Medronho: o potencial económico de um fruto cada vez mais estudado

A Cooperativa Portuguesa de Medronho (CPM) nasceu em abril de 2014 no Parque Empresarial de Proença-a-Nova. Quase dois anos depois, o Agronegócios foi saber o que está a ser feito no terreno e quais as potencialidades deste fruto, em que vários jovens têm apostado. Carlos Fonseca, presidente da Cooperativa, diz que é essencial «criar escala»e uma das funções da CPM é «criar valor acrescentado ao medronho e ao medronheiro nos mercados interno e externo». Escandinávia, Europa, Ásia e EUA são os mercados-alvo na estratégia de exportação. A investigação é outra prioridade que pode dar uma ajuda.

medronho

Agronegócios: A Cooperativa Portuguesa de Medronho nasceu em abril de 2014. Como surgiu esta iniciativa e porquê no Pinhal Interior?

Carlos Fonseca: A Cooperativa teve, na sua génese, uma série de jovens agricultores que se instalaram com a produção de medronho, que iniciaram projetos na Região Centro, ao nível do PRODER, sobretudo nos concelhos de Proença-a-Nova, Oleiros, Sertã, Penela, Penacova, Arganil, etc. Sentiram essa necessidade de se agregar. Houve igualmente uma discussão pela Escola Agrária de Coimbra sobre possíveis modelos de organização, que pudessem ter mais força e escala e, depois de vários debates, chegamos à conclusão, que nesta fase, a Cooperativa seria o modelo mais interessante. Queremos criar escala nacional, algo que é fundamental para o sucesso do medronho.

AN: Quantos fundadores estiveram na criação da Cooperativa?

CF: Começámos com 19 fundadores, essencialmente destes concelhos do Pinhal Interior (Proença-a-Nova, Pampilhosa da Serra, Sertã, Oleiros, Vila de Rei e mais a norte Arganil, Penacova, Figueiró dos Vinhos, entre outros).

AN: Quantos municípios agrega na totalidade?

CF: Neste momento são à volta de 20 municípios. Dos 19 fundadores, e com o crescimento da cooperativa, temos hoje 55 cooperantes, sendo que temos cooperantes desde o norte do país (Alijó) até Viseu, passando pela faixa de Ovar, Penamacor, Sabugal, norte de Leiria, Santiago do Cacém, bem como do interior do Alentejo. Estamos, de facto, a ter esta abrangência nacional, através de cooperantes, e o nosso objetivo é sermos representantes dos produtores de medronho a nível nacional.

AN: Com quase dois anos de projeto, o que foi implementado no terreno?

CF: Como lhe digo, reforçamos a representatividade, algo que está muito relacionado com a procura da competência técnica para acompanharmos as candidaturas e também a instalação de projetos.

AN: Há essa carência no terreno? As pessoas têm muitas dificuldades, nomeadamente em relação às candidaturas?

CF: Têm, principalmente numa cultura que é relativamente nova. Recordo que, até há pouco tempo, tínhamos o medronheiro como uma planta selvagem, um pouco por todo o país, embora com maior concentração nas serras algarvias e na cordilheira central do país, mas nunca foi considerada uma planta agrícola nem valor adicional.

AN: Quando é que se começou a redescobrir o potencial económico do fruto?

CF: No centro do país houve duas experiências muito relevantes e que ainda hoje são consideradas como que exemplos e áreas-piloto. Falo do caso da exploração de Jorge Simões, de Oleiros, que tem uma plantação de cerca de 14 hectares, que já vai no seu nono ano, e já está a produzir há uns quatro, cinco anos, e que é um ótimo exemplo naquilo que ele próprio designa de pomar de medronheiros – um conceito pouco habitual. O outro é a experiência de José Martins, no concelho de Pampilhosa da Serra. São plantações que terão entre sete e nove anos, já em produção, e que têm servido de exemplo a quem se quer instalar. Inclusive, a formação, a prática, de muitos jovens agricultores, é feita nestas duas culturas, porque são tidas como áreas-piloto, e a própria Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro reconhece estes locais como importantes, por exemplo, para fazer estágios.

