Capoulas Santos: «quando cheguei à tutela o investimento no PDR estava parado»

O Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural faz, em entrevista ao Portal Agronegócios e à revista AGROTEC, o ponto de situação sobre o PDR2020, fala dos investimentos na Agricultura, do Banco de Terras mas também da reforma da floresta. Luís Capoulas Santos não tem dúvidas: «não há abrandamento na dinâmica de investimento no setor. Antes pelo contrário!».

Entrevista: Ana Clara e Bernardo Madeira | Fotos: César Cordeiro

capoulas santos

Agronegócios/AGROTEC: No Programa de Desenvolvimento Rural (PDR2020) tem havido queixas permanentes de atrasos (superiores a 6 meses) na avaliação de candidaturas, quando a lei dtermina não exceder o tempo de 60 dias. Como espera o Governo reverter a situação?

Luís Capoulas Santos: Este Governo deparou-se com uma situação de grande vontade de investir por parte dos agricultores, face a uma total incapacidade de resposta por parte do anterior Governo, que paralisou o PDR2020. Quando chegámos, estavam contratadas zero candidaturas, o investimento estava parado. Neste momento, a situação é completamente diferente: foram já analisadas cerca de 72% das mais de 30 mil candidaturas apresentadas. Este resultado decorre de termos estabelecido metas mensais para projetos analisados, que se situam nos mil e 300 projetos por mês. A situação está de facto a ser revertida e esta evolução no número de projetos analisados está a traduzir-se num elevado número de projetos decididos, sendo objetivo do Governo ter este processo em dia a muito curto prazo. O ritmo é outro e deixo aqui o exemplo da medida de apoio às intempéries que ocorreram no passado mês de fevereiro e que atingiram em particular a região do Douro. Foram submetidas até ao início de maio cerca de mil e 600 candidaturas. No final de agosto estavam decididas mais de metade dessas candidaturas e hoje, salvo algum caso excecional, o processo está encerrado.

AG/AG: Terá sido feita uma petição na Provedoria de Justiça pedindo a aprovação tácita das candidaturas em atraso (>60 dias), por aplicação da própria lei que regula o PDR. O Governo está preparado para lidar com uma situação destas?

LCS: Como disse, é objetivo do Governo ter este processo em dia a muito curto prazo.

AG/AG: A contratação de equipas de avençados (externos ao Ministério da Agricultura) levantou um coro de reclamações devido à falta de uniformidade de critérios nas aprovações pois, por vezes, projetos iguais sofrem cortes muito diferentes. Irá o Ministério alterar a forma de recrutamento e o procedimento formativo?

LCS: Em primeiro lugar importa sublinhar que temos a preocupação de garantir que todos os técnicos envolvidos na análise têm um vínculo estável com o Ministério. Por esta razão foram realizados procedimentos de recrutamento com base em contratos válidos para todo o período do PDR2020. Contudo, esses recrutamentos representam não mais de 10% do total de técnicos do Ministério envolvidos no processo de análise e decisão das candidaturas. De todo o modo, importa sublinhar que nenhum técnico age isoladamente neste processo: em todas as regiões o trabalho de análise feito pelos técnicos é objeto de validação expressa por um coordenador antes da emissão do parecer final pelo Diretor Regional. Ou seja, existem mecanismos no sistema, validados pelas auditorias da Inspeção Geral de Finanças, que dão garantias de um trabalho consistente. Ainda assim, como nenhum sistema consegue garantir uma uniformidade absoluta existe a possibilidade de reclamação para a Gestora do Programa.

AG/AG: Os prazos de pagamento do programa PDR têm também sofrido enormes atrasos, tendo em consideração o que vinha sendo hábito no tempo do PRODER. Porque estão a acontecer esses atrasos?

LCS: Quero deixar muito claro que este Governo tem vindo a trabalhar com o objetivo de recuperar o atraso em que o programa se encontrava, ao ritmo de mil e 300 projetos por mês, contando ter toda a situação regularizada ao longo do primeiro trimestre de 2017. Em todo o caso, o valor dos pedidos de pagamento entrados e em análise, isto é, ainda não pagos, não chegou a atingir nunca o valor de 60 milhões de euros, quando no PRODER este montante chegou a quase 200 milhões de euros.

AG/AG: Não há o perigo de a dinâmica de investimento na Agricultura abrandar por este motivo?

LCS: Não há abrandamento na dinâmica de investimento na setor. Antes pelo contrário!

