A figueira-da-índia

Por: José Carlos Ramalhinho Alves1, Mariana Mota e Cristina M. Oliveira2
1OPUNTIATEC. Rua da Alfazema, nº 24, 1º Dto, 7500-200 Vila Nova de Santo André
2Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-017 Lisboa
Potencialidades da espécie

A figueira-da-índia (Opuntia ficus-indica L.) é uma planta que tem um potencial de aproveitamento quase integral. A nível mundial, existe um historial de consumo dos cladódios – as palmas - para alimentação humana como um legume, em pó como suplemento alimentar ou como farinha e para cura de problemas de tosse. Tradicionalmente, em Portugal, era produzido um xarope a partir do gel que escorre dos cladódios, para combater a tosse convulsa. As palmas são também já largamente utilizadas para a alimentação do gado, principalmente em regiões em que há grandes períodos de seca. Também são utilizadas para a produção de sumos, compotas, picles, conservas, entre outros. No que respeita aos frutos – figos da índia – a sua utilização mais difundida é como fruto fresco, no entanto, há também, a nível mundial, a tradição de consumo em sumo/polpa, estando em estudo as suas potencialidades de utilização como corante alimentar natural. São ainda utilizados para a produção de compotas, geleias, xaropes, produtos desidratados, licores e mesmo vinagre. Da semente, extrai-se um óleo muito utilizado na cosmética devido às suas propriedades de regeneração da pele. O processo de extração do óleo dá origem a um subproduto que pode ser utilizado para a alimentação animal. A flor é utilizada depois de seca para produção de uma infusão com propriedades de combate a problemas da próstata. A planta pode ainda ter uma utilização para a produção de carmim quando cultivada para servir de hospedeira à cochonilha do carmim (Dactylopius coccus Costa).

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Do ponto de vista ecológico, a figueira-da-índia complementa-se na perfeição com o seu meio ambiente, fornecendo alimento e proteção à fauna, não esquecendo a importância que pode representar para as abelhas, o néctar que elas extraem das flores do figo, na primavera e no outono. É também de referir a grande importância para as zonas de caça (espécies cinegéticas) que encontram nas tenras palmas (nopalitos) e figos, uma importante fonte de alimentação, além da proteção que a própria planta proporciona, principalmente na pré e pós criação, às espécies venatórias, constituindo um elemento de defesa contra os seus predadores: raposas, javalis, águias, etc.

As características deste cato, considerando a sua grande resistência aos climas mais agrestes, representam sem qualquer dúvida, um importante aliado do ecossistema e biodiversidade, protegendo-os e fornecendo-lhes os elementos essenciais que necessitam para a sua alimentação e sobrevivência.

Também os terrenos são grandemente beneficiados pela presença desta planta que, em plantações ordenadas, constitui uma mais-valia contra a erosão dos terrenos e na proteção dos incêndios.

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O fruto fresco

Uma das formas mais difundidas de consumo dos figos da índia é como fruto fresco. Para garantir uma melhor qualidade dos frutos, estes devem ser colhidos quando atingem 14 °Brix e logo pela manhã, enquanto a temperatura ainda está relativamente baixa. Após a colheita, os figos da índia devem ser submetidos a um processamento para retirar os picos. Os figos da índia podem ser armazenados a temperaturas entre 6 e 9ºC (temperaturas muito baixas causam manchas provocadas pelo frio) até um período máximo de 2 meses, podendo em certos casos conseguir-se 60 dias de armazenamento a 10ºC (Sáenz, 2006). Para a comercialização dos frutos inteiros com casca, em geral utilizam-se caixas de cartão com alvéolos individuais para cada fruto. Pode, no entanto, ser também utilizado o sistema de palete com 4 a 6 frutos envolvida em polietileno, tendo sido observado que neste sistema há uma menor desidratação e menos danos provocados pelo frio (Sáenz, 2006). Uma alternativa à comercialização dos frutos inteiros, aproveitando tendências que já se verificam na comercialização de outras frutas, conjugada com formas tradicionais de venda noutros países, é a venda dos frutos sem casca, inteiros ou em pedaços, embalados em polietileno ou em caixas próprias para este tipo de consumo. No quadro 1, são apresentados a composição química e as características do fruto.

