«A viticultura na Bairrada caminha para ser cada vez mais sustentável»

O presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada (CVB) aborda, em entrevista ao Agronegócios, a realidade vitivinícola da região. Pedro Soares refere que «entendemos que devemos assumir a Bairrada como a região onde a produção de espumante assume um papel de destaque». O responsável fala ainda da produção, das exportações bem como da cada vez maior sustentabilidade que se pratica nas vinhas locais. O enoturismo é outra grande aposta que Pedro Soares vê como grande oportunidade. Porém, «é preciso apostar na formação», considera.

bairrada

Agronegócios: Os vinhos e espumantes da Bairrada conquistam cada vez mais reconhecimento e renome, não só nacional como internacionalmente. Que mais valia tem trazido este prestígio à região, tendo em conta que nem sempre foi assim?

Pedro Soares: A Região da Bairrada possui uma história que importa compreender. Durante muitos anos a Região esteve dividida entre aqueles que produziam uvas e vinhos e aqueles que os engarrafavam e se dedicavam ao seu comércio. Nos dias de hoje muito mudou. A maior parte dos agentes económicos que comercializam vinhos Bairrada possui hoje ligação direta ao território, quer na produção de uvas quer na produção de vinhos. Esta realidade tem vindo a produzir uma consistência que até então não era possível obter (com óbvias e honrosas exceções). O reconhecimento da qualidade dos nossos produtos é um fator decisivo no trajeto de valorização que se pretende para os produtos Bairrada. É também um sinal de reconhecimento das suas distintas características e deve ser visto como um incentivo a todos os que se esforçam para que tal esteja a suceder.

AG: A região renovou-se nos últimos anos e está ainda a traçar esse caminho? Que frutos tem dado este esforço?

PS: É, em minha opinião, notório que se vive um período de “ventos favoráveis”. Existem vários investimentos que começam agora a dar os seus primeiros frutos e ajudam ainda mais os que já estavam no terreno anteriormente pois corroboram a ideia de que esta Região possui todas as condições para fazer bem, produzir qualidade e fazendo muitas vezes diferente.

AG: A viticultura na Bairrada é cada vez mais sustentável? Gostava que me desse alguns exemplos.

PS: A viticultura na Bairrada caminha para ser cada vez mais sustentável. Existe uma preocupação ambiental cada vez mais presente. Ao mesmo tempo que queremos fazer mais racionando os investimentos e os recursos utilizados sabemos ser importante que se invista na aquisição de conhecimento que permita tomar decisões sobre o futuro de forma correta e sustentável. A preocupação com a utilização do material vegetal mais adequado, com a diminuição de utilização de fitofármacos na vinha, com intervenções que respeitem o modo de produção biológico e até incursões no modo de produção em Biodinâmica são neste momento realidade na região, embora em pequena escala.

«Produção estável»

AG: Na última década qual foi a evolução do setor na região?

PS: O número de viticultores têm vindo a diminuir, bem como a área de vinha. As dificuldades do setor cooperativo nesta Região (perdemos nos últimos 10 anos duas cooperativas) foram em certa forma catalisadores deste abandono. No entanto a produção têm-se mantido estável (em torno dos 28/30 milhões de litros por ano) fruto de uma viticultura que é hoje bem mais profissional e conhecedora do que acontecia há dez anos.

AG: Quantos produtores existem hoje na região e qual é o seu perfil?

PS: Se falarmos em produtores de uva estamos a falar de mais de 2200. Se estivermos a falar em agentes económicos que colocam vinho no mercado estaremos a falar de um número muito próximo dos 100. A maioria dos viticultores não possui na viticultura a sua principal atividade económica, possui idade avançada e estamos a falar de dimensões de propriedade que na sua maioria não chega a atingir um hectare. No caso dos agentes económicos engarrafadores estaremos a falar de um grupo de 30 a 40 que são responsáveis pela introdução no mercado de 70 a 80% de toda a produção vínica da Região.

bairrada

AG: O que caracteriza os vinhos da Bairrada e o que os distingue dos restantes do país?

PS: A influência atlântica, as características dos nossos solos (o argilo-calcário em grande medida) e as variedades mais tradicionais que aqui encontramos dão origem, de forma geral, a vinhos brancos de enorme frescura e vinhos tintos de taninos aveludados sendo quer uns quer outros de uma enorme harmonização gastronómica e de uma longevidade ímpar que não é alheia a sua característica acidez. Essa frescura é também uma marca dos nossos espumantes.

