«O IVV tem de estar junto dos viticultores»

Frederico Falcão, presidente do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), analisa, nesta entrevista um dos setores mais importantes da economia nacional. Considera que «é fundamental haver uma abertura maior» do instituto com os viticultores. O dirigente fala ainda das exportações, do mercado doméstico e do novo sistema de autorizações de plantação de vinhas, que vigorará em Portugal a partir de 1 de janeiro de 2016.

frederico falcao

Frederico Falcão, presidente do IVV | Foto: IVV/Tiago Tomás

Agronegócios: É presidente do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) desde abril de 2012, cumprindo um mandato atualmente que termina em 2018. Que balanço faz até ao momento do seu trabalho e o que mudou nestes três anos?

Frederico Falcão: É sempre difícil falar daquilo que fizemos e, de facto, estabeleci alguns objetivos em relação ao IVV. Um deles que destaco, desde já, é que quis logo implementar dentro da casa uma abertura maior ao setor. Passar a ideia para dentro do IVV (um instituto público, dependente do Ministério da Agricultura) que tem que estar junto do setor vitivinícola, tem de o perceber, acompanhar os seus problemas e, tanto quanto possível, tentar antever os problemas futuros e ajudar a ultrapassar essas barreiras.

AN: Quando chegou ao IVV tinha essa ideia de afastamento entre o IVV e os viticultores?

FF: Eu disse-o muitas vezes, o IVV esteve sempre muito afastado do setor. Contudo, quem me antecedeu no lugar já tinha começado esta abertura, e eu continuei e ajudei a prosseguir. E isso estende-se também às relações do IVV com as instituições do setor, nomeadamente com a ViniPortugal. É fundamental percebermos que, se todos queremos atingir os objetivos, temos de ser parceiros naquilo que queremos atingir.

AN: Esse objetivo está cumprido?

FF: Sim, diria que sim.

AN: Qual é a lacuna que ainda falta cumprir neste setor, nomeadamente com os viticultores?

FF: Eu acho que a comunicação com os nossos viticultores não está a correr da forma que queremos. Temos mais de 60 mil viticultores em Portugal e é difícil fazer chegar as mensagens que queremos de forma célere e eficaz. Dou-lhe um exemplo. Começa em janeiro de 2016 um novo sistema de autorizações de vinha (ver mais abaixo). E apesar de já estarmos a comunicar o tema há bastante tempo, ainda consigo encontrar produtores que nunca ouviram falar do que vai mudar. É por isso que eu acho fundamental esta comunicação mais aberta entre IVV e viticultores. Em termos de promoção, o IVV está hoje com uma ligação muito grande à ViniPortugal e ao setor e acompanhamos muito os eventos. Além disso, no âmbito de uma parceria entre o IVV e a ViniPortugal, vamos tentar perceber (com um questionário) se o trabalho estatístico que estamos a fazer é o que o setor precisa e se a forma e conteúdo daquilo que estamos a produzir são bons para o setor.

A marca-país do vinho

AN: Os vinhos portugueses são cada vez mais reconhecidos em todo o mundo, não só pela qualidade como pelos números da exportação. Que caminho tem sido traçado e o que falta ainda fazer?

FF: O setor vitivinícola foi o primeiro a criar uma marca-país para se promover lá fora. Criámos a marca Vinhos de Portugal – Wines of Portugal, que está connosco desde 2008, e que queremos que esteja presente em todas as ações de promoção fora de Portugal. Estou no setor há muitos anos e já estive em vários pontos do globo a promover vinhos, e em muitos sítios onde estive, quando falava em Portugal, as pessoas não sabiam nada do país nem dos nossos vinhos. Estou a falar em países como a China, Rússia, EUA. Por isso era essencial ter esta marca comum. A verdade é que nos últimos seis anos crescemos consecutivamente em valor em exportações de vinhos portugueses. Em 2014, que foi um ano difícil para a internacionalização de vinhos, posso dizer que dos 11 principais países produtores e exportadores de vinhos a nível mundial, só três cresceram, e Portugal foi um deles. Neste ano de 2015 as coisas estão a correr muito bem. Até setembro, tivemos um crescimento na ordem dos 3,5%. E estamos também a crescer em volume.

vinhos

AN: Mais do que o período homólogo do ano passado?

