Algumas considerações sobre a plantação de mirtilos

Por: Luís Lopes da Fonseca, Pedro Brás de Oliveira, Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P.

Nos últimos anos tem-se assistido a um crescente interesse pela cultura dos mirtilos, que na prática se tem traduzido pela apresentação de um elevado número de candidaturas ao PRODER. Ainda que estas candidaturas tenham surgido em todo o País a informação disponível mostra que um número particularmente elevado ocorreu nas áreas de influência das Direções Regionais do Centro e do Norte de Portugal.

A maior parte dos candidatos a produtores dispõe, em regra de terrenos próprios. Estes têm áreas variáveis mas, resultam de heranças ou aquisições prévias. Assim, não foram na sua maioria ab initio pensados para a cultura dos mirtilos. De igual modo os antecedentes culturais não serão, frequentemente, tidos em consideração. É quase um lugar-comum os candidatos a produtores e mesmo os produtores perguntarem qual o fator mais importante para se obter um bom resultado na plantação de mirtilos. Por regra esperam uma resposta ligada ao pH do solo, ou às temperaturas, exposição, água, etc. O fator mais importante para uma plantação de mirtilos de excelência, que origine de forma sustentada boas produções de excelente qualidade é a instalação da plantação. Esta passa, desde logo, pela seleção do local e suas características micro climáticas, do solo com características físico-químicas e biológicas adequadas e com antecedentes culturais que não venham a constituir uma fonte de patógenos ou de desequilíbrios nutricionais (Figura 1).
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Existem atualmente inúmeras cultivares de mirtilos, geneticamente bastante distintas e portanto com exigências pedoclimáticas diferentes. Estas cultivares por comodidade de tratamento agrupam-se sob designativos distintos que caracterizam desde logo algumas das suas exigências climáticas. Em Portugal os grupos hortícolas com maior interesse são os “Northern Highbush” (NHB) ou mirtilos do norte, os “Southern Highbush” (SHB) ou mirtilos do sul e eventualmente os “Rabbiteye”. Os primeiros necessitam de 500 a 1200 horas de frio (temperaturas inferiores a 7 °C) e os segundos de 150 a 450 ou 500 horas de frio, durante a fase de dormência e repouso invernal. É um dado adquirido que quanto mais perto da satisfação integral das suas necessidades de frio mais vigorosa é a rebentação no início do novo ciclo vegetativo mas, também uma satisfação insuficiente dessas necessidades conduz a um abrolhamento errático dos gomos e fracos crescimentos e florações. Estas necessidades tornam os NHB mais adequados para a produção em regiões do centro-norte de Portugal e os SHB para plantações no centro-sul do país.

Portugal, pela diversidade dos seus relevos e exposição das suas encostas e vales, independentemente da latitude em que se localizam, apresenta situações microclimáticas muito diversificadas. Assim é possível e frequente encontrarem-se no norte áreas que pela sua exposição a sul e orientação dos relevos circundantes gozam de um clima de inverno ameno e no centro situações que pelas mesmas razões usufruem de invernos mais frios e períodos de potencial ocorrência de geadas mais alargados. Estes fatores microclimáticos condicionam, desde logo, o leque de cultivares, potencialmente, mais adequadas a cada local.

No que respeita às temperaturas não são apenas as temperaturas durante o período de repouso invernal que são importantes para a cultura, também as temperaturas no decurso da fase vegetativa ou período de crescimento condicionam o crescimento e a produção. Os mirtilos necessitam de um período de crescimento de pelo menos 160 dias ou, dito de outro modo, de pelo menos 160 dias com temperaturas compreendidas entre os 8 °C e os 20 °C. A ocorrência de temperaturas abaixo dos 8 ºC faz cessar o crescimento e temperaturas do ar acima dos 22 °C o crescimento vai diminuindo. Verões extremamente quentes e secos podem constituir um fator limitativo para a cultura do mirtilos se não forem tomadas contra medidas adequadas. Mais importante que a temperatura do ar para o crescimento e produção nos mirtilos é a temperatura do solo.

Os mirtilos como a grande maioria das plantas terrestres dependem das suas raízes para a absorção de água e dos nutrientes necessários para o crescimento e a produção. As raízes destas plantas estão ativas entre os 7 e os 20 °C. Acima dos 22 ºC a atividade radicular cessa totalmente pelo que as plantas entrarão em stresse o que pode acarretar diminuição da produtividade. Durante os meses com temperaturas diurnas mais elevadas o limiar de inatividade das raízes pode ser ultrapassado com mais facilidade do que se pensa se o solo, através de um adequado empalhanento, não estiver protegido da incidência direta dos raios solares. Ainda que os mirtilos consigam sobreviver a temperaturas superiores a 50 °C durante períodos curtos, o crescimento, a produtividade, o calibre e o aroma dos frutos serão muito afetadas com temperaturas superiores a 32 °C. A disponibilidade de água de qualidade é outro parâmetro da maior importância na seleção do local de plantação. Os mirtilos necessitam de água de qualidade, ou seja, uma água com baixa condutividade e um pH entre os 5,0 e os 5,5. Cada planta consome em média 4 a 5 litro durante o período de maior consumo, ou seja, do vingamento à colheita. Os mirtilos dos grupos NHB e SHB são pouco tolerantes à falta de água, que se traduz de imediato por paragem do crescimento e perda de produtividade. Os “Rabbiteye” são mais tolerantes.

