A visão de Luís Mira sobre a crise da pandemia Covid-19 no setor agrícola

No programa Tudo é Economia, da RTP, Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), esteve presente para dar a sua opinião sobre a conjectura atual da pandemia Covid-19 e a sua visão sobre o que poderá acontecer com o setor agrícola nos próximos meses.

Luís Mira

Foto: Jornal I

A discussão iniciou-se com uma opinião generalizada sobre as medidas governamentais. «O governo começou de forma muito tímida, a anunciar medidas no valor de 300 milhões de euros», começou. «Depois, acabou por anunciar um pacote, já de 3 mil milhões de euros mas que, comparado com o pacote espanhol e francês, que são os nossos concorrentes mais próximos, o pacote era cinco vez menor comparativamente ao PIB português. Tem havido abertura por parte do governo, mas acredito que as medidas vão ter que ter reforço e um volume financeiro superior», destacou, isto relativamente ao pacote global de apoio a todas as empresas.

Luís Mira acredita que o governo deve apresentar uma medida de reforço da Segurança Social, pois não estão a dar resposta por não estarem dimensionados para uma crise desta natureza. A burocracia também pode gerar um impedimento das empresas conseguirem os apoios, algo que deve ser tratado pelo Ministério do Trabalho. O secretário-geral realçou que «ou o dinheiro chega rápido às empresas, ou não faz sentido», pois estas podem não aguentar até a uma data posterior, tendo muitas encerrado devido ao Estado de Emergência.

Sobre o setor agrícola em específico, Luís Mira começou por defender que «este foi um setor que exportou e cresceu muito nos últimos dez anos, exportando mais que o têxtil e o calçado juntos». Relativamente às medidas especificas para o setor agrícola, Luís Mira afirma que é essencial pedir uma antecipação dos pagamentos diretos ao setor a Bruxelas, algo que a CAP já pediu à ministra da Agricultura, Maria do Céu Albuquerque. «Normalmente, o pagamento faz-se em outubro, mas estamos a solicitar que este seja feito em julho ou agosto», afirmou. «Tudo porque esse pagamento pode entrar diretamente na tesouraria das empresas e é mais rápido».

Por outro lado, o secretário-geral fala das redes de segurança com intervenção no mercado por parte da União Europeia, que podem fazer com que os preços não desçam, o que seria essencial numa primeira fase. Luís Mira defendeu ainda que as ajudas da UE deveriam traduzir-se em termos de dinheiro a fundo perdido e não em linhas de crédito e que deveriam existir mais medidas de apoio fiscais por parte do governo nacional.

«Vão faltar produtos? Quanto tempo irá durar a crise? Ainda não temos resposta, ninguém sabe»

Nesta primeira fase, os mais prejudicados do setor agrícola são os produtores de leite de ovelha e cabra e os produtores de flores. O secretário-geral da CAP destacou que empresas do setor agrícola tiveram que fechar dado às medidas, como os anteriores, apesar da medida que afirma que os setores agrícola e agroalimentar não podem parar. «Isto aconteceu porque, primeiro, as queijeiras tiveram que ir para casa tomar conta das crianças quando fecharam as escolas e também porque os restaurantes e as pastelarias, onde se vendiam os queijos, fecharam também», explicou. Nessa conjectura, «é necessário que todas as empresas que são afetadas tenham acesso aos mesmos meios».

Outro setor que já começou a sentir alguma desta crise foi o setor dos vinhos. «Em janeiro, as exportações para a região asiática caíram em cinco milhões de euros, 7% do valor total», destacou o Luís Mira. «E só estamos a falar da questão da China, não estamos a falar dos outros mercados, mas esta situação vai chegar».

Sobre o escoamento da produção, prejudicado pelo encerramento dos espaços de restauração e turismo, Luís Mira destacou que «o problema não está nos produtos de primeiro consumo», que as pessoas até têm procurado mais nas idas aos supermercados, mas está sim nos produtos que não são de primeira necessidade, como vinho. «O mercado marroquino já fechou, o mercado brasileiro já fechou e isso vai trazer problemas ao mercado daqui a alguns meses», lamentou.

Sobre a auto-suficiência para a cadeia de abastecimento, Luís Mira destaca que Portugal é auto-suficiente em alguns setores, como o vinho e o azeite, mas que temos que importar produtos como cereais. «Vão faltar produtos? Quanto tempo irá durar a crise? Ainda não temos resposta, ninguém sabe. É evidente que, se a crise for muito longa, tal como verificamos com outro tipo de produtos, os países produtores vão abastecer-se primeiro a eles e só depois vão libertar. Contudo, não me parece que vá existir uma situação de fome na Europa mas, se a crise sanitária se prolongar por muito tempo, vão acontecer problemas», explicou.

A nível da cadeia da distribuição de Portugal, o secretário-geral da CAP afirma que está assegurada, mas são necessários ajustes, como nos transportes. Em relação aos preços, «uns aumentaram, outros caíram. Por exemplo, o leite de ovelha caiu para metade e já ninguém os quer comprar», fazendo um apelo para as pessoas adquirirem produtos nacionais.

Sobre a segurança e higiene dos bens frescos que chegam ao supermercado, Luís Mira afirmou que «os agricultores, dentro da medida do possível, estão a implementar medidas», como afastamento durante as colheitas e a lavagem constante das mãos. «Os consumidores não devem temer os produtos. A fruta é descascada, os outros são cozinhados, o vírus não resiste», afirmando que se devem seguir as normas de segurança da DGS.

«A falta de mão-de-obra já existia antes desta crise», destacando que a mecanização tem sido a solução, mas algumas colheitas não podem beneficiar tanto, destacando os pequenos frutos. Luís Mira deu então um exemplo. «Daqui a um mês estamos na época da colheita da cereja e esperamos que existam pessoas para o fazer. A cereja tem um problema: eu não a posso colocar no frigorífico, ela não tem características para isso. Ou se apanha e se vende, ou estraga-se. Se não existir uma colheita ou a venda, o agricultor perde o rendimento de um ano». Luís Mira explicou que «a Agricultura não para» e que os agricultores têm que semear agora para ter o que colher daqui a quatro meses.

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