Mulheres agricultoras e rurais: produzir, alimentar e viver com dignidade no mundo rural

OPINIÃO: MARP – Associação das Mulheres Agricultoras Rurais

As mulheres agricultoras e rurais são um pilar estruturante na construção de sistemas alimentares mais justos, sustentáveis e saudáveis, e na dinamização e coesão dos territórios. As mulheres sabem como ninguém o que significa produzir para alimentar. Mas sabem também o quanto custa viver com dignidade no Mundo Rural face às más políticas agrárias, comerciais e sociais que muito as têm penalizado e aos territórios onde vivem e trabalham.

As políticas agrícolas e de mercados crescentemente orientadas para a maximização e intensificação da produção transformam as agricultoras em produtoras de alimentos a preços baixos, num mercado cada vez mais competitivo e globalizado. Não é raro o preço a que vendemos os nossos produtos não chegar sequer para pagar os custos de produção, para garantir rendimentos para uma vida digna...ou até para pagar as contribuições para a segurança social que nos deem acesso a uma justa proteção social ou à reforma.

Ao mesmo tempo, vemos o mercado inundado de produtos agrícolas que já percorreram milhares de quilómetros – Onde está a tão almejada sustentabilidade ambiental? – limitando as escolhas de quem põe a comida na mesa. Não é preciso ir muito longe para vermos de que forma foram limitados os nossos direitos e a nossa liberdade no acesso à alimentação. Num período tão difícil com a pandemia de Covid-19, a opção política foi de claro favorecimento do grande agro-negócio, quando se determinou o encerramento dos mercados locais e se escancararam e mantiveram sempre abertas as portas das grandes superfícies comerciais. As mesmas que, com outros intermediários, ficam com 80€ por cada 100€ que os consumidores pagam pela sua alimentação. Para quem produz vão apenas 20€ e, destes,15€ são para pagar os custos de produção.

A melhoria dos preços à produção e das oportunidades de escoamento exige a valorização de mercados e feiras de proximidade, de produtos agrícolas e fatores de produção, atividades asseguradas muitas vezes pelas mulheres. Exige-se também que nas cantinas públicas a alimentação seja de qualidade e assegurada em parte significativa pela produção agrícolafamiliar, de preferência local. Para isso, a MARP reclama a concretização plena e urgente do Estatuto da Agricultura Familiar, em vigor há já quase três anos e ainda longe de cumprir os objetivos a que se propôs. Também no âmbito do Estatuto importa a criação de um regime de Segurança Social adaptado à realidade das mulheres agricultoras e rurais que nos faça sair de situação de vida muito precária.

Sem alterações profundas nas políticas agrícolas, o campo continuará a perder o mosaico de pequenas e médias explorações que lhe dão vida e o nosso trabalho será cada vez mais invisibilizado e precarizado. É preciso parar a bola de neve que vai engrossando com as explorações que encerram a cada hora que passa, levando atrás de si Serviços Públicos essenciais. As escolas, os lares de idosos, os serviços de saúde – em particular os de urgência – estão cada vez mais longe de casa e os transportes públicos rareiam, levando ao isolamento e à privação de direitos da população rural.

Direitos que é preciso fazer cumprir e que estão consagrados na Declaração dos Direitos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Zonas Rurais, aprovada pela ONU em 2018, e que exorta os Estados a adotar medidas para erradicar todas as formas de discriminação das camponesas e mulheres rurais.

Precisamos de uma Política Agrícola Comum (PAC) mais justa e solidária, que promova os modelos de agricultura mais próximos dos ciclos da natureza, a Agricultura Familiar, onde nós mulheres temos um papel fundamental na produção de bons alimentos construção e na luta pela Soberania Alimentar do país. Precisamos de outras políticas agrícolas, comerciais e alimentares, outra política de desenvolvimento do território e uma política social que de facto combatam e corrijam as injustiças, pois só assim poderemos preparar uma vida melhor para as gerações futuras, com igualdade, livre de violências, com vida digna para as mulheres e para todos os que vivem e trabalham nos territórios rurais.

Nota de Redação

Artigo publicado na edição n.º 40 da Revista Agrotec.

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