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Ao nível de lípidos, proteínas, minerais e fibras, o figo-da-índia não difere significativamente de outros frutos tropicais. O figo-da-índia tem um elevado teor de aminoácidos livres, mais especificamente de prolina e glutamina, sendo o teor em taurina que lhe dá o elevado interesse a nível da nutracêutica. O elevado teor em cálcio e magnésio distinguem o figo-da-índia dos outros frutos. O conteúdo em vitamina C é superior ao de outros frutos como laranjas, maçãs, peras, uvas e bananas e compara-se à amora, relativamente ao conteúdo em fenóis totais. De referir que os açúcares (cerca de 14 °Brix) são predominantemente do tipo redutor, glucose seguido de frutose.

Transformação Agroindustrial do figo-da-índia

O figo-da-índia tem inúmeras aplicações no que se refere às possibilidades de transformação e aplicação em vastas áreas da indústria, pelo que é uma cultura atraente desde o ponto de vista económico. Descrevem-se algumas das suas potencialidades mais importantes, mas também algumas aplicações inovadoras que poderão no curto prazo ter elevado interesse por parte da indústria, pelo que a sua investigação deve também ser estimulada em Portugal.

Produtos alimentares à base do fruto

Para além do consumo em fresco, pode também ser preservado através de conservas, congelamento, desidratação, etc.. Há ainda os outros métodos que implicam já um processamento mais complexo e a adição de outros componentes como seja a adição de açúcar, sal, conservantes e acidificantes. Finalmente, podem ainda ser utilizados processos de fermentação láctea ou alcoólica.

Sumos, bebidas e concentrados

O sumo de figo-da-índia natural é um produto de excelente qualidade, muito utilizado por exemplo no Chile. Como a maior parte dos sumos de frutos frescos, deve ser consumido assim que produzido. O consumo do fruto referido faz aumentar a apetência por sumo pronto a consumir. Sendo um produto de baixa acidez e de elevado teor de açúcares, não mantém todas as suas características quando sujeito a processos de conservação por aquecimento. Uma das alternativas é a esterilização através dos processos emergentes de “muito altas temperaturas” (HPP). Há vários estudos relativamente à produção de sumo composto com figo-da-índia e outras frutas, nomeadamente a maçã. No México é produzido um sumo concentrado que se designa “melcocha” e, a partir deste, é produzido um “queijo” que pode dar depois origem a variantes através da adição de baunilha, pinhões, nozes, avelãs, etc.
Pode igualmente ser produzido um xarope através da adição de açúcar. Este xarope pode depois ser utilizado para preparações culinárias ou em cocktails.

Produtos congelados

O produto que se impõe quase de imediato para a congelação é a polpa dos figos da índia. Dada a perecibilidade do sumo, este processo garante a conservação das polpas para posterior utilização em variadíssimos processos culinários. A congelação tanto pode ser feita em pequenas quantidades para consumo doméstico como em quantidades maiores para consumo industrial (restauração, lacticínios, confeitaria, geladaria, etc.).

Produtos desidratados

Dado o alto teor de sementes dos figos da índia, o melhor processo para a produção de fruto desidratado é a utilização de polpa. Foram feitos alguns testes de produção de lâminas de figo-da-índia desidratadas (Sáenz, 2006) tendo as mesmas tido forte grau de aceitação. Este tipo de produtos tanto pode ser consumido por si só, como pode destinar-se a matéria-prima para a produção de Muesli e outros compostos alimentares.

Compotas e geleias

Nos países onde a produção de figos da índia está mais enraizada, há uma forte tradição de produção de compotas a partir de figo-da-índia. Foram realizados vários estudos (Sáenz, 2006) que concluíram que a utilização do fruto inteiro produz melhores resultados. Através da fervura do fruto, posterior filtragem e fervendo com açúcar, obtém-se uma geleia de excelentes características.

Produtos fermentados

No México – país onde a tradição de utilização dos figos da índia é mais completa – é produzida uma bebida, o colonche que resulta da fermentação de sumo de figo-da-índia. É uma bebida de baixo teor alcoólico, 4 a 6 %. Há vários estudos (Sáenz, 2006) sobre a produção de vinho utilizando sumo concentrado, tendo chegado a 11,6º e sobre a produção de aguardente que chegou a 56,2º. Um outro produto que tem vindo a emergir são os licores de figo-da-índia. Outro tipo de produto que se pode obter através de processos de fermentação é o vinagre, sendo que a existência de frutos de várias cores permitiria obter tipos diferentes de vinagres, tirando partido da tendência existente para a utilização de vinagres “diferentes”.

