Mudar a floresta ou mudar as atitudes?

As florestas na Europa desempenham um papel fundamental para atingirmos os objetivos da sustentabilidade. A floresta portuguesa tem pelo menos uma singularidade, pois mais de 90% é de propriedade privada, de famílias ou empresas, e na região Norte e Centro essas parcelas são de muito pequena dimensão e fragmentadas.

Agroflorestal

Por: José Luís Carvalho | Inovação e Desenvolvimento Florestal, The Navigator Company

A falta de gestão florestal é comum mas, como já foi demonstrado, essa gestão proporciona melhor rendimento e melhor qualidade ambiental. A certificação da gestão florestal é um instrumento valioso para assegurar as boas práticas e valorizar os produtos florestais. Há bons exemplos de mudança de paradigma e, para criar uma transformação na floresta, é necessário que as políticas públicas incorporem a mudança sistémica na sua atuação, envolvendo os que trabalham ou vivem nas comunidades rurais na definição das necessárias transições.

Um terço da área da Europa, 215 milhões de hectares, tem florestas, das quais 14% (30 milhões ha) tem fins exclusivos de conservação e 76% (166 milhões ha) são florestas destinadas à produção de madeira para os mais diversos fins (State of Europe’s Forests, 2015).

Em Portugal, a floresta de produção é também maioritária, mas tem uma característica singular no contexto europeu, a floresta é predominantemente privada, e mais de 90% pertence a famílias e empresas privadas. A legislação nacional existente é complexa e com múltiplos níveis de planeamento e decisão, e uma parte significativa dos proprietários florestais tem dificuldade na sua apreensão.

Sabemos que são, na sua maioria, idosos e reformados, que a madeira e a cortiça constituem os produtos a que atribuem maior importância e que têm pouco interesse nos serviços ambientais, sendo o investimento reduzido e feito com recursos a capitais próprios, tendo como destino privilegiado a arborização (Batista et al., 2005).

Os instrumentos de planeamento florestal, têm em geral, uma visão macroscópica e de integração das principais politicas a desenvolver nas áreas de ambiente, energia, clima, biodiversidade, economia e valores culturais. A participação pública é diminuta e/ou pouco considerada pelas tutelas, criando-se uma desconexão entre autoridades públicas e cidadãos, o que explica, em parte, o falhanço dos modelos tradicionais da acção pública (Crespo, 2013).

Atualmente emerge a noção de que, sendo importante o planeamento territorial estruturado, é crucial para uma boa governança haver uma abordagem focada na participação comunitária, e de gestão participativa, direccionada à governança ampliada.

É difícil entender como poderemos transformar a floresta portuguesa sem uma mobilização para a gestão florestal dos proprietários, que se estima ultrapassarem os 400 mil, com maior incidência no Norte e Centro. Principalmente nessas regiões, a floresta tem um elevado nível de abandono, não se efectuando práticas de gestão florestal.

É amplamente reconhecido que, sem intervenção e gestão, nas nossas condições climáticas, estamos a aumentar o risco de incêndio, a diminuir a capacidade produtiva e a diminuir a resiliência da floresta, que independentemente de ser autóctone ou exótica, vai assim contribuir para as emissões de CO2 e negativamente para a economia, bem-estar social e biodiversidade.

Num recente projeto da Navigator e do Raiz (2018) foi avaliado, na região do Baixo Vouga, as consequências económicas da ausência de gestão florestal. Num território habitado e do litoral, com mais de 50% de área florestal, comprovou-se que mais de 60% da área de eucaliptal não tinha sinais de gestão (Navigator, 2019).

As áreas sujeitas a gestão (limpeza de matos, corte de varas, entre outros) produziam 2,5 vezes mais madeira. Pelos dados do IFN6 pode-se inferir que, no caso de outras ocupações florestais (pinhais, entre outros), a situação é idêntica, variando a intensidade e a localização.

Mesmo nos eucaliptais, que são considerados como um dos poucos investimentos em que o proprietário privado pode esperar retorno estável (Pra, 2019), observa-se uma situação de falta de gestão, apesar dos resultados positivos a obter por essa gestão serem claros, o que leva a admitir que há outros factores relevantes, entre os quais podemos inferir a falta de informação, a desinformação veiculada pelos media generalistas, o enquadramento legal, e outras causas diversas.

Continua

Nota: Artigo publicado originalmente na Agrotec 33

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