Enxerto pronto: uma afirmação na Viticultura Portuguesa

artigo científico

Enxerto pronto: uma afirmação na Viticultura Portuguesa

Por: João Garrido, Estação Vitivinícola Amândio Galhano/Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes

A chegada à Europa no último terço do século XIX da Filoxera - inseto que destrói o sistema radicular da “Vitis vinifera”, espécie à qual pertence a generalidade das castas cultivadas - trouxe como consequência uma intensa devastação das áreas de vinhas por todo o velho continente, e determinou uma mudança radical na forma de se cultivar e multiplicar a videira em toda a Europa. Em termos da história da viticultura europeia temos portanto dois tempos: um período pré e outro pós filoxera.

Se no período pré filoxera as nossas castas podiam vegetar sobre as suas próprias raízes, com a invasão filoxérica isso jamais se pôde manter, e a solução encontrada para a continuidade da cultura das tradicionais castas passou, após vários anos de estudo, pela realização da enxertia das castas europeias sobre espécies de Vitis americanas, as quais resistem às picadas do inseto sobre o seu sistema radicular.

A partir de então a reconstituição e plantação da vinha na Europa apenas se efetua recorrendo ao uso de espécies americanas ou seus híbridos, sobre as quais se enxertam as castas, cabendo àquelas apenas a função de fornecer o sistema radicular à videira para que esta possa apresentar uma vegetação saudável e duradoura.

Várias técnicas de enxertia foram gradualmente desenvolvidas na busca da união perfeita entre o garfo e o cavalo, sendo que o grau do seu sucesso depende das condições climáticas que variam como sabemos de ano para ano, para além do bom estado de conservação dos materiais e da maestria do enxertador. Como consequência era, e continua a ser normal, termos anos de boas ou más enxertias.

Este condicionalismo climático para o sucesso das enxertias da videira em pleno campo, acentua-se ainda mais nas regiões onde o clima lhe é menos favorável, como é o caso das zonas que se situam no limite da latitude Norte para a cultura da vinha.

Entende-se por isso que, enquanto os países vitícolas do sul da Europa estabeleciam as suas vinhas com resultados satisfatórios - plantando os bacelos de espécies americanas sobre as quais realizavam as enxertias no campo no ano seguinte à plantação -  os países vitícolas mais a norte, desenvolviam técnicas de enxertia na mesa, para ultrapassar as falhas consideráveis com que eram confrontados nas enxertias em pleno campo. Foi portanto a partir da realização da enxertia da mesa bastante desenvolvida na Alemanha e no norte da França, que chegamos à técnica de produção de enxertos prontos e a qual constitui também, já em Portugal, o melhor recurso na plantação de uma vinha.

O enxerto pronto é portanto uma planta que resulta da enxertia geralmente realizada na mesa, recorrendo a máquinas a pedal ou pneumáticas, unindo uma estaca de porta enxerto ainda sem raízes a um garfo de apenas um olho, da casta que queremos multiplicar e cujo processo de soldadura e de enraizamento ocorre sob condições ambientais controladas e mais favoráveis.

Esta técnica de produção de videiras bastante desenvolvida na Alemanha foi introduzida em Portugal no início dos anos 80 do século passado, essencialmente como uma alternativa à dificuldade que entretanto surgia de encontrar enxertadores. As primeiras plantas enxertadas com algum significado, foram postas no mercado português pelos Viveiros Plansel e pela Estação Vitivinícola Amândio Galhano por volta do ano de 1985.

Se bem que na fase inicial, a aderência da viticultura portuguesa à utilização deste tipo de plantas para efetuar as novas vinhas, foi de alguma reserva, nomeadamente pondo em causa o seu bom desenvolvimento e até a sua longevidade, o passar dos anos e a diminuição da mão-de-obra veio a determinar que na atualidade as novas plantações sejam maioritariamente efetuadas recorrendo ao uso de videiras enxertadas.

Os valores apresentados no Gráfico 1 traduzem a evolução verificada no material usado na plantação das vinhas em Portugal nos últimos 12 anos.

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Fases de Produção do Enxerto Pronto

Na Gráfico 2 encontra-se o esquema de produção de enxertos prontos seguido na Estação Vitivinícola Amândio Galhano.