AN: O Carlos também tem uma produção através da sua empresa, a Medronhalva?

CF: Sim, a minha tem três anos, embora eu tenha implementado duas estratégias: o sistema da plantação ordenada, os chamados pomares, e depois também fiz a recuperação, condução e poda de medronhais já existentes.

AN: E qual das estratégias é mais produtiva?

CF: Como tudo isto é tão recente e há falta de conhecimento científico todos nós acabamos por andar ainda a experimentar modelos, espaçamentos, etc. Mas é essencial para valorizar esta cultura. E a produção é demorada.

AN: Quanto tempo demora entre a plantação e a colheita?

CF: Aquilo que temos assumido, em média, são cinco, seis anos, após a instalação, mas falo no caso de uma plantação sem rega. Se for com rega, esse período encurta um pouco.

AN: Que desvantagens tem em ser com rega?

CF: O único fator prejudicial é mesmo o custo que implica a produção com rega em áreas que, em princípio, têm de ser consideráveis. Embora também tenhamos exemplos, como é o caso de Proença-a-Nova, em que temos cooperantes que têm rega gota-a-gota em cerca de 2 hectares porque têm objetivos muito específicos para a sua produção seja escoada ao nível de fruto fresco, por exemplo.

Apoio técnico 

AN: E qual tem sido o grande papel da Cooperativa?

CF: Temos de facto o papel de apoio técnico mas há um grande desconhecimento em matérias relacionadas com o medronho, o medronhal e a plantação. Estamos a fazer um grande investimento ao nível da aproximação e do trabalho em conjunto com as universidades e os institutos politécnicos de Portugal. A esse nível, o que posso dizer é que de facto é extraordinário perceber que neste momento oito instituições de ensino superior e investigação estão envolvidas em projetos relacionados com o medronho. Diria que, dentro dos frutos vermelhos, não tenho dúvidas que o medronho é o fruto mais estudado em Portugal.

carlos fonseca

Carlos Fonseca, presidente da CPM

AN: Em que medida?

CF: Quando digo mais estudado é aos mais diversos níveis. Desde a plantação, ao espaçamento, podas (quais são as melhores e piores), qualidade, implicações que o fruto pode vir a ter do ponto de vista da cosmética, da saúde, etc.

AN: E são várias as aplicações do fruto?

CF: Sim, sem dúvida. Já está estudado, nomeadamente pela Universidade de Aveiro, que tem feito vários trabalhos ao nível das potencialidades do fruto para a área da saúde. E são claramente pistas para os produtores de que estamos perante uma cultura que promete, que tem valor acrescentado e que não serve apenas para aguardente, que é aquilo que toda a gente normalmente associa ao fruto. Diria que a grande função desta cooperativa é dar valor acrescentado ao medronho e ao medronheiro nos mercados interno e externo. Quando falamos, por exemplo, no produto fresco, até porque já fizemos algumas prospeções de mercado, os resultados que vamos obtendo leva-nos a concluir que, ao nível nacional, a procura é muito moderada, porque a maioria das pessoas assume que o medronho é um fruto silvestre, que pode apanhar em qualquer lado do país. Todavia, não tenho dúvidas de que se conseguirmos desenvolver investigação, que está a ser feita também ao nível do armazenamento do fruto, da própria colheita, apanhando-o verde e mantendo-o em condições de modo a amadurecer fora da planta sem perder as suas características fundamentais, e o conseguirmos colocar em mercados exteriores, nomeadamente no mercado Escandinavo, isso é ótimo, e temos aqui um nicho com muito potencial económico.

AN: Porquê o mercado Escandinavo?

CF: O medronho é, para os escandinavos, um fruto exótico. E a Escandinávia está identificada a nível europeu como tendo esta cultura do fruto vermelho. Culturalmente, o fruto vermelho faz parte da sua ementa, desde o pequeno almoço até ao jantar. Tem muita gastronomia à base de frutos vermelhos e estamos em crer que o medronho é uma potencialidade.

AN: E que outros mercados podem ser explorados?

