Cultura da framboesa e da amora

Por: Bernardo Madeira 


Grande parte da Superfície Agrícola Útil portuguesa encontra-se nas mãos de pequenos agricultores ou de empresas agrícolas de dimensão familiar.

Embora, em qualquer parte do mundo, este tipo de estrutura empresarial tenha uma competitividade limitada, ela pode ser particularmente eficiente em certas culturas muito exigentes em mão-de-obra ou na qual se pode agregar valor a produtos de qualidade excepcional, inalcançável em sistemas capitalistas ou industrializados. Desde há muito tempo que os pequenos frutos – e falamos, por exemplo, dos mirtilos ou arándanos, das camarinhas, dos morangos, das groselhas e em particular das amoras e framboesas – têm sido apresentados como dos mais interessantes negócios para a agricultura familiar e para o minifúndio. Isto resulta do facto de estes pequenos frutos, quase de uma forma geral, serem muito delicados e perecíveis, exigindo grande atenção na sua produção e especialmente na sua colheita. Efectivamente, apesar de haver, em vários países, extensas áreas cultivadas com estes frutos, que são totalmente mecanizadas, os seus produtos não alcançam, satisfatoriamente, o mercado de fruta fresca que mais os valoriza.

Figura 1. Framboesa de frutificação no Verão

Este mercado exige uma cuidadosa colheita manual, refrigeração e transporte no mesmo dia, sendo assim um artigo bem pago, permitindo elevados rendimentos por unidade de superfície. Porém, como os custos de produção são igualmente elevados, a rentabilidade depende da circunstância de a mão-de-obra ser própria da exploração ou, então, de os salários serem baixos. Apesar da relativa facilidade de cultivo de alguns destes frutos (dada a sua rusticidade), não importa apenas saber produzir, mas sim passar a mais importante barreira que é a comercialização que deve ser feita com igual profissionalismo. Neste contexto, o associativismo, em torno de cooperativas, é uma das soluções para o minifúndio e que (por exemplo, na Beira Litoral) permitiu a expansão, em primeiro lugar, da cultura do mirtilo, estando em projecto outras acções semelhantes no resto do país. Apesar de os melhores mercados consumidores se encontrarem no centro e norte da Europa, Portugal tem potencial concorrencial, aliando custos de mão-de-obra mais baixos com um clima mais benigno que permite, seja ao ar livre, seja em abrigo, ter fruta fresca durante quase todo o ano, nomeadamente utilizando plantas vernalizadas e cultivadas em vaso. 

 

Figura 2. Framboesa de frutificação no Outono

Hoje ocupamo-nos de duas frutas-irmãs, bem simples e conhecidas: a framboesa e a amora. Quer as silvas quer as framboeseiras pertencem ao género Rubus, família das rosáceas (a flor lembra a de uma rosa, possuindo 5 pétalas), género muito comum na Europa e especialmente em Portugal, onde existem mais de 20 espécies nativas.

Apesar de as framboesas serem ainda pouco cultivadas no nosso País e as amoras silvestres estarem há muito esquecidas, a verdade é que o comércio internacional destas plantas é importante e crescente sendo, conjuntamente com a maioria dos restantes pequenos frutos, das culturas cuja expansão tem maior interesse nacional visto, entre outras razões, ser economicamente auto-sustentável sem recurso a subvenções, especialmente no contexto das explorações do tipo familiar e serem fáceis de cultivar, mais concretamente por estarem perfeitamente adaptadas ao nosso clima. Apesar desta circunstância e das boas condições de adaptação, a área cultivada é ainda inexpressiva. 

Há uma enorme diversidade de espécies, quer de amoras quer de framboesas, havendo também vários híbridos inter-específicos (como a célebre e secular Loganberry), estes últimos geralmente apenas destinados para a indústria de compotas. O trabalho de melhoramento destas plantas tem sido intenso (infelizmente, nenhum realizado em Portugal) tendo-se resolvido, por exemplo, um dos obstáculos que se colocavam à expansão da cultura da amora, que eram os seus acúleos (espinhos) havendo já variedades que os não têm. 

Embora as framboeseiras e as silvas sejam plantas muito semelhantes, a primeira e mais evidente diferença entre as duas plantas está no facto de as amoras serem frutos maciços e as framboesas ocos, e esta distinção é por todos facilmente reconhecível. Ao nível do sabor, as diferenças são também absolutas e inconfundíveis.

Assim se explica que, apesar de serem plantas que aparentemente são muito próximas entre si, apresentem hábitos de produção bastante distintos.

