Cisgénese

Por: Joana Fernandes e Paulo Rodrigues

A cisgénese é um método de modificação genética particularmente eficaz no melhoramento de plantas heterozigóticas. Consiste na introdução de genes isolados, juntamente com os seus promotores e terminadores de transcrição, numa planta de determinada espécie (Schouten et al, 2006).

Esses genes, designados por cisgenes são retirados de outra(s) espécies cruzáveis (sexualmente compatíveis), ou da própria espécie que se quer melhorar, tratando-se assim de genes naturais que codificam determinadas características desejáveis que se querem introduzir nos cultivares.  Os cisgenes pertencem ao conjunto tradicional de genes reprodutores da própria espécie ou de espécies cruzáveis, sendo o resultado já existente de evolução natural (Jacobsen and Schouten, 2009).

No entanto, o “produto” derivado da cisgénese é claramente diferente de plantas transgénicas, que resultam da transferência de genes "estranhos", ou artificiais. A cisgénese respeita a barreira das espécies, e, nesse sentido, difere fundamentalmente da transgénese (Schouten et al, 2006) (fig.1).

Ao contrário do que ocorre no processo de melhoramento tradicional através do método de introgressão cruzada (hibridação introgressiva) em que há um fluxo de genes de uma espécie para o acervo genético de uma outra através de repetidos retrocruzamentos entre o híbrido e a sua geração progenitora original (fig.1), a cisgénese pode melhorar diretamente uma variedade preexistente, sem perturbar a composição genética da planta recetora.

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Na prática, a cisgénese pode ser aplicada como forma de aumentar a resistência e a qualidade das espécies de todo o tipo de “cultivares”, mas é particularmente usada em cultivares heterozigóticas como batatas e maças.

Em muitos casos os genes que conferem resistências são encontrados em espécies selvagens, e posteriormente introduzidos nos cultivares de interesse.

Portanto, a cisgénese não altera o conjunto de genes das espécies recetoras e não fornece características adicionais. Não ocorre qualquer alteração na aptidão da espécie que não iria acontecer, quer através do melhoramento convencional ou fluxo natural de genes. Da mesma forma, a cisgénese não acarreta riscos acrescidos, tais como os efeitos sobre organismos não-alvo ou ecossistemas do solo, toxicidade ou risco de possível alergia alimentar humana ou animal, para além dos que também são incorridos pelo melhoramento tradicional (Schouten et al, 2006).

Consequentemente, a produção deliberada e introdução no mercado de plantas cisgénicas é tão seguro quanto o lançamento e introdução no mercado de plantas cultivadas tradicionalmente, pois os genes transferidos vêm do mesmo conjunto genético.

Seria importante excluir a cisgénese da regulamentação que gere os Organismos Geneticamente Modificados pois dado o potencial que este método apresenta em acelerar o processo de melhoramento de plantas, e a obtenção de uma resistência multigénica durável, tal decisão seria muito importante para melhorar a economia e as perspetivas da agricultura.

Vantagens da Cisgénese relativamente ao melhoramento genético convencional

Os desenvolvimentos recentes no isolamento de genes e da técnica de modificação genética mudaram a paisagem no campo do melhoramento genético de plantas.

As novas técnicas de isolamento de genes permitem o isolamento de um número cada vez maior de cisgenes. Estes genes representam a evolução natural dos genes.

Desta forma, a cisgénese tem um grande potencial para superar os principais problemas do melhoramento tradicional. Durante o processo de introgressão cruzada, uma planta selvagem com uma característica interessante é cruzada com um genótipo de alta qualidade.

No entanto, no processo de cruzamento, a planta selvagem não transmite apenas os genes de interesse para a descendência, mas também outros, por vezes, genes deletérios. Este processo de retrocruzamento pode retardar o processo de criação, especialmente se o gene de interesse está geneticamente ligado a um ou mais genes deletérios (Jacobsen and Schouten, 2009).

Para reduzir o efeito deste tipo de retrocruzamento negativo, os criadores de plantas normalmente precisam de sucessivas gerações de retrocruzamento recorrente para que o gene de interesse se desvincule de outros genes indesejáveis e assim se consiga o traço de genótipo pretendido, ou seja, a característica de interesse no respetivo cultivar (Jacobsen and Schouten, 2009).

Esse é outro dos problemas da introgressão intencional, pois trata-se de um processo a longo prazo, podendo levar a muitas gerações de híbridos antes do retrocruzamento pretendido finalmente ocorrer (fig. 2).

