«O Crédito Agrícola é cada vez mais o banco de refúgio dos portugueses»

«Banca de proximidade». É desta forma que Licínio Pina, Presidente do Conselho de Admi­nistração Executivo do Crédito Agrícola (CA), define, em entrevista à AGROTEC e ao Agronegócios, a forma como o CA se posiciona no mercado. Enquanto outras instituições vivem inúmeras dificul­dades, o CA está «a constituir-se cada vez mais como o banco de refúgio dos portugue­ses». O responsável considera ainda que um dos principais problemas do país é a gritante falta de planeamento nacional. 

licinio pina

Entrevista: António Malheiro/Ana Clara

Fotografias: Ana Clara/CA

AGROTEC/AGRONEGÓCIOS: O Crédito Agrícola tem uma marca genética, mutualista, regionalista e agrícola. Desde 2013, o CA tem como ban­deira o “Banco Nacional com Pronúncia Lo­cal”. Pode contextualizar as insígnias desta nova bandeira?

Licínio Pina: Nós instituímos essa nova as­sinatura – “Banco Nacional com Pronúncia Local” – para salientarmos a importância que têm as Caixas Agrícolas no contexto do gru­po financeiro CA. Somos um grupo bancário universal, mas com uma característica muito específica, porque é composto por um conjun­to de pequenos bancos que são as suas Caixas Agrícolas, a pronúncia local. A parte nacional é o todo. E a ideia é salientar a importância das Caixas Agrícolas.

AG/AN: A Banca Portuguesa está a atravessar uma turbulência inaudita. No entanto este vendaval não levantou uma única folha da vasta floresta das 82 caixas e 675 balcões do CA. O CA está a capitalizar este ativo que é a confiança dos cidadãos?

LP: O contexto da economia nacional e inter­nacional, e mais propriamente o contexto vivi­do pelo sistema bancário português, tem sido bastante difícil e adverso. Nós, no CA, temos passado este período de crise relativamente bem porque temos um modelo de negócio único. O que nos dá sustentabilidade é o nosso modelo e não o facto de estarmos mais ligados à Agricultura.

AG/AN: E qual é esse modelo?

LP: Nós temos um modelo de trabalho, bancá­rio, muito próximo das pessoas. Praticamos uma banca de proximidade e relacional com valores de confiança das pessoas e da seriedade das mes­mas perante a instituição. E, temos notado ulti­mamente, que o CA está a constituir-se cada vez mais como o banco de refúgio dos portugueses.

AG/AN: Em que medida?

LP: Tem havido, por questões de gestão e otimi­zação nos restantes bancos, um emagrecimento ao nível das agências e, consequentemente, ao nível da empregabilidade das pessoas. O CA, há dois anos, que tem os balcões espalhados e bastante otimizados por todo o território nacional, exceto na Região Autónoma da Ma­deira (onde iremos abrir um balcão ainda este ano) e estávamos sozinhos em 250 povoações. Acontece que no final de 2015, resultado do encerramento massivo de balcões por parte da restante banca, o CA é a única instituição em 369 localidades. Ou seja, mais de metade da nossa rede atualmente está sozinha. O que nos permite praticar um negócio de nicho de mercado com baixo custo e boa rentabilidade. Atualmente estamos com margens muito aper­tadas (não só nós, mas a banca portuguesa na sua generalidade, na ordem dos 2% de margem financeira). É muito pouco. Por esta razão não podemos cometer erros. Contudo, como es­tamos muito expostos no Interior do país, e, como referi, em muitas localidades, sozinhos, há um conhecimento profundo das economias locais e regionais que nos permite obter renta­bilidades acrescidas no que diz respeito ao não cumprimento no crédito. Isto é, as pessoas a quem concedemos crédito, normalmente, salvo raras exceções, são bastante cumpridoras. Falo de pessoas ainda muito associadas à tradicional seriedade que havia no povo português, e que se mantém. Em zonas rurais isto é muito valori­zado. Com muita frequência ouvimos dizer que “mais vale uma palavra do que uma assinatura”. E o CA vive muito neste contexto, de confiança. É neste modelo que temos sobrevivido e que foge um pouco ao modelo da restante banca. E quero reafirmar que não temos aqui nenhum programa de encerramento de balcões nem de otimização de pessoas. Pelo contrário, temos Caixas a admitir pessoas, jovens, e precisamos que estes jovens trabalhem nas cidades do Inte­rior, nas regiões onde estamos para que possam também contribuir para o desenvolvimento da economia. Posso dizer-lhe que, dos 4121 empregados que o CA tem, mais de 3200 tra­balham nas Caixas Agrícolas. E, destes, 3200, 8,5% vão a pé para o emprego. O que significa que vivem mesmo nas localidades e conhecem a identidade local.

