«Há cada vez mais portugueses a consumir produtos biológicos»

«Há cada vez mais portugueses a consumir produtos biológicos». Quem o garante é Jaime Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Agricultura Biológica - Agrobio desde 2009, que salienta a cada vez maior procura por parte de consumidores, mas também a chegada de novos agricultores a esta área. O responsável refere que os apoios ao setor (que representa 1% de toda a agricultura) são essencialmente comunitários, através da PAC. Mais produção e agricultores é, na perspetiva de Jaime Ferreira, a aposta fulcral para impulsionar a agricultura biológica, que conta atualmente com mais de três mil agricultores.

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Agronegócios: A Agrobio comemorou em 2015 trinta anos. Que balanço faz deste percurso e que agricultura biológica temos hoje em Portugal?

Jaime Ferreira: São 30 anos de Agrobio mas também de agricultura biológica em Portugal. Chegamos ao momento em que sentimos que muitas pessoas já ouviram falar dela, algumas experimentaram e há um interesse cada vez maior, não só do ponto de vista do consumidor mas também dos produtores, ou seja, dos futuros agricultores. Mas obviamente houve um percurso.

AN: A partir de quando é que se deu esse salto?

JF: Diria que, nestes últimos, apesar da crise, sentimos que passamos para outro patamar, em termos de interesse maior pela agricultura biológica, sobretudo, pelo lado do consumo. A verdade é que, em termos gerais, tem aumentado o número dos consumidores. E há cada vez mais portugueses a consumir produtos biológicos.

AN: Em que parâmetros se baseia para chegar a essa conclusão?

JF: Nós temos 11 pontos de mercados, entre Aveiro e Portimão.

AN: Está a falar dos mercados Agrobio?

JF: Sim. Todas as semanas, fomentamos esses mercados, com cerca de 40 produtores e 60 bancas. O que posso dizer é que se nota uma procura maior na agricultura biológica. E temos mais consumidores. Os próprios produtores sentem isso mesmo.

A saúde e o Ambiente

AN: E isso anima o próprio mercado e o setor?

JF: Exatamente, isso anima o mercado. Além de haver novas pessoas a procurarem estes produtos, na verdade, nota-se que as pessoas são mais seletivas e sentem que devem apostar na qualidade e em produtos que lhes tragam benefícios diretos, como é o caso da alimentação. Os cidadãos procuram produtos biológicos por duas principais razões: a primeira é claramente a saúde e a segunda por razões ambientais.

AN: Qual é que tem mais peso para os consumidores?

JF: A saúde. Além de que o grupo que mais se interessa por produtos biológicos está situado entre os 25 e os 50 anos. As preocupações maiores chegam de casais com filhos, pessoas com problemas de saúde e pessoas que, à medida que envelhecem, acham que devem olhar para elas próprias de outro modo, tornando-se natural a escolha dos produtos biológicos. Destaque ainda para as mulheres, decisoras neste aspeto da escolha dos produtos. E é um interesse genuíno.

AN: Pode colocar-se a questão de esta procura pela agricultura biológica possa ser também uma espécie de «moda»?

JF: Há uns anos podia ver-se a situação desse prisma e, eventualmente, colocar-se essa questão. Mas atualmente acho que falamos de um conceito que veio para ficar. Até porque a questão por detrás é a agrícola. Basta olhar para a Política Agrícola Comum (PAC) com uma forte componente de sustentabilidade e onde tem lugar a agricultura biológica. Na PAC a agricultura biológica nunca foi tão mencionada como hoje. Na prática, falamos de toda uma evolução neste sentido de produtos mais ecológicos, e é um tipo de agricultura que tende a impor-se cada vez mais. É verdade que, do outro lado, temos uma agricultura em grande escala, muito intensiva, e cada vez mais pressionada pelos preços.

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AN: E excluindo as referências à PAC, e falando do mercado interno, ao nível de políticas públicas, que apoios é que a agricultura biológica tem tido?

JF: Essa é uma questão muito pertinente. É que, na verdade, os apoios são sobretudo externos, e chegam por via da PAC.

AN: Não há, portanto, uma política estruturada a nível nacional para este setor?

JF: Não, não há.

AN: E porque é que não existe?

JF: Em 2004 houve uma proposta, que chegou, inclusive, a ser aceite pelo Governo da altura (de Durão Barroso), e que era um Plano de Ação para o Desenvolvimento da Agricultura Biológica (que envolveu várias entidades, a Agrobio era uma delas). Inclusivamente o Plano estava aprovado pelo Governo. Entretanto o Executivo «caiu». O Plano ficou na gaveta e nunca mais lhe «pegaram».

AN: Era um bom plano?

JF: Era. Com metas a atingir, com objetivos a 15, 20 anos. Na verdade atualmente existe toda uma política comunitária favorável e, em simultâneo, temos cada vez mais novos agricultores interessados na agricultura biológica. Com foco nas cidades. E é daqui que chegam os novos agricultores sendo que falamos claramente de uma população urbana. Por isso temos promovido concursos, ações de sensibilização pelo país sobre os novos apoios, etc. E as Câmaras Municipais têm aqui dado também uma ajuda importante, tal como a Bolsa de Terras.

AN: Com esta tutela vemos algum interesse maior sobre a agricultura biológica?

JF: Em relação à ministra Assunção Cristas sempre tivemos um bom acolhimento, mas na verdade a agricultura biológica representa 1% de toda a agricultura.

