Saúde no século XXI: uma revolução na alimentação impõe-se

Por: Armando Alves de Almeida | Médico Veterinário

Evolução da dieta alimentar ao longo dos tempos

O homem atual é, em termos genéticos (99,9%), praticamente idêntico ao homem primitivo (caçador e recoletor) e, como tal, a sua fisiologia, nomeadamente o seu metabolismo, é a mesma.

alimento

O homem primitivo, caçador e recolector de alimentos, alimentava-se, como omnívoro, de produtos animais (carne de caça, pescado, ovos) e de produtos vegetais (folhas, raízes, frutas da estação). Há cerca de dez mil anos, quando começou a dedicar-se à agricultura (revolução agrária), com o “cultivo de plantas e domesticação de animais”, iniciou o consumo de novos alimentos, como cereais, leguminosas e leite de outras espécies animais, possivelmente desconhecidos ou raramente consumidos até então.

Tratou-se possivelmente da primeira grande revolução alimentar: dieta agrária. Os cereais e as leguminosas passaram a ser alimentos básicos e, mesmo presentemente, para a maioria dos médicos e nutricionistas, são considerados alimentos de elevado valor nutricional, nomeadamente quando completos/integrais (boa fonte de energia, proteína, fibra, vitaminas minerais, fitoquímicos) ao contrário da opinião dos investigadores da relativamente recente escola da dieta paleolítica, que defendem que os alimentos a consumir deverão estar de acordo com as características programadas no genoma (ADN) de origem do homem primitivo.

Assim, talvez, não será por pura coincidência que atualmente muito mais pessoas do que se pensa são “sensíveis” ao “glúten” (tipo de proteína resultante da associação de duas outras proteínas (gliadina e glutenina) presente nos cereais (trigo, aveia, cevada…) e dai possivelmente a justificação da presença nos rótulos das embalagens de certos produtos alimentares da designação “ausência de glúten” para pessoas com doença celíaca (doença alérgica traduzida por uma má absorção de nutrientes por lesão ao nível do intestino delgado, com todas as suas consequências).

Há cientistas que acreditam que o glúten dos cereais afeta a saúde das pessoas, mesmo sem sintomas típicos da doença celíaca. Uma segunda família de proteínas dos cereais e leguminosas, as lectinas, podem também afetar negativamente os intestinos, lesando as vilosidades intestinais, interferindo na reabsorção de nutrientes (anti-nutrientes). A possível participação na artrite reumatóide e em certas doenças auto imunes torna ainda mais complexa a problemática do consumo dos cereais e leguminosas que são genericamente aceites como alimentos de excelência, nomeadamente o cereal trigo quando integral. Uma outra substância que está presente em quantidades elevadas nos cereais e leguminosas é o ácido fítico que “adere” aos minerais, cálcio, ferro, zinco e magnésio presentes nas sementes, tornando-os não absorvíveis…

Como se depreende, a matéria é altamente complexa e discutível, mas o facto é que existe…

No campo do leite, o problema não será muito diferente. O leite materno é o melhor e único alimento completo para bebés nos primeiros meses de vida e o não aproveitamento desse dom da natureza paga-se caro.

A frequência com que a amamentação é mínima (escassos dias) devido aos mais variados motivos, destacando-se a má informação, é de lamentar.

O marketing feito nos últimos anos à volta do leite como alimento de excelência para a prevenção da osteoporose (doença associada à falta de cálcio nos ossos predispondo a fraturas) é lastimável.

Acontece que o homem é o único mamífero que consome leite depois de desmamado e, nos animais como a vaca, o hipopótamo, o elefante, enfim, todos mamíferos, mas herbívoros, os ossos suportam centenas e milhares de quilos.

Curiosamente, países com maior ingestão de cálcio de origem láctea tendem a ter mais, não menos, fraturas da anca (E.U.A, Nova Zelândia, Suécia…) e mais comentários poderiam ser feitos sobre a matéria. A intolerância à lactose do leite é um problema que afeta cerca de 70 a 75% da população mundial, principalmente a de origem asiática e africana, que é incapaz de digerir o leite por carência do enzima digestivo láctase, que, fisiologicamente, após o desmame ou pouco depois, deixa de ser fabricado pelo organismo.

O facto de o leite e os laticínios serem produtos agradáveis e aceites como um bom alimento para muitas pessoas é uma coisa, mas afirmar que o seu consumo deverá ser incrementado como preventivo da osteoporose já é outra.

A produção de leite de vaca é, nas últimas décadas, uma atividade empresarial da agricultura, assente basicamente no modelo de produção intensivo-industrial e, como tal, está inserida numa economia de mercado.

O leite que se bebe é uma mistura de largos milhares de litros de explorações diversas e sabe-se que a presença de anti-infeciosos (antibióticos para tratamento de infeções das glândulas mamárias) é frequente, para não se falar da hormona de crescimento utilizada como estimulante de uma maior produção, como se depreende da leitura nas embalagens de certas marcas no E.U.A. (este leite não contém hormona de crescimento).

No campo das carnes o problema também é complexo. A carne de outrora era basicamente proveniente de animais de pastoreio, pouco gorda, equilibrada em ácidos gordos polinsaturados ómega 6 e 3, oriunda dos pastos e com ausência de substâncias tóxicas de origem ambiental.

Nas décadas recentes, a integração das empresas agrícolas na economia de mercado “obrigou” a que a produção de carnes, por exemplo a de bovino, seja feita pelo modo de produção intensivo, em que uma boa parte da engorda é na maioria das vezes feita contra natura, isto é: os animais estão confinados e alimentados frequentemente com rações à base do cereal milho e subprodutos da industrialização (bagaços de soja…), alimentos não consumidos pelos seus homólogos “selvagens” e cada vez mais de origem transgénica e sob a influência de hormonas anabolizantes - sintéticas ou não - antibióticos, etc.

Como consequência, o teor em gordura saturada das carnes da produção animal intensiva é muito superior ao das carnes de animais de pastoreio contendo uma percentagem muito mais elevada de ácidos gordos ómega 6 em relação aos ómega 3, com destaque para o ácido araquidónico (ácido gordo ómega 6 fabricado no organismo animal a partir de ómega 6 alimentar) e a muito provável presença de hormonas anabolizantes e anti-infeciosos.

O ácido alfa-linolénico, (molécula” mãe” da família dos ácidos gordos ómega 3, presente nas folhas verdes, nas nozes, na pera abacate, nos peixes gordos) e o ácido linoleico, (molécula ”mãe” da família dos ácidos gordos ómega 6, presentes no pasto, milho, soja, amendoim e respetivos óleos), são ácidos gordos essenciais (o organismo não é capaz de os fabricar) em que uma das suas funções é a de constituírem respetivamente as matérias primas de construção de substâncias anti-inflamatórias e pró-inflamatórias do organismo.

(Continua)

Nota: Este artigo foi publicado na edição n.º 3 da Revista TecnoAlimentar.

Para aceder à versão integral, solicite a nossa edição impressa.

Contacte-nos através dos seguintes endereços:

Telefone 225899620

Email: marketing@agropress.pt  

Regiões

Notícias por região de Portugal

Tooltip