«Não abandonamos as pessoas»

AG/AN: Isso é fundamental para a identidade do banco?

LP: Nós somos assim. Somos diferentes. Que­remos ser os melhores nos nossos mercados. Queremos prestar bons serviços, de apoio e confiança. Temos notado que, dado o volu­me de negócios que está a entrar no CA (bem como no que respeita ao volume de depósitos), certamente deslocalizado de outros bancos, o CA está a ser o banco de refúgio das pessoas.

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AG/AN: E porquê?

LP: Primeiro porque estamos junto deles, não os abandonámos. E as pessoas valorizam mui­to quem não os abandona. Note que há bancos, por imposições, ou por razões de ajustamentos feitos com as autoridades de supervisão, têm de ajustar a rede. Mas as populações veem mal esse abandono, porque tudo termina nas localidades, e criou-se uma confiança com as populações.

AG/AN: Por moda, por nostalgia ou por ne­cessidade há um movimento de retorno ao Interior que acontece em contra ciclo com as opções de desativação de serviços bási­cos às populações. Foi-se a escola. Foi-se o hospital, o posto médico, o comboio... Só o CA ficou. Com este capital humano dispo­nível muitos deles com formação superior e no quadro dos apoios do PDR 2020 que modelo de desenvolvimento o presiden­te do CA se lhe afigura mais realista para um Portugal social e economicamente mais equilibrado?

LP: Há vários anos que defendo que nas políti­cas públicas – e não vejo isto por parte dos po­líticos responsáveis deste país há muitos anos – ainda não há um planeamento nacional. É pre­ciso olhar para o país e planear. Decidir o que se deve fazer em cada uma das suas regiões. Cada uma delas tem as suas potencialidades endóge­nas. Depois desse planeamento feito e da eco­nomia que se deve desenvolver em determinada região, temos de aproveitar as pessoas, dado que o país está dotado com recursos humanos com boas qualificações e muito bem apetrechados. Com isso devíamos então fazer o que importa: repovoar o Interior do país. No contexto da mi­gração de pessoas está a criar-se um desequilí­brio enorme entre regiões, com desafios novos para as zonas para onde as pessoas se deslocam. Ou seja, o investimento público que foi feito no Interior começa a não ser utilizado, a ficar obso­leto, com custos enormes para o erário público, e, em muito, por não haver planeamento. En­quanto as forças não se distribuírem de forma equitativa, dificilmente a economia do país se equilibra. De certa forma houve aqui um perío­do em que as pessoas começaram a olhar para a Agricultura como moda e a Agricultura não pode ser vista como tal. Ou é feita com muito profissionalismo e competência ou então é o desastre puro. Como sabe, a Agricultura é uma atividade muito ligada à incerteza – do clima, dos mercados, da produção, das políticas, sem­pre dependente de decisões de terceiros, etc. O CA tem feito este esforço junto do setor e das pessoas e é este o modelo que vamos manter.

AG/AN: Em que medida o mutualismo ainda faz sentido?

LP: O mutualismo, desde que elevado à sua génese de auxílio mútuo, é bom. O problema é quando se mutualiza o que é mau. No CA temos uma responsabilidade solidária e esse é que é o nosso mutualismo. Entre as 82 Caixas e a Caixa Central há um regime de solidariedade que é o cimento que nos une. Quando há um problema numa Caixa, todos são responsáveis.

PDR2020

AG/AN: Falou há pouco do PDR2020. É público que o ministro da Agricultura está em ne­gociações com a banca, nomeadamente com o CA, para obter financiamento para os projetos aprovados no âmbito do PDR2020 que ultrapassem a dotação orçamental deste ano. Como é que olha para este auxílio?

LP: É importante mas a ajuda não pode matar o negócio. É bom para os agricultores se não for muito prolongado no tempo.

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AG/AN: E isso é quanto tempo?

LP: Tudo o que ultrapassar um ano é muito tempo. A banca aqui pode ajudar, adiantando a parte do subsídio. Mas se se prolongar por muito tempo torna-se um fardo para o investi­mento e inviabiliza-o porque tem custos finan­ceiros acrescidos.

