Controlo Mecânico da Vegetação: Estudo de Rendimento de um Destroçador de Matos e da Decomposição dos Resíduos Vegetais

Por: João P. F. Carvalho ( ), Ana L. Moinho
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Dep. Ciências Florestais e Arquitectura Paisagista, CITAB

Resumo

Apresenta-se e analisa-se uma técnica de controlo mecânico da vegetação espontânea, o destroçador de matos ROTERS T-2000. É avaliado o rendimento desta operação e estudada a decomposição dos resíduos vegetais resultantes. Faz-se uma descrição das componentes do equipamento e indicam-se as suas características técnicas. São analisadas duas situações de estudo, avaliando a biomassa presente, o rendimento da operação em diferentes condições e a taxa de decomposição da matéria seca e de diversos nutrientes presentes nos resíduos por um período de 2 anos. Com vegetação arbustiva de médio e grande porte o rendimento obtido foi de 3 e 4 h.ha-1, respectivamente. Uma maior redução do peso seco dos resíduos ocorre nos primeiros 6 meses após o corte. A taxa anual de decomposição dos resíduos variou entre -0,32 e -0,14 e o tempo para a decomposição total variou entre 4 e 6 anos. A composição de nutrientes nos resíduos segue a seguinte ordem N>Ca>K>Mg>P e a mobilidade relativa dos nutrientes a ordem N>K>Ca>Mg>P. A libertação líquida anual de nutrientes obtida foi de 91.8 kg N.ha-1, 4.5 kg P.ha-1, 52.8 kg K.ha-1, 39.5 kg Ca.ha-1 e 13.7 kg Mg.ha-1. A técnica e o equipamento apresentados podem mostrar-se vantajosos em diversas situações. São abordadas as vantagens e as limitações desta técnica de controlo da vegetação.

Palavras-chave: vegetação arbustiva, controlo mecânico da vegetação, decomposição de resíduos vegetais.

Introdução

Ocorrem diversas situações em que se torna necessário ou benéfico a eliminação ou redução da vegetação espontânea, nomeadamente arbustiva. Estas situações abrangem o controlo da competição da vegetação em acções de arborização, em plantações recentemente instaladas e a redução do risco de incêndio em povoamentos florestais e áreas arbustivas. Pode também incidir em situações de manutenção do pastoreio e promoção da vida selvagem em que é necessário o controlo de vegetação demasiado desenvolvida e indesejável (Newton and Comeau, 1990). Vários estudos mostram ganhos na sobrevivência e crescimento em jovens arborizações decorrentes da redução da vegetação arbustiva (Thompson, 1993; Smith et al., 1996). A competição por luz, água e nutrientes, e efeitos alelopáticos, são eliminados ou reduzidos. Este controlo da vegetação é aconselhável que se faça por meios mecânicos. Em situações de vegetação arbustiva muito desenvolvida, é recomendável o seu controlo estratégico devido ao risco elevado de incêndio. Por outro lado, o uso do fogo pode não ser aconselhável devido aos riscos envolvidos e potenciar a perda de solo e de nutrientes.

Neste artigo é apresentada uma técnica mecânica de controlo da vegetação arbustiva, descrevendo-se o equipamento e a sua aplicação. O estudo é realizado em duas situações distintas, avaliando-se a composição e biomassa da vegetação presente, o rendimento da operação bem como a decomposição e libertação de nutrientes dos resíduos vegetais.

Material e Métodos

Área de Estudo e Tipo de Vegetação

A área de estudo situa-se na zona da Lombada na área do Parque Natural de Montesinho, com Panual de 1000 mm e Tanual de 10 ºC, sendo bioclimaticamente de cariz mediterrânico-continental. Insere-se geologicamente nos complexos vulcano-sedimentar e filado-quartzoso (CGP, 1992), a altitude varia entre 650 e 700 m, possui um declive inferior a 5% e a pedregosidade à superfície é de 6%. O solo é um Leptossolo formado a partir do complexo quartzo-sedimentar. Foram seleccionadas duas zonas de estudo representando diferentes situações presentes quanto ao tipo e desenvolvimento da vegetação arbustiva espontânea (Situações I e II). A Situação I caracteriza-se por matos com desenvolvimento considerado ‘médio’ (h<2,0 m), sendo constituídos por esteva (Cistus ladanifer), sargaço (Halimium alyssoides), carqueja (Chamaespartium tridentatum) e urze (Erica australis), sendo dominantes as últimas duas. A Situação II, corresponde a um matorral alto (h>2,0 m), formado por esteva, carqueja e urze. Para uma caracterização das comunidades vegetais, procedeu-se a uma avaliação da dimensão e biomassa de cada espécie arbustiva em cada zona, através da casualização de 14 parcelas de 1 m2, onde foi medida a altura total de cada espécie e se recolheu toda a matéria vegetal. No laboratório, procedeu-se à secagem (65 ºC durante 48 h) e pesagem de sub-amostras para a determinação da biomassa (peso seco).