FF: Muito mais. Em 2014 acabámos o ano a crescer 1,2%, mas como referi, foi um ano difícil em que quase todos os países decresceram e nós fomos dos poucos que crescemos. Sobre os mercados, diria que todos são difíceis. Quando saímos de Portugal para vender, temos a concorrência dos vinhos de todo o mundo. Mas a verdade é que os nossos vinhos não são melhores nem piores que os outros, são diferentes. E tentamos fazer a diferença com a diversidade, de castas, de terroir, etc.. Portugal tem uma variabilidade genética de castas enorme. É esta a nossa mensagem base. E isto tem resultado bem. Obviamente que há países onde ainda há um longo trabalho a fazer. O caso da China é um deles, porque reconhece qualidade em vinhos de um outro país que não Portugal (a França). No entanto, posso dizer que este ano as nossas vendas para a China estão a crescer muito em relação a 2014, na ordem dos 60%.

AN: Fruto deste trabalho?

FF: Fruto de todo este trabalho conjunto, ou seja, muita promoção dos agentes económicos individualmente, do trabalho de promoção das associações do setor, da ViniPortugal. Tudo isto aliado à qualidade dos vinhos que temos, a uma boa relação qualidade/preço, a uma marca Portugal que começa a ganhar força lá fora. Tudo isto somado faz com que Portugal tenha conseguido conquistar alguns mercados difíceis nos últimos anos. Os EUA são claramente o nosso grande mercado de aposta. E não é um mercado, são 50 em 50 Estados, com regras diferentes. Há alguns locais sedimentados mas em outros há ainda um enorme trabalho a fazer.

AN: Angola é outro mercado que tem sido muito bom ao nível das exportações. Mas quanto a Moçambique a história é outra. Quais são as maiores dificuldades no mercado moçambicano?

FF: Moçambique é um mercado mais pequeno em consumo de vinho e onde temos uma fortíssima concorrência dos vinhos da África do Sul. Enquanto em Angola somos claramente líderes de mercado. E isso faz toda a diferença.

AN: Há alguma estimativa em relação às exportações em 2015?

FF: Como lhe digo, até setembro estávamos com um crescimento de 3,5%. Creio que iremos chegar perto dos 750 milhões de euros, eventualmente até ultrapassar. Recordo que tivemos um período inicial do ano com crescimentos superiores, apesar da ligeira queda depois, fruto precisamente das condições do mercado angolano e da situação atual.

AN: Há quem diga que as exportações deixaram um pouco de lado a promoção e acompanhamento do mercado doméstico. Em relação ao mercado interno, o que está a ser feito?

FF: O mercado interno passou, de facto, por um momento difícil, com retração de consumo, que acompanhou a crise, e com uma deslocalização para os vinhos mais baratos. Em 2014 o mercado doméstico começou a inverter a quebra, sobretudo devido ao canal Horeca. Em 2015 observamos já – dados do primeiro semestre – um crescimento de vendas a nível nacional, onde o crescimento já não é no canal Horeca mas na grande distribuição. O que demonstra que os portugueses já têm mais disponibilidade financeira e estão a comprar mais vinhos portugueses. Contudo, é importante que se diga que o mercado nacional não foi abandonado por causa da exportação. Temos, por outro lado, fomentado a promoção do vinho a copo junto da restauração. Em termos institucionais, não há muitas campanhas nacionais já que o mercado consome muito vinho português, e sente-se de alguma forma que não há essa necessidade.

AN: E é verdade que as exportações salvaram muitas empresas no mercado interno?

FF: As exportações claramente ajudaram muitas empresas a ultrapassar muitos momentos difíceis. Com a retração do mercado nacional elas tiveram de dar o salto.

vinhos

AN: Neste últimosanos é unânime a ideia de que nunca se viu tanta diplomacia económica no setor agrícola, agroalimentar e também nos vinhos. Concorda?

