Cortinas Quebra-Ventos - Funções, Tipos e Constituição

Por: João P. F. Carvalho

Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Dep. Ciências Florestais e Arquitectura Paisagista, CITAB 

Resumo

No presente artigo apresentam-se diversos aspetos relacionados com as cortinas quebra-ventos. Indicam-se diferentes funções e benefícios que se podem obter das cortinas assim como situações em que é de interesse a sua criação. Referem-se os tipos de cortinas, com indicações sobre a sua constituição, composição e aspetos a considerar na sua instalação e manutenção.

 

Introdução

O vento pode em diversas situações ser desfavorável para as plantas e os animais assim como ter efeitos negativos ao nível do solo e do clima. Pode também prejudicar o bem-estar das pessoas, em meios rurais e urbanos. Neste sentido, a instalação de cortinas quebra-ventos pode constituir uma forma de controlar os efeitos do vento. Simultaneamente, podem fornecer diversos produtos e serviços. As cortinas quebra-ventos podem providenciar importantes benefícios ambientais e sócio-económicos, sendo também diversas as situações em que se pode proceder à sua implantação (Yahner, 1983; Baudry, 1989; Kemper et al., 1992; Altieri, 1999).

A acção do vento pode ser direta ou indirecta. No primeiro caso, agindo de forma mecânica e alterando processos fisiológicos; no segundo caso, ao interferir com as condições locais do clima e do solo, que por sua vez irão interferir com os fenómenos biológicos.

As cortinas quebra-ventos consistem em linhas ou faixas de árvores e arbustos instaladas de forma a alterar o fluxo do vento, e consequentemente do microclima, de modo a proteger determinadas áreas específicas dos efeitos do vento. São habitualmente instaladas em bordaduras de campos agrícolas ou pastagens, melhorando a produção agrícola e pecuária, e em torno de zonas residenciais, rurais ou urbanas, beneficiando as condições de vida dos residentes. Assim, por exemplo, uma cortina pode proteger uma zona agrícola do vento e, ao mesmo tempo, proporcionar habitat para a vida selvagem, fornecer diversos produtos, melhorar a paisagem e aumentar o valor patrimonial da propriedade. No nosso país, a instalação de cortinas é de grande interesse tanto em planícies e planaltos como em áreas de montanha.

 

Efeitos e Funções das Cortinas Quebra-Ventos

As cortinas atuam sobre os ventos superficiais reduzindo a sua velocidade, protegendo terrenos e diversas estruturas. A seguinte figura mostra o efeito de uma cortina na redução da velocidade do vento a diferentes distâncias da cortina assim como a influência de diferentes densidades da cortina (Figura 1). O efeito de redução do vento é maior nos primeiros metros e estende-se até uma certa distância da cortina em função da sua altura (H).

 

 

 

Figura 1. Velocidade do vento a diferentes distâncias de uma cortina quebra-ventos e efeito da densidade da cortina (ralo, médio, denso e muito denso). Velocidade do vento em percentagem da velocidade inicial antes de alcançar a cortina; distância à cortina em múltiplos da sua altura (H) (adaptado de Naegeli, 1953).

 

A velocidade do vento a uma determinada altura (U) depende de um conjunto de factores conforme se descreve na seguinte expressão:

onde Uh é a velocidade do vento no topo da cortina, h a altura da cortina, x a distância à cortina, z a altura ao solo, z0 o coeficiente de rugosidade da superfície do terreno, F a porosidade da cortina e L uma medida de estabilidade da atmosfera (comprimento Monin-Obukhov). Estudos realizados nesta matéria mostram que aspectos aerodinâmicos do vento e do microclima podem variar consoante as características das cortinas, providenciando indicações sobre os seus benefícios, sua constituição e instalação.