A utilização industrial do fruto

O figo-da-índia é principalmente consumido como um fruto fresco, no entanto, tratando-se de um fruto com um baixa acidez tem um período relativamente curto de manutenção com boa aparência. As características do fruto obrigam a tratamentos de esterilização para evitar que surjam microrganismos patogénicos. Esta situação estimulou a pesquisa de obtenção de derivados e integração em outros produtos. A produção de polpa ou sumo é vantajosamente associada com a produção de óleo das sementes. Outra possibilidade é a extração de óleo e de corantes do bagaço resultante da extração da polpa que contém quantidades apreciáveis de ácidos gordos polinsaturados, predominantemente ácido linoleico. Dado o conteúdo em betalaínas, uma das fortes possibilidades de utilização é como corante alimentar natural, sabendo que as betalaínas só existem em 10 famílias de Caryophyllaleae. As betalaínas dos figos da índia são de dois tipos: betacianinas (cores vermelha e púrpura) e betaxantinas (cor amarela). Neste aspeto, os figos da índia poderão ser utilizados com vantagem sobre a fonte atualmente mais utilizada, a beterraba vermelha, pois não têm as questões relacionadas com o paladar a terra que esta última tem. Estão em curso estudos para a utilização da mucilagem do figo-da-índia como espessante e emulsionante.

Estratégia para a fileira da Opuntia ficus-indica

Um dos desafios das áreas rurais de baixa densidade e, nomeadamente, das áreas sujeitas ao fenómeno da desertificação, será assegurar estratégias que promovam o aumento das receitas provenientes das explorações agrícolas através do incremento do grau de inovação tecnológica, conseguindo produções de qualidade, competitivas nos mercados, que estimulem por sua vez a fixação de população, a criação de emprego e a geração de riqueza, mas que contribuam simultaneamente para a sustentabilidade e melhoria das recursos disponíveis.

Situação atual em Portugal

Em Portugal nos últimos anos esta planta tem tido maior atenção por parte dos investigadores e dos produtores. Em 2008, foi financiado um projeto, realizado no Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica (IBET) em parceria com a Associação para o Desenvolvimento da Engenharia Química (PRODEQ) sobre a valorização de plantas do Alentejo “Ingredientes bioativos extraídos de Opuntia sp". Em 2011, no Instituto Superior de Agronomia foram desenvolvido trabalhos experimentais com o objetivo de avaliar as diferentes espécies e variedades existentes em Portugal, bem como a avaliação técnica e económica da implementação de um pomar de Opuntias no Alentejo (Alves, 2011).

Tendo em conta o recente interesse que esta planta tem cativado por parte de produtores ou de novos produtores (jovens agricultores ou outros), e com o fim de promover, divulgar e potenciar a produção, processamento e comercialização da piteira, foi constituída em março de 2012, a APROFIP - Associação de Profissionais de Figo-da-índia Portugueses, que recentemente mudou o seu nome para Opuntia Portugal.

Esta associação foi criada por um grupo de agricultores e apaixonados por esta planta, onde se integraram e fazem parte agricultores e jovens com formação académica, principalmente na área agrícola, mas também investigadores e empresários. Esta Associação tem como objetivo social o apoio técnico, jurídico e outros, aos seus associados, no âmbito da implementação, manutenção, exploração e comercialização da figueira-da-índia e produtos derivados.

De acordo com os dados da associação Opuntia Portugal, atualmente, existem em Portugal 29 explorações identificadas de Opuntia ficus-indica (3 variedades: verde, laranja, vermelha) e Opuntia robusta, totalizando um total de 60 ha. Em 2014, estima-se um aumento significativo de área plantada (200 ha), tendo em vista um maior número de plantas da variedade vermelha/roxa, dado o seu especial interesse no mercado nacional e internacional. Em 2012 foi criada a OPUNTIATEC, Consultoria Agronómica (Dr. Paulo Ramos e Eng. José Ramalhinho Alves). Esta empresa, em parceria com a Opuntia Portugal/APROFIP, realiza apoio técnico na instalação e acompanhamento de pomares, aconselhamento comercial acerca do escoamento de produtos para exportação e executa projetos cofinanciados no âmbito do ProDeR e QREN.  Ainda assim, a produção da Opuntia sp. em Portugal enfrenta diversos fatores limitantes, como:
-    Escassez de conhecimentos técnicos dos métodos de produção e processamento ao nível dos produtores;
-    Baixo conhecimento do produto no mercado nacional;
-    Limitado acesso ao crédito por parte de jovens agricultores e novos produtores;
-    Dificuldade no acesso à terra para jovens formados na área agrícola que se queiram instalar.