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AG/AG: Em entrevista à AGROTEC, Licínio Pina, Presidente do Conselho de Admi­nistração Executivo do Crédito Agrícola afirmou, em junho, que estava em negociação com o Ministro da Agricultura a possibilidade de os bancos con­cederem crédito para adiantamento de projetos aprovados mas ainda não financiados pelo PDR, sendo dadas garantias avalistas por parte do Governo. Como se encontra atualmente o financiamento bancário dos projetos de investimento?

LCS: É um processo que está em curso, depois da assinatura do protocolo entre o IFAP e as instituições financeiras. Tratou-se de assegurar um mecanismo de apoio aos agricultores, para manter o ritmo do investimento, sendo aceite como garantia a aprovação da candidatura. Este protocolo tem vindo a assegurar que não há perdas de tempo, e de oportunidade, no processo de investimento dos agricultores.

AG/AG: Houve uma longa tradição em que o Ministro da Agricultura acumulava a +pasta das Pescas. Porém, na atual legislatura há uma separação de ministérios mas muitas das funções relacionadas com as Pescas continuam cometidas a técnicos e nas instalações das Direções Regionais de Agricultura. Como tem sido esta convivência (dois ministros a partilhar parte da mesma orgânica)?

LCS: A separação dos Ministérios da Agricultura e do Mar corresponde a uma opção política do Governo que não tem gerado quaisquer dificuldades ou constrangimentos no funcionamento dos serviços das DRAP.

AG/AG: O desenvolvimento da aquacultura em águas interiores foi, durante algumas décadas, uma das bandeiras das Direções Regionais de Agricultura. Sente que a existência de uma Ministra do Mar, com competências na aprovação de projetos em explorações agrícolas, é um fator que aumenta o grau de burocracia e complexidade? A título de exemplo, a ranicultura envolve um processo de licenciamento pecuário no âmbito do R.E.A.P, mas o financiamento é feito com verbas do MAR2020…

LCS: A Ministra do Mar não tem quaisquer competências em matéria de aprovação de projetos em explorações agrícolas. As DRAP são as entidades coordenadoras dos processos de licenciamento das explorações pecuárias, bem como das unidades agroindustriais dos Tipos I e II. As Direções de Investimento das DRAP têm equipas multidisciplinares autónomas, que lhes permitem, por um lado, analisar projetos relativos ao setor agrícola e florestal no âmbito do PDR 2020 e, por outro, analisar projetos relativos ao setor do Mar, no âmbito do Mar 2020.

AG/AG: Os fogos de grande dimensão que deflagraram este ano levaram o Governo a considerar a aprovação de compensações para os agricultores das freguesias afetadas pelos fogos. Verificou-se que os apoios foram concedidos a quem simplesmente tinha o gado registado na freguesia, independentemente de realmente ter sofrido prejuízos. Sabemos de empresários que receberam mais de 2.000€ (30€/bovino) sem que sequer o fogo tenha andado perto das suas explorações. Esta atitude de compensação de prejuízos não leva ao sentimento de que o fogo até acaba por ser uma vantagem e um convite ao desleixo, uma vez que, havendo prejuízos, o Governo os compensará?

LCS: O Despacho n.º 10635-B/2016, de 23 de agosto, dos Ministros das Finanças e da Administração Interna, disponibilizou 500 mil euros para fazer face aos danos provocados pelos incêndios, nomeadamente a destruição dos pastos usados na alimentação dos animais das espécies bovina, ovina, caprina e equídeos, em explorações localizadas nas 51 freguesias da área afetada (Norte e Centro), cuja área ardida corresponde a uma área superior a 30% da área total de cada freguesia. Foram recebidas 899 candidaturas, a que corresponde um montante global de apoio de 233.340 euros. Todas as situações foram verificadas e confirmadas pelos serviços. Face ao exposto, resulta com clareza que o Governo apoiou de forma diligente e célere os agricultores afetados pela situação dramática decorrente dos incêndios que deflagraram. De qualquer forma, não considero, de maneira alguma, que os agricultores tenham essa vocação para o desleixo subjacente à sua questão. Considero que são pessoas extremamente trabalhadoras e cumpridoras, caso contrário não singrariam na atividade.

AG/AG: Em 2012 foi revogado o Código Florestal, aprovado apenas três anos antes. Portugal mantém-se assim como dos poucos países desenvolvidos sem um Código desta natureza, e em alternativa imensa legislação avulsa. Está nas prioridades do seu Ministério recuperar esta ideia e voltar a avançar com o Código Florestal?