O habitat natural das diferentes espécies de mirtilos que constituem o património genético das cultivares atualmente disponíveis determina, de algum modo, as exigências dessas cultivares no que respeita a algumas das características físico-químicas dos solos. A maior parte das espécies que estão na base do grupo NHB são originárias da vizinhança de zonas pantanosas com solos limosos a argilosos, ricos em matéria orgânica e com a toalha freática a cerca de 50 cm de profundidade; apresentam por regra um pH à volta de 5.0 e boa drenagem. Este tipo de solos não estão facilmente disponíveis. Um solo com características inadequadas para a cultura dos mirtilos constituirá uma fonte inesgotável de problemas e de despesas e nele nunca será possível obter produções sustentáveis de alta qualidade.

Os solos mais adequados para esta cultura são os franco-arenosos, arenosos e franco-argilosos desde que possuam boa drenagem, com pelo menos 4% de matéria orgânica, pH 4,5 a 5,5 e em que a toalha freática se situe abaixo dos 50 cm de profundidade. Se valores mais baixos de matéria orgânica e o pH são corrigíveis com facilidade, falhas nas outras características poderão configurar graves problemas no decurso da vida inútil do pomar.

O pH pode ser um fator limitante, se não for possível mantê-lo dentro dos limites aceitáveis de 4,5 a 5,2. Valores superiores não só podem conduzir ao aparecimento crónico de carência férricas, como afetar negativamente a vida das micorrizas visto que estas toleram mal situações de alcalinidade. É um dado adquirido que as Ericaceae não possuem pelos radiculares e neste caso concreto os mirtilos não possuem pelos radiculares. Nas plantas que os possuem eles são responsáveis pela absorção de 80% da água e dos nutrientes. Nos mirtilos essa função é assegurada pelas hifas dos fungos que vivem em simbiose com as raízes, pelo que é da maior importância proporcionar-lhes um ambiente que maximize a sua eficácia, pelo que um solo bem arejado, rico em matéria orgânica e com o pH correto são condição sine qua non para se poder ter um pomar bem desenvolvido, com plantas vigorosas e altamente produtivas.

Quando necessária a correção ou o ajustamento do pH deve efetuar-se de forma gradual. Passar por exemplo, de um pH de 6,0 para um de 4,5 numa única estação conduz a desequilíbrios iónicos no solo que podem ser tão prejudiciais para as plantas, particularmente se esse ajustamento for efetuado imediatamente antes da plantação. Também um pH muito baixo pode ser fonte de problemas, pois favorece a libertação de manganês e de alumínio que são tóxicos para as raízes. Situações que tornem necessário fazer subir o pH, esta alcalinização deve fazer-se utilizando calcário ou um calcário dolomítico, caso os níveis de magnésio sejam baixos. A correção do pH, como outras operações de preparação do solo da futura plantação, devem ser efetuadas pelo menos no ano que precede a plantação. O espalhamento e incorporação no solo de enxofre elementar ou do calcário são a melhor forma de corrigir o pH mas, deve-se ter presente que este enxofre tem de ser oxidado pela microfauna do solo e o calcário tem que se decompor e portanto, numa primeira fase, a sua ação é lenta. Obviamente está implícito que todas estas operações devem ser precedidas de uma análise físico-química do solo, incluindo micronutrientes, num laboratório acreditado e, cerca de dois meses depois deve realizar-se nova análise. A manutenção do solo com valores hídricos entre os 75% e a capacidade de campo facilita e acelera os ajustamentos iónicos no solo.  

Níveis elevados de matéria orgânica no solo (> 4%) representam, para a plantação, uma mais-valia do ponto de vista físico, químico e biológico. Níveis elevados de matéria orgânica aumentam a porosidade, o arejamento e a drenagem, contribuem para um aumento da capacidade troca dos solos, disponibilizam micronutrientes e ácidos orgânicos, ajudam a manter o pH dentro dos valores pretendidos e criam as condições favoráveis à vida das micorrizas. A matéria orgânica, quer resulte de estrumes bem curtidos de bovinos ou de equídeos – são de excluir a que provenham de aviários pelos seus teores em calcário e as das pocilgas por excessivamente acidificantes – e ainda as resultantes do tratamento de lixos urbanos e da compostagem de detritos vegetais deve ser incorporada com antecedência, para que mais uma vez, o solo possa reequilibrar-se física, química e biologicamente antes da plantação. Pode dizer-se que a produtividade de uma plantação é diretamente proporcional aos níveis de matéria orgânica no solo (Figura 2).

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Os mirtilos apreciam solos frescos com um nível de humidade constante. As plantas podem adaptar-se, com o tempo, a situações de alguma carência hídrica mas, têm dificuldade em adaptar-se a um excesso de água no solo, em particular se resultante de situações de má drenagem, quer ela resulte de características específicas do solo, quer de alagamento por dificuldade da água das chuvas serem drenadas atempadamente, por existência de impermes (camadas subsuperficiais de rocha, argilas ou laterites impermeáveis), que dificultam a sua drenagem. Seja qual for a causa, é da maior importância que os terrenos onde se localizarão as plantações não tenham problemas de drenagem. Se esta resultar da existência de impermes, o problema poderá eventualmente ser ultrapassado pela ripagem do solo, plantação em camalhão e pela construção de todo um sistema de valas de cintura e no interior da plantação que acelerem o escoamento das águas em excesso. Se as causas residem na natureza das argilas, e a profundidade útil não for suficiente para assegurar que as raízes não terão problemas, ou se escolhe outro terreno, ou se avança para a plantação em vasos. Em Portugal já existem plantações deste tipo porque os solos disponíveis eram totalmente inadequados para a cultura.

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