Framboesas

Basicamente há dois tipos diferentes de framboeseiras e que importa distinguir sob pena de ser total o falhanço da sua cultura:

1) Plantas de frutificação primaveril;

2) Plantas de frutificação outonal ou remontantes.

Dentro destes dois tipos, existem variedades que se distinguem pelo vigor, resistência a doenças, sabor e cor. 

Figura 3. Variedades de frutitificação no Verão. Eliminar as varas que deram fruto
 

As framboeseiras do primeiro tipo emitem todos os anos varas a partir de uma “touceira”, varas que não irão produzir qualquer fruto nesse ano mas sim e apenas no ano seguinte, não voltando esta vara a, satisfatoriamente, produzir no ano subsequente. Neste caso, e na cultura convencional em solo, a condução e poda destas plantas apenas se restringe à eliminação das varas que produziram fruto nesse ano, deixando as melhores varas nascidas nesses mesmos doze meses para frutificarem no ano seguinte. As plantas de floração outonal têm a característica de produzirem fruto no próprio ano em que nascem, geralmente no final do Verão e no último terço da vara. No ano seguinte essa mesma vara vai produzir fruto na Primavera/Verão e na parte média e inferior da vara. Neste caso, a poda invernal pode ser feita de dois modos:

1) No Caseiro (em que importa uma produção contínua de fruta), as varas são eliminadas quando completaram o segundo ano de produção, havendo assim, sempre, e em simultâneo, varas de primeiro e de segundo ano, produzindo em diferentes épocas do ano.

2) No Industrial, são valorizados os frutos produzidos fora de época, sendo preferível a eliminação de todas as varas, o que obviamente simplifica muitíssimo os cuidados culturais. 

Figura 4. A vara deverá ser cortada até 30 cm na altura de plantar

Pelas razões expostas, há que ter um cuidado criterioso na compra das plantas, verificando-se que a variedade adquirida é a correcta e que corresponde aos requisitos vegetativos preconizados.

Se exceptuarmos as plantas produzidas industrialmente a partir de técnicas de clonagem, a maioria das plantas disponíveis no mercado são obtidas a partir da divisão de touceiras ou, melhor dizendo, provêm das varas anuais que são obtidas com raiz e de seguida engrossadas. A plantação das framboeseiras deve ser feita em linhas, geralmente em bardos encordoados, com um espaçamento entre linhas que não deve ser inferior a 2 metros, e um espaçamento entre plantas que pode variar dos 20 aos 50 cm.

Figura 5. Cotações da Framboesa

A opção por densidades de plantação maiores ou menores apenas se prende com a disponibilidade de capital para investimento inicial e o interesse em se atingir mais rapidamente a entrada em produção pois, quando em plena produção, as plantas deverão produzir rebentos que formarão uma “paliçada” contínua. Apesar da plantação ser feita em linhas, é normal o aparecimento de rebentos fora da linha e mesmo rebentos-ladrões nas entrelinhas. Por este motivo, é desejável que se faça um desbaste em verde dos ramos em excesso e a eliminação daqueles que nascem nas entrelinhas, inclusivamente com herbicidas.

É recomendável a utilização de “mulchings” vegetais ou empanhamentos na linha. Tal tem como objectivo prevenir o excessivo aparecimento de ervas infestantes e reter a humidade do solo. 

Figura 6. Sistema de vedação dupla (medidas em cm)

A utilização de mantas ou de plásticos é também possível, porém, há que ponderar os prós e os contras. A principal contra-indicação para, na linha de plantação, se utilizarem mantas é que estas podem interferir com a rebentação e expansão das novas varas, para o que se tem que rasgar os plásticos na linha o que, logo à partida, vai trazer como resultado uma ineficiência no controlo de infestantes. 

Seja qual for o método de plantação, a água de rega não deve faltar, devendo preferir-se a rega localizada, evitando-se, assim, molhar folhas, flores e frutos, por óbvias razões sanitárias. Como em praticamente todas as culturas, é também nesta possível a cultura sem terra, em vasos com substratos ferti-irrigados.

Porém, estes sistemas tecnologicamente mais avançados devem restringir-se aos casos em que a plantação é feita sob abrigo, em que se pode proceder à vernalização (simulação de um período de Inverno ou importação de plantas de outras latitudes) de plantas para que estas produzam fora de época, ou em que a plantação no solo implique custos acrescidos em termos de espaço, doenças e controlo de infestantes. Na verdade, as doenças radiculares são um problema real no caso das framboeseiras, devendo proceder-se à rotação de culturas. Em situações ideais, a plantação pode ter uma vida útil entre os 8 e 12 anos. Embora algumas variedades não exijam tuturamento (nomeadamente algumas remontantes), a maioria das variedades de framboeseira é suficientemente vigorosa para que seja requerido algum tuturamento. 