LCS: O Governo, independentemente da forma de que venha a revestir-se a sistematização legislativa, está a trabalhar para a tornar a legislação mais acessível aos destinatários.

Floresta

AG/AG: Qual o impacto no novo pacote de medidas para a floresta recentemente anunciado?

LCS: Contamos introduzir uma nova orientação política para a floresta, com o objetivo de recuperar, numa década, os 150 mil hectares de floresta perdidos nos últimos quinze anos. Queremos fazê-lo promovendo uma gestão sustentável e profissional, num quadro de adequado ordenamento florestal, para aumentar o rendimento dos produtores, garantir matéria-prima à indústria e reduzir o risco de incêndios. Os Guardas de Recursos Florestais, de acordo com o Decreto-Lei n.º 9/2009, são contratados pelas Entidades Gestoras das Áreas de Caça, sendo estas obrigadas à sua contratação. Estando praticamente todo o país “coberto” por zonas associativas de caça, por que razão não existem Guardas de Recursos Florestais? Cabe, nos termos previstos no Decreto-Lei 114/2011, de 30 de novembro, às Entidades Gestoras de Zonas de Caça, e não ao Governo, a contratação dos guardas que considerarem necessários para, complementarmente, assegurarem a proteção do recurso caça nestas zonas, sem prejuízo, obviamente, das competências fiscalizadoras das entidades oficiais, designadamente a GNR e os Guardas Florestais nela integrados.

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AG/AG: Durante o Governo de Pedro Passos Coelho a Bolsa de Terras foi uma bandeira do Governo, mas com um saldo que, à escala nacional, podemos avaliar como nulo. É válido o modelo da Bolsa de Terras sem se implementar a reforma fiscal da propriedade rústica? Tem o Governo intenção e capacidade de fazer essa reforma antes de terminar o mandato?

LCS: O modelo da Bolsa de Terras é insuficiente, como está à vista. A Reforma da Floresta que está em curso tem como “pedra de toque” precisamente a questão da propriedade rústica. É objetivo central desta reforma a identificação da titularidade da propriedade e a elaboração do respetivo cadastro, uma peça fundamental para concretizar um efetivo ordenamento do território e que tem faltado sistematicamente. Trata-se de uma tarefa de grandeza assinalável e este Governo decidiu olhar para ela de forma direta: vamos utilizar a informação de que o Estado já dispõe, e que se encontra dispersa por diversos organismos, como ponto de partida. Por outro lado, vamos estimular os proprietários a procederem à atualização da titularidade da propriedade, através de diversos incentivos, conseguindo com isso perceber quais são as terras sem dono conhecido, que mais tarde serão integradas no Banco de Terras. Entretanto, criámos uma nova figura, a das Sociedades de Gestão Florestal, que beneficiará de um generoso pacote de incentivos fiscais. Alguns dos quais são benefícios fiscais no âmbito da propriedade, consubstanciando a reforma de que fala.

AG/AG: Ao fim de quase um ano de legislatura, ainda crê que o modelo de Banco de Terras poderá, de facto, considerando a nossa geografia social, produzir algum efeito na disponibilização de terras agrícolas ociosas tornando-as produtivas?

LCS: Não só acredito, como estou a implementar esse modelo, cujo diploma se encontra agora disponível para discussão pública. A criação do Banco de Terras, em articulação com o Fundo de Mobilização de Terras, é um instrumento que, acredito, vai efetivamente disponibilizar terras para a agricultura, tendo em conta que vai contar, desde logo, com o património fundiário do Estado e, dentro de dois anos, com as chamadas “terras sem dono conhecido”. Neste espaço de tempo de dois anos vamos ter um período de regularização da titularidade da propriedade, dando às pessoas a possibilidade de registarem as suas propriedades sem pagarem quaisquer taxas ou emolumentos, fator que tem sido, sem sombra de dúvida, um obstáculo a que o fizessem. Findo este prazo, as terras cujos donos não estiverem identificados passarão a integrar o Banco de Terras e serão geridas pelo Estado, sendo possível, ao longo dos 15 anos seguintes, reverterem para os seus legítimos proprietários, caso sejam identificados. Enquanto estiverem sob gestão do Estado, estas terras estarão disponíveis para serem utilizadas de acordo com a sua aptidão. Acredito que haverá procura e que muitas delas passarão a produzir, seja no âmbito agrícola, seja no florestal, ao contrário do que se passa agora. 

Nota Editorial: Esta entrevista pode ser lida igualmente na edição N.21 da Revista AGROTEC.

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