AG/AN: Essa garantia é importante que seja dada à banca?

LP: É importante para além de outras garantias que já sugeri ao sr. Ministro da Agricultura (Ca­poulas Santos). Obviamente se os bancos con­cedem crédito, precisam de garantias. É tudo isto que está a ser discutido. Evidentemente que também existe a garantia do próprio in­vestimento do agricultor, mas recordo, devem ser projetos consolidados. Se o financiamento se prolongar por muitos anos, o investimento torna-se inviável pelos custos financeiros.

AG/AN: Já há algum valor acordado?

LP: Não há ainda nenhum valor. As equipas ainda estão a trabalhar.

AG/AN: Até quando espera estar fechada esta negociação?

LP: Gostaria muito que isto estivesse concluí­do até ao final do primeiro semestre deste ano.

AG/AN: Houve, com o atual Governo, uma mu­dança na equipa de gestão do PDR2020. Como é que olha para a gestão do Programa em Portugal?

LP: Penso que o que neste momento é mais preocupante é a falta de disponibilidade dos fundos. Os agricultores deram resposta, apre­sentaram as candidaturas. Falta agora o fim do processo.

AG/AN: Falando do prémio “Empreendedoris­mo e Inovação” do CA. Qual é a importân­cia para o CA deste reconhecimento para as áreas agrícola e agroalimentar?

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LP: Não é um prémio importante para nós, mas sim para os inovadores e empreendedores. Esta é outra componente dos agricultores portugue­ses. Não é por falta de ideias e inovação que a Agricultura não avança. E hoje os agricultores estão cada vez mais profissionalizados. Se re­cuarmos duas décadas não encontrávamos um agricultor que falasse inglês. Hoje isso já não é assim. Porque sabem que isso é fundamental para o comércio internacional e para expor­tarem. Dou este exemplo da Língua como po­dia dar outro qualquer. A exigência é outra e a formação também mudou muito. Defendo a ligação às faculdades e às novas ideias. E estes prémios pretendem premiar isso mesmo. Este prémio é uma espécie de energia de início.

Jovem empresário rural

AG/AN: Uma das suas ideias conhecidas é a im­portância do “jovem empresário rural”. É essencial apostar neste conceito?

LP: A minha defesa em volta do jovem em­presário rural está alinhada com a estratégia de desenvolvimento das zonas rurais e da in­terioridade. São os jovens, as suas ideias e ino­vação que podem relançar o desenvolvimento nas zonas rurais e desertificadas. E qualquer pessoa se pode dedicar a qualquer área, não necessariamente a agricultura.

AG/AN: As áreas do Agroalimentar e da Agroin­dústria têm tido um crescimento notável no país nos últimos anos. Setores onde o CA também atua. São essenciais no vosso nicho?

LP: São. Nós temos uma cadeia de valor - da Agricultura ao consumidor –, e pelo meio apa­recem as várias transformações. E o produtor, se quiser acrescentar valor na cadeia, tem que ter a transformação. A Agroindústria é fundamental para dar sustentabilidade ao negócio agríco­la. Um dos maiores custos da transformação prende-se com o transporte, por exemplo. Onde houver produção tem de haver indústria trans­formadora para que os custos sejam mínimos. Por tudo isto, a Agroindústria é fundamental para acrescentar valor a toda a cadeia.

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AG/AN: Como analisa a crise que tem afetado os setores do leite e da suinicultura?

LP: A crise destes dois setores estão relaciona­dos com decisões políticas na conjuntura da UE e que afetaram mercados que tradicional­mente eram recetores de produtos lácteos e de suínos. Com a deslocalização destes mercados para solucionar a questão deverão ser abertos outros canais de exportação que viabilizem a produção nacional.

AG/AN: Estamos praticamente a meio do ano. Que mensagem gostava de deixar ao setor agrícola e ao Universo do CA?

LP: Os agricultores portugueses não devem pensar que há crise. Não há crise. Estamos num tempo diferente e temos de nos ajustar. Porque se andarmos sempre com a crise atrás, nunca fazemos nada. Há que ter esperança, confian­ça e apostar nas atividades corretas, produzir mais e melhor, ao serviço dos portugueses. E pensarmos sempre que a crise é consequência de políticas de terceiros. Finalmente, é essen­cial ter uma grande capacidade de resiliência ao contexto económico em que vivemos.

NOTA: Esta entrevista foi publicada na edição N.º 19 da AGROTEC

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