AN: Quando diz que representa 1%, como é que se dá a volta a esse número?

JF: A base de tudo isto são, de facto, os novos agricultores. Sem mais produção não é possível. Num prazo de quatro, cinco anos, vamos ter mais produção e mais pessoas. Os dados que temos é que as pessoas que recorreram a apoios duplicaram e há muito mais candidaturas. Mas isso não se vê no imediato. O que posso dizer é que há áreas que só funcionam na exportação: o vinho e o azeite, por exemplo. O mel, o azeite e o vinho estão numa categoria.

«Há falta de mel biológico»

AN: Qual é o problema do mel?

JF: O mel não funciona em termos de exportação porque não temos produção suficiente para exportar, sendo que há falta de mel biológico. Há algumas restrições à produção de mel, e exige-se uma exploração de mel biológico para se instalar tem de ter um raio de 3 km à volta para assegurar que não há contaminação de pesticidas, etc. O azeite e o vinho, em termos gerais, o consumidor tem por bom que são produtos bons. E as pessoas não sabem como é que o azeite e vinho são produzidos… A questão, muitas vezes, não é só a produção e transformação...

AN: Ou seja, produção em massa e agricultura biológica são incompatíveis?

JF: Eu acho que sim. É possível produzir produtos biológicos numa determinada dimensão. Em Portugal atualmente temos desde pequena agricultura biológica a explorações de grande dimensão. E há limites na legislação. Devemos questionar-nos em agricultura biológica quando temos produção apenas de um produto. Para ter uma só cultura temos de estar atento às pragas e doenças, e o risco é maior. A agricultura biológica é possível em determinada escala e dimensão, mas há limites. E qualquer produção agrícola é mais rentável se tiver mais do que uma cultura, e o melhor ainda é que se produzam ao longo do ano. Ou seja, diversidade de culturas e de atividades são os eixos da agricultura biológica.

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AN: Têm promovido os seminários ‘Como cultivar uma PAC mais verde’?

JF: Até Julho do próximo ano vamos promover vários seminários no âmbito dessa iniciativa. A introdução da questão das explorações agrícolas terem cada vez mais em consideração a biodiversidade, a proteção do ambiente (as medidas greening), e no campo do desenvolvimento rural temos os apoios específicos para a agricultura biológica. E são mais favoráveis para Portugal.

AN: Por outro lado, a discriminação positiva é importante.

JF: Sim, sem dúvida. E estes novos agricultores trazem uma nova mentalidade, novos conhecimentos.

AN: Quantos produtos de agricultura biológica existem em Portugal?

JF: Dos dados que disponho são três mil ao todo (dados 2012). Hoje serão, provavelmente, mais.

Agroalimentar

AN: A questão do agroalimentar é fundamental. Qual pode ser o contributo desta agricultura para esta questão?

JF: Na agricultura biológica, os agricultores não se deviam concentrar apenas nas matérias-primas ou na produção primária, devem sempre evoluir para a transformação, encontrando sempre produtos para o consumidor final. Fazer face também a questões de mercado que possa haver e há muito interesse nos produtos transformados dos biológicos. Quanto à sustentabilidade alimentar, a segurança tem duas componentes: na Europa falamos sempre do ponto de vista da segurança dos alimentos.

AN: E nunca falam da questão do abastecimento.

JF: Exatamente.

AN: Mas é aí que quero chegar: como é que a agricultura biológica pode contribuir para a questão do abastecimento alimentar no futuro?

JF: Do ponto de vista da segurança, no biológico, estou descansado. Quanto ao abastecimento ele é deficitário. Temos de ter mais agricultores e alargar os mercados, aumentar o número de pontos de venda, próximos dos consumidores, para ter escala. Temos que reinventar e recriar os mercados de proximidade.

AN: O preço afasta as pessoas?

JF: Sim, afasta. E as pessoas continuam a ir comprar os produtos às grandes superfícies.

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AN: Em 2015 comemora-se o Ano Internacional dos Solos. Os nossos solos estão muito maltratados?

JF: É uma questão importantíssima. Não há agricultura biológica sem solo. O solo fértil não sabemos como são todos os seus nutrientes e reações, mas sabemos que um solo fértil produz alimentos mais saudáveis. Os solos em Portugal, em geral, são pobres. Mas temos zonas onde os solos são férteis, como os barros do Alentejo, o Ribatejo, o Minho. Só que parte desses solos também foram levados para uma agricultura intensiva e estão bastante contaminados.

AN: Mas no discurso político raramente se ouve falar dos solos.

JF: As pessoas sabem que o solo está menos produtivo, mas o que fazem é juntar mais coisas, mais pesticidas e herbicidas, sabendo que estão a salinizar os solos, a matar uma fauna e flora que está nos solos, empobrecendo-os. Esta agricultura convencional não pode ter futuro. E o consumidor é que irá definir o que iremos produzir no futuro.

AN: Calculo que a Agrobio seja contra os Organismos Geneticamente Modificados (OGM’s).

JF: Em agricultura biológica não é possível introduzir o conceito de OGM’s. Além de que nós nunca estaríamos arriscar a produzir alimentos, não estando ainda até hoje demonstrado que aquele tipo de produção é segura. Sendo que é altamente intensivo com altas cargas de pesticidas.

AN: Quantos associados tem a Agrobio?

JF: 7277.

Fotos: Agrobio e Ana Clara

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