As cortinas quebra-ventos podem desempenhar as seguintes funções: - amenização do clima local; – controlo da erosão eólica; – melhoria da produção agrícola e pecuária; - proteção da vida selvagem; – interceção e deposição da neve; - melhoria da paisagem; – obtenção de diversos produtos complementares. As cortinas permitem melhorar o clima local ao reduzir a velocidade do vento, agir sobre a temperatura do solo e do ar, diminuir as amplitudes térmicas e permitir humidades relativas do ar mais elevadas. De um modo geral, as alterações da temperatura dependem do tipo de cortina, do local, da estação do ano e da hora do dia. Avaliações realizadas em Itália (Sardenha), mostram que no período invernal e na primavera, as temperaturas do ar são maiores na zona protegida, enquanto no período estival as temperaturas são ligeiramente mais baixas comparativamente à zona desprotegida. Com a redução da velocidade do vento há uma menor perda de calor do solo por convecção e evaporação. As cortinas permitem reduzir a evaporação de água do solo e a transpiração das plantas, contribuindo assim para uma economia da água.

Protegem contra o efeito mecânico do vento, o qual pode afetar diversas zonas de cultivo agrícola, a criação de animais, áreas florestais ou zonas habitadas. Por outro lado, protegem os animais do vento, do frio e conferem zonas de sombra protegendo da insolação excessiva. Estudos realizados nesta matéria mostram benefícios na produção agrícola, na precocidade das culturas, numa disponibilidade mais extensa de forragem e em melhores produções animais assim como uma menor incidência de doenças (Pavari e Gasparini, 1943; Alcock et al., 1976; Kowalchuk e De Jong, 1995).

O vento pode intervir sobre o solo de forma direta ou indireta. A erosão eólica com arraste de partículas de solos expostos e descobertos de vegetação tem graves impactos ao nível ambiental, ecológico e produtivo. A ação indirecta faz-se através da sua influência sobre os factores atmosféricos. O controlo da erosão eólica é particularmente necessária em áreas com reduzida vegetação e em que são frequentes períodos secos, temperaturas e níveis de evaporação elevados. As cortinas constituem um importante meio de controlo da erosão eólica contribuindo, juntamente com outras atribuições, no combate à desertificação. Podem também ser utilizadas na protecção e deposição da neve em determinados locais. A deposição da neve é maior a sotavento, podendo a extensão e modo de deposição variar bastante com o tipo de cortina. Para esta finalidade é necessário um cuidado planeamento e instalação das cortinas. Podem, igualmente, ser implantadas cortinas ao longo de auto-estradas e estradas principais com vista a beneficiar o tráfego por razões de segurança face ao vento e à neve. Podem funcionar como elemento estético e orientador de percursos, assim, como proteger do ruído do tráfego em zonas residenciais envolventes. A instalação de cortinas ao longo de estradas poderá reduzir os custos associados com a remoção da neve e melhorar as condições de condução. Constituem, igualmente, zonas de proteção da vida selvagem, favorecendo insetos e aves, contribuindo para o equilíbrio dos sistemas biológicos o que pode ter repercussões positivas nas culturas agrícolas adjacentes. Tipos específicos de cortinas (bandas arborizadas) podem ser desenhados de modo a privilegiar este aspeto, fornecendo abrigo, alimento e sítio de nidificação para as aves, podendo também contribuir para as espécies de interesse cinegético. Por outro lado, podem também funcionar como um elemento de conectividade ecológica na paisagem. Através dos seus elementos constituintes e pela sua disposição no terreno, as cortinas desempenham também uma função estética, contribuindo para a melhoria da paisagem. Podem atenuar o efeito inestético de determinadas construções mal integradas na paisagem. As cortinas podem ser usadas para melhorar as condições de vida e de trabalho em diversas situações. Para além destes aspetos essenciais, as cortinas possibilitam, igualmente, providenciar diversos produtos e, deste modo, contribuir para a economia local. De entre estes produtos, indica-se a obtenção de madeira para marcenaria, carpintaria e construção, madeira de pequenas dimensões para diversos usos artesanais, lenha, diversos tipos de frutos, alimento complementar para os animais, assim como a utilização de plantas com interesse medicinal e melífero. Das cortinas pode obter-se um rendimento económico direto interessante a partir dos produtos obtidos. Globalmente, com relação aos diversos produtos, poderão contribuir entre 500 a 3.000 euros por 100 m de cortina dependendo das espécies utilizadas. Adicionalmente, providenciam diversos benefícios indirectos (intangíveis) com repercussões positivas ao nível ambiental e sócio-económico (Figura 2).