Contudo, admite-se que uma boa estratégia para esta fileira poderá colmatar os constrangimentos e lacunas existentes e criar uma nova dinâmica nos territórios rurais.

Estratégia para a fileira

Uma cadeia de valor agregado pressupõe a geração de uma rede de relações que gera valor económico e benefícios diretos por meio de interações entre duas ou mais organizações, instituições, produtores ou empresas (Sáenz, 2006). Uma cadeia de valor deste género considera os produtos finais que podem ter potencial de mercado nas condições que prevalecem em cada país e tendo em conta por outro lado, os mercados potenciais para exportação (Sáenz, 2006).

Capacitação e Apoio Técnico

-     Assegurar a capacitação de técnicos para apoiar a produção e processamento da figueira-da-índia. Estabelecimento de um programa de formação, incluindo visita a casos de sucesso e contato com boas práticas;
-     Promover ações de informação e formação para agricultores, jovens agricultores e empresários interessados na temática; incentivar intercâmbio de produtores e visitas a casos de sucesso.

Inovação Tecnológica

-     Fomentar investigação aplicada em produtos emergentes ou na melhoria dos processos de produção e/ou processamento; promover projetos de parceria com entidades mais experientes no recurso em causa;
-     Promover a transferência de tecnologia incluindo áreas de demonstração e projetos-piloto de processamento.

Organização da fileira

-     Delinear e implementar uma estratégia de organização da fileira;
-     Estabelecer compromissos entre diversos atores da cadeia produtiva.

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Apoio inicial para instalação de pomares de figueira-da-índia e unidades de processamento

-     Conceder apoio preferencial através de dotações orçamentais próprias ou avisos de abertura específicos, tal como previsto nas Estratégias de Eficiência Coletiva (EEC) do tipo ProDeR/Provere;
-     Implementar um sistema tipo “Banco de Terras” em terrenos com aptidão para instalação de figueira-da-índia para jovens agricultores baseada numa seleção prévia de locais ótimos para expansão deste tipo de cultivo.

Promoção e Marketing

-    Realizar campanhas de informação e marketing a nível nacional sobre as propriedades do produto;
-     Associar a produção do figo-da-índia a um selo ou diferenciação em termos de responsabilidade social e ambiental (produções em zonas desfavorecidas que contribuem para o combate à desertificação);
-     Incluir o figo-da-índia noutras estratégias nacionais (por exemplo: PortugalFoods) e impulsionar a sua exportação.

É de referir que o figo-da-índia, em 2012 e 2013, foi incluído enquanto recurso a promover na Estratégia de Eficiência Coletiva “Valorização dos Recursos Silvestres do Mediterrâneo”, o que permitiu desde já algum apoio nos esforços necessários para a implementação da fileira, nomeadamente a participação dos produtores em eventos nacionais e internacionais, a produção de algum material promocional e a realização de visitas a projetos-piloto. A ADPM (Associação de Defesa do Património de Mértola), em conjunto com a Opuntia Portugal, proporcionou que empresas ligadas ao ramo do figo-da-índia, como a Cactacea (fruto em fresco, licores, compotas, flores), Doces Candeias (licores, compotas, gomas) e CactusExtractus (fruto em fresco e óleo das sementes de figo-da-índia)  tivessem a oportunidade de estarem presentes em feiras nacionais e internacionais, como por exemplo, a BioFach 2013. Contudo, muito mais é ainda necessário fazer, para que esta fileira se comece a desenhar de forma mais assertiva. As sugestões atrás indicadas poderão ser a base para o estabelecimento de um plano estratégico para a fileira que carece ainda do apoio institucional e envolvimento por parte das instituições públicas, nomeadamente do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMAOT).  

Bibliografia

–    Alves, R.J.C. 2011. Perspetivas de utilização da figueira-da-índia no Alentejo: caracterização de Opuntia sp. no Litoral Alentejano e na Tapada da Ajuda e estudo da instalação de um pomar. Dissertação de Mestrado em Engenharia Agronómica, Instituto Superior de Agronomia.
–    Sáenz, C., 2006. BOLETÍN DE SERVICIOS AGRÍCOLAS DE LA FAO 162. Utilización agroindustrial del nopal - Servicio de Tecnologías de Ingeniería Agrícola y Alimentaria (AGST) con la colaboración de la Red Internacional de Cooperación Técnica del Nopal (FAO-CACTUSNET). 97 pp.

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