Por este motivo, as linhas de plantação devem ser encordoadas, como se faz no caso de uma vinha (ver esquemas ilustrativos), havendo sistemas de arames paralelos ou arames simples. 

 

Amoras

Como se disse, as silvas e seus híbridos, apesar de muito próximas das framboeseiras, apresentam algumas diferenças consideráveis: As variedades de silvas diferem mais entre si quanto ao tamanho, dureza, sabor e perfumes do fruto e vigor da planta do que no caso das framboeseiras, mas menos na gama de cores, que normalmente é azulada ou negra. Acresce o facto de haver variedades com e sem acúleos.

Figura 7. Sistema poste-e-arame (medidas em cm). Arame galvanizado robusto (12-14)

Apesar de as plantações deverem ser feitas com variedades definidas e geneticamente melhoradas, há que referir que mesmo em Portugal se encontram no estado silvestre muitas espécies e clones de silvas cujos frutos têm excelentes qualidades comerciais, não ficando atrás das variedades melhoradas, havendo, neste contexto, bastante trabalho que poderia ser feito a nível nacional.

O maior defeito da maioria das amoras silvestres está no facto de serem geralmente mais moles (o que é preferido pelo mercado consumidor mas não pela cadeia de distribuição deterioram-se rapidamente por serem pouco resistentes à colheita e transporte) e também de tamanho inferior ao das melhores variedades, porém, muitos destes frutos superam em sabor e aromas as variedades comerciais, continuando a ter um valor superior. 

Aliás, quer em Portugal quer em França (tal como os morangos e os mirtilos selvagens) também as amoras silvestres têm clientes dispostos a pagar uma valor superior por estes frutos. A frutificação das silvas pode começar antes de Julho e vai até Setembro, dependendo da localização e variedade, não havendo plantas com diferentes comportamentos como no caso das framboeseiras. Figura 8. Variedades de frutificação no Outono

Figura 8. Variedades de frutificação no Outono

 

Na verdade, as silvas não são remontantes e apenas produzem amoras nos ramos do ano anterior. Ao contrário do que acontece com as framboeseiras, a propagação das silvas é do mais fácil que há, podendo ser feita por estacas de Verão ou de Inverno ou mergulhia. É de todos sabido como estas plantas facilmente se propagam (até por semente) e se tornam infestantes!

Como são plantas muito vigorosas (as plantações podem perdurar até 20 anos) o espaçamento é variável de acordo com a variedade, podendo ir dos 2 aos 4,5 metros entre plantas. Dada a grande diferença de valores é fundamental conhecer muito bem qual a variedade que está a ser plantada. Os cuidados culturais são semelhantes aos que se devem prestar às framboeseiras, nomeadamente em termos de rega, ferilização e aplicação de um mulching. 

 

Figura 9.

 

A condução racional é feita em cordão múltiplo, de 3, 4 ou 5 arames (passando o primeiro a 0,8 metros até ao máximo de 2 metros de altura), aos quais são horizontalmente amarradas duas a quatro varas (ver esquemas ilustrativos).

 

Figura 10. Primavera e Verão

A poda – se a condução durante o período vegetativo for feita correctamente – é muito simples e, dada a forma de frutificação, limita-se a eliminar não apenas os ramos ladrões e mal posicionados mas também toda a lenha que produziu nesse ano, preservando-se os ramos novos do ano, o que pode ser extremamente fácil se se optar por um sistema em leque como aquele que está aqui ilustrado.

 

Figura 11. Amoras

 

Na verdade, neste caso a condução, em cada ano, e alternativamente, para cada lado oposto, as varas anuais. Quer as framboesas quer as amoras devem ser colhidas cuidadosamente, quando maduras, directamente colocadas em cuvetes e refrigeradas quanto antes e expedidas quando pronta a carga. 

 

 

Neste mercado o “tempo é dinheiro” e só deste modo se consegue apresentar um produto de qualidade duradoura e que receba a justa remuneração. Caso não se tenha estes cuidados os frutos colhidos não podem ir para o mercado fresco, tendo de ser direccionados para a indústria de compotas e polpas ou de congelação, perdendo-se a competitividade das empresas portuguesas relativamente aos grandes países produtores de áreas mecanizadas. ¦

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