A altura média da vegetação é de 1,0 e 1,9 m nas situações de estudo I e II, respectivamente. Em ambos casos, a cobertura da vegetação é total. A situação I representa uma condição média em termos de cobertura e desenvolvimento da vegetação com uma biomassa de 18,4 ton.ha-1, dominada por carqueja e urze com 45 e 50%, respectivamente (Figura 1). A situação II apresenta um desenvolvimento considerável da vegetação, com uma biomassa de 43,9 ton.ha-1, representada pela carqueja urze e esteva, com 18, 36 e 46%, respectivamente, permitindo uma avaliação da operação em condições de vegetação mais difíceis (Figura 1).

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Equipamento e Operação Mecânica

No presente estudo, a operação mecânica de limpeza da vegetação arbustiva foi realizada pela utilização de um corta-matos ou destroçador de matos de facas, ROTERS T-2000, de fabrico francês. Trata-se de uma alfaia de acoplagem frontal operando pela tomada de força da máquina. Neste caso utilizou-se um tractor agrícola de 75 CV DIN e 4 rodas motrizes, equipado com tomada de força e sistema hidráulico frontal. A ligação entre t.d.f. e a caixa de transmissão do destroçador é efectuada por um cardin com embraiagem de discos dupla por forma a reduzir os impactos sobre a t.d.f.

Outros dados técnicos são: peso - 1000 kg, altura máxima – 1,4 m, comprimento – 1,3 m, largura de trabalho – 2,3 m, número de rotores - 2, número de facas - 6 (3/rotor), comprimento das facas - 50 cm (Figura 2).

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As características das componentes do destroçador são as seguintes:

Cofre: estrutura em aço com altura de 15 cm formando o cárter, e no qual se fixam diferentes componentes do destroçador (transmissões, protecções laterais, terceiro ponto e suporte das rodas). A sua estanquecidade permite que o óleo no seu interior assegure a completa lubrificação dos pinhões, veios e rolamentos.
Transmissões: o funcionamento dos rotores é assegurado por um sistema de transmissões existentes no interior do cofre composto por: dois veios dentados, suportando os rotores e porta-facas; dois pinhões laterais, entre os veios; um veio central, ligado a uma caixa de transmissão sincronizada. Esta caixa encontra-se fixada superiormente ao cárter.
Rotores e Porta-Facas: sistema de suporte de facas composto por uma estrutura de protecção aos veios dentados sob a qual se fixa a peça de aço tetragonal para fixação das facas.
Suporte das Rodas: sistema composto por duas peças de suporte e um parafuso de rosca; uma das peças encontra-se fixada lateralmente ao cofre permitindo que a segunda peça, no seu interior, efectue movimentos verticais de forma a regular a altura de corte pretendida (ângulo de ataque).
Protecções Laterais: estruturas em aço fixadas em cada um dos lados do cofre, impedindo a projecção de qualquer objecto pelo movimento das facas.
Barra Frontal Horizontal: barra a 1m do solo destinada a auxiliar o trabalho do destroçador, preparando o mato para corte.

Decomposição dos Resíduos Vegetais

Para a avaliação do teor de humidade e de elementos nutritivos (azoto, potássio, fósforo, cálcio, magnésio) dos resíduos resultantes da operação de corte da vegetação, recolheu-se uma amostra dos mesmos em cada parcela. Em laboratório, procedeu-se à sua secagem em estufa (65 ºC durante 48 horas), pesagem e moagem para análise química. Para avaliar a decomposição dos resíduos ao longo do tempo foram colocados, após a operação e em cada parcela, 12 sacos de rede com malha de 1 mm2 contendo 12 g de resíduos. Posteriormente, foram feitas colheitas aos 6, 12 e 24 meses após a colocação.

Para a avaliação da taxa de decomposição e de exportação de nutrientes, procedeu-se, em cada uma das amostras, à medição do peso dos resíduos e do seu teor em azoto (N), potássio (K), fósforo (P), cálcio (Ca) e magnésio (Mg). Foi ajustada a seguinte equação para avaliação da decomposição dos resíduos, conforme Mwiinga et al. (1994):  yt = x0 . e -k . t, com yt a matéria no momento t, x0 a matéria inicial e k a taxa de decomposição.

Resultados

Rendimento da Operação Mecânica

Os resultados globais dos tempos de trabalho obtidos na operação de limpeza da vegetação para ambas as Situações, constam no Quadro 1.

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Considerando Tt = To + Tm, obtém-se o rendimento global da operação de limpeza mecânica da vegetação em ambas as situações I e II de 3,1 e 4,0 h.ha-1, respectivamente. Uma análise de variância a dois factores mostrou haver diferenças significativas (P<0.05) no tempo de operação entre as duas ‘Situações’ avaliadas, que se explica por uma significativa diferença na biomassa presente em ambas situações.

Decomposição dos Resíduos Vegetais

A evolução do peso seco e do conteúdo de nutrientes dos resíduos é apresentada na Figura 3. A taxa de decomposição (k) para cada período (6, 12 e 24 meses) foi para a situação I: k6 = -0,20, k12 = -0,14 (nesta situação, não se dispôs de dados aos 24 meses); para a situação II: k6 = -0,32, k12 = -0,24, k24 = -0,14.