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As estacas de porta enxerto são recolhidas dos campos de pés-mães durante os meses de inverno, devendo estar bem atempadas. São utilizadas para as enxertias estacas com diâmetro superior a 6,5mm, que são cortadas a 40cm de comprimento e desgomadas (Figura 1). A conservação destas estacas e dos respetivos garfos (recolhidos nos campos de multiplicação das castas), efetua-se em câmara frigorífica a 4ºC (Figura 2) até ao momento da realização das enxertias, que normalmente ocorrem a partir de meados de fevereiro. Previamente à enxertia, as estacas e os garfos, cortados a um gomo apenas, devem ser rehidratados e desinfetados mediante a imersão numa calda antifúngica. p78 fig3p78 fig4

A enxertia efetua-se na mesa por intermédio de máquinas específicas (Figura 3), que fazem o corte e a junção do garfo com a estaca. O tipo de enxertia mais comum é a enxertia em Omega, pois o corte tem a forma da letra grega com esse nome (Figura 4). Após enxertadas as estacas são parafinadas (Figura 5) e colocadas em caixas (Figura  6) e de seguida introduzidas em câmaras aquecidas a 28-30ºC e com humidade relativa elevada (Figura 7) onde ficam a estratificar durante cerca de 15 dias, período de tempo necessário para que ocorra a proliferação do tecido de cicatrização e portanto a soldadura entre o garfo e a estaca; simultaneamente ao processo de cicatrização, inicia-se também o processo da proliferação radicular. À saída da estratificação procede-se à triagem do material (Figura 8).

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As estacas soldadas são então novamente parafinadas e colocadas em viveiro (Figura  9) para continuarem com o enraizamento e respetivo desenvolvimento vegetativo. É fundamental que as estacas sejam plantadas no viveiro já com uma temperatura média do ar e do solo que estimule o seu desenvolvimento, pois caso contrário, as falhas no pegamento em viveiro são grandes. Devem pois escolher-se para viveiro, terrenos que, entre outras características, apresentem bom teor de matéria orgânica, sejam bem drenados, que aqueçam bem e que não sofram geadas tardias. Considera-se um bom aproveitamento no viveiro sempre que as taxas de pegamento são superiores a 60%.

As estacas enxertadas ficam em viveiro de abril a novembro, período durante o qual devem ser regadas, limpas de ervas daninhas e tratadas contra as principais doenças e pragas da videira. A obtenção de enxertos prontos mais robustos, em termos de sistema radicular, é favorecida pela realização de uma a duas despontas, durante a fase de desenvolvimento vegetativo (Figura 10).

Geralmente o arranque em viveiro efetua-se durante os meses de novembro e dezembro; procede-se a uma triagem do material e à poda a 2 olhos do lançamento desenvolvido, sendo de novo parafinado. A sua comercialização efetua-se em molhos de 25 unidades (Figura 11), devidamente etiquetados de acordo com a categoria do material. Tratando-se de material certificado a cor da etiqueta é azul e de material standard é laranja. A conservação dos enxertos prontos no frio é feita até serem expedidos para os viticultores, dando lugar às plantações de Inverno-Primavera.

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Esta é a forma de produção mais utilizada, todavia, outra via de produção de enxertos pronto ocorre pelo enraizamento em estufa (Figura 12), ou seja, as estacas enxertadas à saída da estratificação, são colocadas em vasos de turfa que são dispostos em bancadas de forçagem do enraizamento. Esta alternativa permite dispor de videiras enxertadas prontas para plantação em verde (Figura 13), em pleno campo e no final da primavera (Figura 14), cerca de mês e meio após realizada a sua enxertia.

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Vantagens e inconvenientes do enxerto pronto

Entre as vantagens da utilização deste tipo de plantas, destaca-se antes de tudo o facto de permitirem ultrapassar a já referida falta de enxertadores de campo, que foram gradualmente desaparecendo quando em simultâneo se assistia a um aumento significativo da área de vinhas novas. Por outro lado, o enxerto pronto permite um fácil acesso às castas pretendidas, hoje em dia já nas diferentes formas clonais entretanto selecionadas. As vinhas plantadas com enxertos prontos apresentam também maior homogeneidade que as vinhas plantadas tradicionalmente, proveniente do facto de se diminuirem as falhas que ocorrem em maior número com a enxertia de campo.

No que diz respeito às desvantagens face ao processo de plantação tradicional, advém do maior custo das plantas na fase de instalação da vinha e do maior acompanhamento cultural, nomeadamente na necessidade de tratamentos fitossanitário no ano de plantação (Figura 15).

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