida de stresse hídrico para promover a floração.
-    Produção tardia: Plantação de novas cultivares de “rabbiteye” muito tardias; Manutenção das plantas de NHB em câmara frigorífica.

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No âmbito do projeto Europeu FP7 EuBerry, que conta com a participação de 14 Instituições e empresas europeias e em que o INIAV, I.P. é entidade parceira, foram iniciados, em 2011, dois ensaios de produção de mirtilos fora de época em cultura protegida. Num primeiro ensaio, seis cultivares de mirtilo (três SHB e três NHB) foram cultivadas em substrato e posteriormente sujeitas a tratamento de frio em câmara frigorífica. Um primeiro grupo de plantas do tipo SHB para produção precoce e o segundo grupo de plantas NHB está a ser mantido em câmara para produção tardia. Decorre em simultâneo um ensaio de produção tardia com cultivares de mirtilo do tipo “Rabbiteye”. Terá início ainda este ano um ensaio com cultivares SHB para produção precoce, através da alteração da data de cobertura dos túneis associada a uma poda intensa das plantas durante o verão.

Se estas novas tecnologias de produção provarem ser rentáveis e, agronomicamente sustentáveis, Portugal será no futuro um dos principais fornecedores de mirtilo para o mercado em fresco europeu, à semelhança do que é, já hoje, para a framboesa.

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