 

 

Figura 2. Esquema síntese das funções e contribuições das cortinas quebra-ventos para o ambiente, as condições de vida e a produtividade em agroecossistemas.

 

Constituição e Instalação de uma Cortina Quebra-Ventos

A constituição de uma cortina-quebra ventos pode ser diversa dependendo dos objetivos e das condições da área em causa. Existem diversos aspetos a considerar na constituição de uma cortina quebra-ventos de modo a garantir a sua eficácia, que se prendem com a sua composição, permeabilidade, altura, homogeneidade, orientação e, no caso de cortinas múltiplas, na distância ou separação entre si. Diversas avaliações mostram que não é conveniente que uma cortina seja demasiado opaca à circulação do vento de modo a reduzir o efeito de turbulência a sotavento. A altura da cortina está relacionada com o tipo de cortina e assim com os objetivos pretendidos. De modo a providenciar uma boa eficácia aconselha-se que uma cortina seja constituída por dois ou três elementos, os quais são: árvore alta, árvore em talhadia e arbusto. A árvore pode alcançar uma altura entre 12 – 20 m consoante as espécies e o local. O segundo elemento, a árvore em talhadia, resulta de rebentos de toiça obtidos para o efeito, e desenvolve-se até uma altura de 5 - 12 m. Por último, a componente arbustiva, pode desenvolver-se até 2 - 3 m ou 3 – 5 m conforme o tipo de arbusto. A utilização de um ou mais destes elementos, juntamente com outros aspetos relacionados com a sua disposição, integração e propriedades particulares, vão possibilitar diversas soluções consoante os objetivos pretendidos. De forma a providenciar um efeito em zonas extensas poderá ser necessário a implementação de um sistema de cortinas dispostas num esquema de defesa múltiplo, em paralelo ou em compartimentação. De um modo geral, a separação entre cortinas poderá, consoante os casos e proteção requerida, situar-se entre 10 – 20 H (H: altura da cortina quebra-ventos). Assim, para uma cortina com uma altura funcional de 10 m, a próxima cortina, num esquema de defesa paralelo, poderá situar-se entre 100 e 200 m de distância.

A orientação das cortinas com propósito principal de proteção de áreas de cultivo é na direcção N-S. A orientação E-W pode também ser utilizada com cortinas de menor dimensão nas situações de compartimentação. Em terrenos situados em encostas são definidas soluções particulares com vista a proteger dos ventos dominantes.

 

Tipos de Cortinas Quebra-Ventos

Podem ser constituídos diferentes tipos de cortinas consoante os objectivos pretendidos, o que está sobretudo relacionado com a sua função primordial além de outros aspetos como a sua localização e orientação. Os tipos de cortinas são os seguintes: - grandes cortinas; - cortinas médias; - bandas arborizadas; - cortinas de coníferas; - cortinas de sub-arbóreas e arbustos; - cortinas ornamentais; - cortinas campestres. Por limitação de espaço referem-se alguns dos principais aspetos envolvidos em cada tipo de cortina. As grandes cortinas desenvolvem-se entre os 12 - 20 m de altura, sendo instaladas em torno de áreas de cultivo ou outras situações, com orientação N-S. As cortinas médias alcançam alturas entre 5 - 12 m, consoante as situações e espécies utilizadas, em orientações N-S ou E-W. As bandas arborizadas são constituídas por 2 – 3 ou mais linhas, sendo especialmente utilizadas com fins cinegéticos, como elemento de conectividade ecológica na paisagem ou casos particulares de proteção do vento. As cortinas de coníferas são utilizadas em situações de proteção ao frio, em zonas costeiras onde as espécies folhosas se adaptem mal ou como efeito visual. As cortinas de espécies sub-arbóreas e arbustos são pequenas cortinas (3-5 m de altura) com menor exigência quanto ao efeito de proteção contra o vento e em outras utilizações destacadas. As cortinas ornamentais são especialmente desenhadas com vista a um efeito estético com uma adequada escolha de espécies onde são considerados diversos aspetos de interesse ornamental (tipo de folhagem, tipo e época floração, frutificação), habitualmente em torno de zonas habitadas, em arruamentos, parques e jardins. Por último, as cortinas campestres são constituídas por espécies espontâneas próprias da região podendo cumprir diversas utilizações incluindo uma integração da paisagem.