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Discussão e Conclusões

Os resultados obtidos mostraram que, considerando outras técnicas de controlo da vegetação arbustiva, a técnica e equipamento utilizados permitem um bom desempenho e rentabilidade em diferentes situações de desenvolvimento da vegetação arbustiva. A técnica avaliada oferece benefícios quanto à fertilidade e conservação do solo. Dado que a vegetação é reduzida a pequenos fragmentos, é favorecida a decomposição e libertação de nutrientes ao solo. Os resíduos deixados, dando uma cobertura ao solo, constituem uma protecção ao impacto das gotas das chuvas, impedindo fenómenos erosivos (Pritchett e Fisher, 1987). A permanência dos resíduos permitirá um enriquecimento do solo em matéria orgânica e nutrientes, melhorando a estrutura e arejamento do solo, aumentando a taxa de infiltração de água no solo. Por outro lado, deixando uma camada de resíduos orgânicos atrasa a rebentação e desenvolvimento da vegetação, alargando o período de intervenção no controlo da vegetação.

Com relação à decomposição dos resíduos, verificam-se taxas de decomposição decrescentes no tempo, o que pode constatar-se pela maior redução do peso seco das amostras nos primeiros 6 meses. Para os períodos considerados a taxa de decomposição variou entre -0.32 e -0.14, obtendo-se maiores valores na situação II, o que pode dever-se a uma maior exposição solar, uma vez que segundo Binkley (1986) o aumento de temperatura resultante acelera a decomposição e libertação de nutrientes. Por outro lado, existe uma diferente composição arbustiva, influenciando a taxa de decomposição dos mesmos. A presença de uma maior concentração de fibras em Erica umbellata e E. arborea comparativamente a Chamaespartium tridentatum poderá contribuir para uma menor taxa de decomposição global na situação I a qual apresenta uma maior percentagem de urze (Waring e Schlesinger, 1985). Com base nas avaliações realizadas, o tempo para decomposição total dos resíduos foi estimado entre 4 a 6 anos.

No que se refere aos nutrientes, em ambas situações o teor dos mesmos segue a ordem N>Ca>K>Mg>P. A mobilidade relativa difere para os nutrientes, seguindo em ambas situações a ordem N>K>Ca>Mg>P. O azoto sofreu uma forte lixiviação nos primeiros 6 meses. Na situação 2, ocorreu uma imobilização e aumento posterior por parte de bactérias e fungos (Berg e Ekbohm, 1983) devido a uma maior presença de espécies (Erica, Cistus) com relação C/N alta e uma menor presença da leguminosa C. tridentatum (Hart e Firestone, 1989; Soltner, 1990). Quanto ao fósforo, a sua evolução confirma uma lixiviação inicial seguida de uma imobilização microbiana nas fases mais avançadas do processo de decomposição, verificando-se mesmo um ligeiro aumento (Waring e Schlesinger, 1985). No caso do potássio há uma maior lixiviação, o qual será facilmente arrastado pelas águas das chuvas dada a sua grande solubilidade, se não houver uma adsorção ou fixação. Relativamente ao cálcio, verifica-se uma imobilização do mesmo, particularmente na situação II. Para o magnésio observou-se um decréscimo progressivo ao longo do processo de decomposição. Para a média das duas situações, a libertação líquida de nutrientes foi de 91.8 kg N.ha-1, 4.5 kg P.ha-1, 52.8 kg K.ha-1, 39.5 kg Ca.ha-1 e 13.7 kg Mg.ha-1, com valores maiores na situação 2 devido a uma maior presença de biomassa total.

No que se refere às condições de utilização do destroçador ROTERS T-2000, apontam-se como limitações: abundância de afloramentos rochosos e pedregosidade à superfície; declives superiores a 35%, se bem que possa ser utilizado segundo a máxima pendente; em situações de subcoberto florestal dar-se preferência a compassos regulares ou espaçamentos largos. Como vantagens indicam-se: boa rentabilidade da operação (3 h.ha-1 em situações com vegetação arbustiva de médio porte); tritura a vegetação, favorecendo a sua decomposição; limita a exportação de nutrientes e o empobrecimento do solo em matéria orgânica; protecção do solo contra fenómenos erosivos; dificulta a rebentação da vegetação, aumentando o período entre intervenções; possibilita a intervenção em situações de grande desenvolvimento dos matos; permite a sua utilização em situações de subcoberto florestal ou em plantações recentes; uma vez que não intervém no solo, permite o controlo da vegetação sem danificar as raízes das árvores presentes; possibilidade de utilização no corte de árvores jovens em povoamentos.

Agradecimentos
Os autores agradecem a colaboração prestada pelo Parque Natural Montesinho (ICN) na realização do presente estudo.

Bibliografia

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  5. Mwiinga, R., Kwesiga, F., Kamara, C., 1994. Decomposition of leaves of six multipurpose tree species in Chipata, Zambia. For. Ecol. Manage. 64: 209-216.
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  9. Soltner, D.,1990. Les Bases de la Production Végétale. Collection Sciences et Techniques Agricoles, Angers.
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