FF: Sim, foi. Naturalmente, a diplomacia económica virou-se mais para outros setores onde não há tanta organização e verticalização. O setor dos vinhos é o único que tem um instituto próprio, pertencente a um ministério, a tutelar o setor. E está organizado de uma forma diferente dos outros. Foi o primeiro setor a ter uma associação interprofissional – a ViniPortugal –focada na promoção dos vinhos portugueses. No fundo é um setor que se começou a organizar primeiro do que todos os outros. Mas a verdade é que quando se faz diplomacia económica há que dar atenção a todos, mas há outros setores que precisam mais. O embargo que tivemos na Europa por causa da Rússia, em relação a alguns produtos, estimulou um pouco essa diplomacia económica e fez com que algumas empresas se virassem para outros mercados.

Novo sistema de autorizações

AN: A partir de 1 de janeiro de 2016, o atual sistema de direitos de plantação será substituído por um novo sistema de autorizações. Pode explicar quais as mudanças em relação ao regime atual?

FF: Recordo que na União Europeia (UE) foi acordado em 2008 a liberalização total da plantação de vinhas para 2016. Ou seja, o sistema de direitos iria terminar no final de 2015, podendo cada Estado-membro prorrogar esse prazo até 2018. O mercado do vinho está relativamente equilibrado, chegou a haver ajudas comunitárias ao arranque das vinhas por haver uma sobreprodução de vinha na Europa. E de alguma forma foi preciso equilibrar o mercado também com ajudas à destilação de vinhos, e tudo isto com o enfoque em ajudar a equilibrar o mercado na Europa. O receio de todos os países produtores, incluindo Portugal, era que a liberalização da plantação pudesse levar a uma grande plantação de vinhas em termos europeus e que isso viesse novamente inundar o mercado de vinhos e, por consequência, trazer uma crise ao setor. E encontrou-se este regime que irá vigorar a partir de 2016 e até final de 2030. Se me pergunta se é um sistema perfeito, não é. E este sistema tem três grandes diferenças em relação aos direitos de plantação. A primeira é que cessam as compras e vendas de direitos de plantação. Depois as novas autorizações perdem em termos de validade (o viticultor tem três anos para, depois de arrancar, voltar a plantar a vinha ou, se não o fizer, a autorização extingue-se). A terceira diferença é que até hoje todos os países tinham uma quota estática, no caso, Portugal tem cerca de 240 mil hectares de quota de vinha. Não pode crescer. E quando alguém quer plantar tem que comprar a quota a alguém que quer vender. Como as compras cessam, a única forma de crescer será nova quota. E Portugal já definiu a taxa anual de crescimento de quota (1% da área plantada no ano anterior). Ou seja, em números, nós vamos ter para distribuir anualmente cerca de 2000 a 2100 hectares. No fundo, durante este novo quadro, Portugal poderá crescer cerca de 30 mil hectares.

AN: Não paira aqui nenhuma ameaça sobre este novo regime?

FF: Não. É um regime que nos vai permitir crescer mas de uma forma sustentada, sem haver um crescimento maciço de vinhas e sem plantações desenfreadas.

douro

AN: E a sustentabilidade é fundamental.

FF: Sim, sem dúvida. Queremos esse crescimento e sustentado e acredito que 2000 hectares de vinha é mais do que suficiente para as nossas necessidades. Este sistema terá uma revisão intercalar, a meio do processo (lá para 2021), para fazer um ponto de situação e ajustar se necessário.

AN: São estes então os critérios de elegibilidade para a seleção dos candidatos.

FF: Exatamente. Sendo que os mesmos já estão definidos em portaria, publicada em outubro. E o IVV está neste momento a preparar uma aplicação informática, que se irá aplicar a todo o país. Ou seja, o viticultor em qualquer ponto do país irá submeter o seu pedido de quota e depois consoante as prioridades definidas, será distribuída essa área. Depois há aqui outra questão. Portugal vai crescer 1% em termos anuais e nacionais, no entanto, cada uma das regiões, pode, conseguindo justificar dano económico na região, submeter o pedido à tutela (ao Ministério da Agricultura, via IVV) e pedir para não crescer a 1% e crescer inferior a 1%.

AN: Com o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020) também há muitos apoios para o setor. Qual é a importância do mesmo?

FF: O setor dos vinhos absorveu no passado, no PRODER, uma parte importante das verbas, nomeadamente para a modernização das adegas e para alguns investimentos em vinha, com o estímulo ao investimento. No PDR essas medidas continuam abertas. E é importante que sejam aproveitadas. 

Regiões

Notícias por região de Portugal

Tooltip