CF: Nesta fase, apostamos no mercado europeu e no asiático. O Japão, por exemplo, é um país que pode ter grande procura por este fruto. Depois há outros nichos, como a Irlanda, onde encontramos uma área que apresenta uma mancha de medronhal e que tem muitos turistas, nomeadamente dos EUA, para verem o espaço, porque é um medronhal centenário. Contudo, não há produto à base de medronho. EUA é outro destino muito relevante para os frutos vermelhos.

Investigação e território

AN: Pode estimar quando é que esta fileira está profissionalizada ao nível do dinamismo do mercado interno e externo?

CF: O que constatamos atualmente é que há uma grande procura por se saber mais sobre esta planta. Ao nível da Região Centro sente-se algo a mexer em termos do próprio território. No Algarve e no Alentejo também. O que posso dizer é que, neste momento, o grande investimento está a ser feito ao nível da produção. Não falo em fileira, para já, mas sim em setor, dentro daquilo que são os pequenos frutos vermelhos. E certamente que vamos ter aqui produções porque estou em crer que este namoro entre a fileira da produção e a da investigação, que gera o conhecimento, vai permitir dar um salto diferenciado e qualitativo quando comparamos com outros setores ao nível da fruta. E isto leva-nos a crer, que, a médio prazo, entre cinco a dez anos, quando grande parte destes jovens agricultores já tiverem as suas plantas a produzirem toneladas de medronho, já estaremos num ponto em que a exportação será uma realidade e natural. Certamente que associado a outros produtos, nomeadamente à cereja, por exemplo, e que podem ser âncoras uns dos outros.

medronheiro

AN: Nesta sequência surge o protocolo assinado recentemente entre a Cooperativa e quatro Câmaras do Pinhal Interior (Proença-a-Nova, Pampilhosa da Serra, Vila de Rei e Fundão) e com as aldeias do Xisto.

CF: Sim, foi um protocolo assinado a 30 de janeiro de 2016 e visa reforçar a produção e a ajuda aos produtores. Sentimos que ainda falta aqui uma ligação ao território. E estamos a falar de territórios de Baixa Densidade, onde se verifica uma enorme plantação de eucalipto e de pinheiro. Nunca houve aqui quem demonstrasse que há alternativas. E o medronheiro já lá está, porque se tem tirado medronhais para plantar eucaliptos. Está a estragar-se um valor económico que, provavelmente, é superior ao próprio eucalipto.

AN: E no que respeita à investigação e desenvolvimento, o que está a ser feito?

CF: Neste momento estamos a terminar a composição do Conselho Consultivo da Cooperativa, que irá tomar posse a 26 de março, e que é constituído por pessoas e entidades de investigação de norte a sul do país.

AN: Quais são?

CF: A Escola Superior Agrária de Bragança, do Instituto Politécnico de Bragança, a Universidade de Aveiro (Departamento de Química), a Escola Superior Agrária de Coimbra, do Instituto Politécnico de Coimbra, a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o Instituto Politécnico de Beja, o Instituto Politécnico de Castelo Branco e a Universidade do Algarve. E a mais-valia é que praticamente todas estas instituições estão a trabalhar numa área específica da área do medronho. No fundo, queremos criar aqui uma estratégia no que respeita ao medronho em Portugal. Diria que daqui a três, quatro anos, com esta ajuda também da investigação, o salto na produção aconteça.

AN: Agregar o medronho às aldeias do Xisto é outra vantagem…

CF: Sim, sem dúvida, sobretudo pela grande sobreposição que há no território das aldeias e no território de distribuição do medronho. Potenciar o fruto no território, valorizar a cultura e criar valor acrescentado é, sem dúvida, uma mais-valia. E, para isso, é essencial o conhecimento da sociedade. Com esta partilha entre a academia e a produção chegaremos a bom porto.

Saiba mais sobre a cultura do medronho aqui:

Municípios do Pinhal Interior unem-se na valorização do medronho

Medronho, um “tesouro” a descobrir

Estudo de mercado sobre as potencialidades do medronho na Região Centro 

Fotos: Cooperativa Portuguesa de Medronho

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