AG: Como se posiciona estrategicamente nos dias de hoje a CVB em termos de promoção interna e externa dos vinhos?

PS: Tendo em conta os recursos existentes e a dimensão da Região entendemos que devemos assumir ser a Bairrada a região onde a produção de espumante assume um papel de destaque. Devemos entender esta com a atividade locomotiva da Região. É produção de espumantes que nos marca de forma inequívoca e no mercado nacional não temos dúvidas que a estratégia deve passar por aí. Já no mercado internacional acreditamos ser importante mostrar a Região como um todo onde os Vinhos Brancos, Tintos e até os Rosados devem ser comunicados num patamar de valor diferenciado. Aliás é curioso pois a imprensa internacional tem falado muito e bem da nossa Região quase sempre com base nos vinhos Brancos e Tintos aqui produzidos a partir das castas mais tradicionais (Baga, Bical, Cercial, etc.).

AG: Quais os mercados externos tradicionais e que novos mercados são apetecíveis e com grande potencial exportador para as vossas empresas?

PS: Os mercados externos tradicionais da Bairrada são os mesmos do restante país. Durante anos Angola e Brasil foram preponderantes. Nos últimos anos a situação têm vindo a alterar-se sendo neste momento o Canada um país muito interessante para os nossos produtos.

Baga Bairrada

AG:- Fale-me um pouco do projeto “Baga Bairrada”, promovido pela CVB, e quais os seus objetivos.

PS: Como atrás referi quisemos levantar a “bandeira dos espumantes”. Percebendo que cada vez mais produtores estavam a utilizar Brancos de uvas tintas, nomeadamente de BAGA, pareceu-nos importante transformar essa característica em uma mais valia. É importante conceptualizar um produto que seja reproduzível ano após ano, que tenha um denominador comum marcado entre as várias empresas, que fidelize o consumidor e que crie um desejo de aquisição. Promovendo o espumante de Baga estamos a promover o espumante Bairrada, a ajudar a centrar as atenções nos produtores da nossa região. A partir deste produto poderemos levar os consumidores a conhecer também de forma mais correta os outros espumantes da Região.

AG: Qual é o orçamento anual da CVB e qual o grosso do investimento para o próximo ano?

PS: Cerca de 300.000 Euros ano sendo que irá aumentar em 2017. Queremos investir, em conjunto com as forças da Região, na aquisição de conhecimento (nomeadamente na produção de espumantes) levar a cabo um rebranding da marca “BAIRRADA” e melhorar as condições em que prestamos o serviço de certificação.

AG: Em média, qual a produção anual e qual o peso da região no setor a nível nacional e comparado igualmente com outras regiões?

PS: Cerca de 28 a 30 milhões de litros por ano correspondendo em média a 2% da produção de Portugal.

bairrada

AG: O Enoturismo é também uma oportunidade para a região? Isso já é notório?

PS: Sim! É no entanto necessário apostar muito na formação. É necessário que estejamos preparados para receber pois nem sempre existe uma segunda oportunidade para dar uma boa imagem de nós ou da Região. A Bairrada possui uma Associação (“A Associação Rota da Bairrada”) cuja função primordial passa pela promoção do território, tendo como mote o Enoturismo. Já se faz bastante mas todos temos consciência de que é necessário melhorar muito.

AG: De uma forma geral, como analisa atualmente o setor vitivinícola nacional, quais os maiores constrangimentos e quais os principais desafios?

PS: O setor vive uma fase positiva, mas de otimismo moderado. Temos realizado um esforço grande por aumentar as exportações mesmo com situações de “travagem a fundo” de algumas economias como é o caso de Angola. A viticultura é um dos nossos grandes desafios. Precisamos de aumentar o rendimento dos produtores de uva pois somos um país vitivinícola. Esse rendimento acrescido só pode ser conseguido com uma aposta determinada na viticultura. Não interessa dizer que temos uma enorme coleção de variedades (castas) se não conseguirmos traduzir essa diversidade numa mais valia económica. Do ponto de vista da Região Bairrada é determinante que os produtores apostem na certificação dos seus produtos vínicos de forma evidente. Só com essa aposta será possível criar condições que permitam à Região trilhar um caminho de sucesso.

Nota de Redação: Esta entrevista pode ser lida igualmente na edição N.21 da Revista AGROTEC.  

Regiões

Notícias por região de Portugal

Tooltip