  

 

Figura 3. Cortinas quebra-ventos na proteção de campos agrícolas e na paisagem (© J. Carvalho).

 

Composição das Cortinas Quebra-Ventos

São diversas as espécies que podem entrar na composição de uma cortina o que depende dos objectivos e do tipo de cortina, da associação de espécies, do tipo de clima e características do solo. Com relação às árvores, indicam-se espécies como os carvalhos (Quercus faginea, Q. pyrenaica, Q. robur), a azinheira (Q. rotundifolia), o castanheiro (Castanea sativa), as nogueiras (Juglans regia, J. nigra), a cerejeira-brava (Prunus avium), o plátano-bastardo (Acer pseudoplatanus), o freixo-comum (Fraxinus angustifolia). Para alimento complementar aos animais, como pasto arbóreo, são aconselhadas espécies como o choupo-negro (Populus nigra), o freixo-comum ou os salgueiros (Salix sp.). Nas cortinas de coníferas são habituais os ciprestes (Cupressus spp.), Thuja plicata e Chamaecyparis lawsoniana. Como árvores para formação de talhadia são de interesse espécies como o medronheiro (Arbutus unedo), a aveleira (Corylus avellana) ou o azereiro (Prunus lusitanica). Podem também ser usadas algumas das espécies indicadas para constituir o elemento árvore (Quadro 1). Os arbustos podem constituir um elemento importante, podendo favorecer determinados aspetos particulares, como a fauna providenciando abrigo e alimento, fornecer frutos silvestres ou serem utilizadas para fins medicinais, como plantas aromáticas ou de interesse melífero, e também para fins ornamentais. Podem utilizar-se arbustos de maior ou menor porte, consoante os casos, sendo indicadas espécies como o folhado (Viburnum tinus), o sabugueiro (Sambucus nigra), a framboesa (Rubus ideaus), o pilriteiro (Crataegus monogyna), o loendro (Nerium oleander) (Quadro 1).

 

Quadro 1. Espécies mais usuais na composição de cortinas quebra-ventos.

 

Em determinadas situações deverá ter-se em conta a influência que determinadas espécies podem ter como hospedeiras de agentes patogénicos o que ocorre em casos muito particulares, como pode acontecer com o Berberis e a ferrugem dos cereais e os Sorbus e a bacteriose de pomares. A associação de espécies é um aspeto interessante nas cortinas. Neste campo, interessantes contribuições foram dadas a partir de um programa de instalação de cortinas realizado em França, ao nível nacional, durante as décadas de 80-90, incidindo na auto-ecologia das espécies, sua adaptação e equilíbrio.

 

Instalação e Manutenção das Cortinas

Na instalação das cortinas, devem considerar-se e seguir-se os diversos aspetos técnicos relacionados com uma adequada seleção de espécies, preparação do terreno e a escolha de plantas. Os espaçamentos utilizados entre as plantas variam consoante as espécies e o tipo de cortina, sendo de considerar as situações particulares de constituição de cortinas. De um modo geral, para as árvores de maior dimensão recomendam-se espaçamentos de 6 – 8 m, para as árvores em talhadia de 2 m e para os arbustos de 1 m. A manutenção de uma cortina é também um aspecto a ter em conta. Envolve as operações de poda de formação e desramação, que se aplicam tanto nas árvores como nos arbustos. Procura-se obter árvores que sejam bem conformadas, não bifurcadas, com reduzido número de nós e de pequena dimensão, desramadas progressivamente até uma altura de 6 - 8 m. Na talhadia podem realizar-se cortes de modo a regular a densidade dos rebentos presentes. A manutenção pode também envolver intervenções com vista a controlar o desenvolvimento lateral da cortina, o que pode ser realizado com serras mecânicas, a sua renovação no tempo, além das operações decorrentes das produções periódicas obtidas.

 

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