Usando o processo da cisgénese apenas é retirado o gene de interesse da planta dadora, o qual é então inserido na planta recetora (cultivar) num único passo (fig. 2). Como não ocorre a transferência de outros genes indesejáveis, este método evita a ocorrência de um retrocruzamento negativo, tornando-se consequentemente num método mais eficaz e rápido que o melhoramento convencional (Jacobsen and Schouten, 2007).

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A cisgénese permite não só melhorar as variedades das culturas existentes de uma forma mais eficiente, rápida e segura, como traz novas possibilidades para melhorar a estratégia de resistência das culturas pois incorpora a possibilidade de empilhar genes de resistência a partir de diferentes fontes, sendo que R-genes isolados são muito mais fáceis de manusear e introduzir nas plantas recetoras.

Principais aplicações da Cisgénese

A cisgénese apresenta potencial de ser aplicada a diversos cultivares, sendo que, atualmente, as batatas e as maçãs são os dois cultivares onde a aplicação desta técnica é mais notória.

A doença mais prejudicial e que causa mais danos nos cultivares de batata é o míldio, que é causado pelo fungo Phytophthora infestans, o qual infeta toda a planta (fig. 3) (Schumann et al, 2000).

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Para o combate a esta doença existe um conjunto de químicos que são vulgarmente usados, no entanto, estes apresentam preços relativamente elevados e poluem o ambiente. Para contornar estes problemas seria desejável ter batateiras resistentes ao míldio, o que possibilitaria a redução do uso de químicos tornando as culturas mais “amigas do ambiente” e seguras do ponto de vista alimentar (Haverkort et al, 2008).

A cisgénese tem sido usada para responder a esse problema, na criação de batateiras mais resistentes ao míldio, em que genes de batatas indígenas, R-genes (R-resistência), têm sido inseridos em espécies usadas nos cultivares de forma a aumentar a resistência.

Esta técnica também pode ser usada para aumentar a resistência das batateiras a outras doenças e pragas de igual importância, como o nemátodo de cisto, verrugas, vírus e bactérias, sendo necessário encontrar os genes que conferem estas resistências, presentes nas espécies selvagens (Haverkort et al, 2008).

No caso dos cultivares de macieiras, uma das doenças que preocupa mais os produtores é a chamada sarna da macieira (fig. 4), causada pelo fungo Venturia inaequalis. Para tratar esta doença é usual o recurso a fungicidas (sintéticos, cobre, enxofre), mas através de R-genes, provenientes de Malus floribunda, é possível, com o uso da cisgénese, produzir cultivares com grande potencial de resistência a esta doença (Jacobsen and Schouten, s/d).

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Através desta técnica também é possível melhorar substancialmente os cultivares, em termos alimentares.

No caso da maçã, ocorre uma mutação natural no fator de transcrição MYB10, o qual controla a via da antocianina, originando um aumento do nível de antioxidantes, levando a que a polpa das maçãs fique vermelha (fig. 5). Esta mutação natural é então transferida para os cultivares de macieira recorrendo à cisgénese, obtendo-se assim maças de polpa vermelha, não transgénicas (Jacobsen and Schouten, s/d).

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Bibliografia

    1. Fachinello, J. C., Nachtigal, J. C., S/D, Fruticultura- fundamentos e praticas, Serie livro de Embrapa clima temperado, http://www.cpact.embrapa.br/publicacoes/download/livro/fruticultura_fundamentos_pratica/11.4.htm
    2. Haverkort, A. J.,  Boonekamp, P. M., Hutten, R., Jacobsen E.,  Lotz, L. A. P., Kessel, G. J. T., Visser, R. G. F.,  Van der Vossen, E. A. G., 2008, Societal costs of late blight in potato and prospects of durable resistance through cisgenic modification, Springer, DOI: 10.1007/s11540-008-9089-y
    3. Jacobsen, E., Schouten, H. J., 2009. Cisgenesis: an important subinvention for traditional plant breeding companies. Euphytica 170:235. Springer.
    4. Jacobsen, E., Schouten, H. J., 2007. Cisgenesis strongly improves introgression breeding and induced translocation breeding of plants. Trends in biotechnology. Science Direct.
    5. Jacobsen, E., Schouten, H. J., S/D, Cisgenesis, Wageningen University and Research Centre Department of Plant Breeding, http://www.cisgenesis.com/content/view/10/38/lang,english/
    6. Schouten, H. J., Krens, F. A., Jacobsen, E., 2006. Cisgenic plants are similar to traditionally bred plants. Science & Society. Embo reports vol. 7, nº 8, 750-753 p.
    7. Schumann, G.L. and C. J. D’Arcy. 2000. Requeima (míldio, pt) da batateira e tomateiro. Portuguese translation by Breno Leite, 2007. The Plant Health Instructor. DOI: 10.1094/PHI-I2007-0718-01

 

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