Xylella fastidiosa - Uma pandemia fitossanitária

Xylella fastidiosa foi detetada em Portugal em dezembro de 2018, numa amostra de Lavandula dentata, pelo Laboratório Nacional de Referência para a Sanidade Vegetal, do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P. (INIAV).

Xylella fastidiosa

Por: Paula Sá Pereira, Responsável pelo Laboratório de Contingências do Laboratório Nacional de Referência para a Sanidade Vegetal, Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P. (INIAV)

A zona demarcada em Portugal situa-se na região do Norte e tem vindo a ser alargada à medida que se detetam novos focos de infeção. Até ao momento, não há nenhuma medida de controlo disponível para eliminar as bactérias de uma planta doente em condições de campo. A região mediterrânica está a enfrentar a ameaça de uma verdadeira pandemia induzida pela Xylella fastidiosa, pelo que são necessários esforços coordenados ao nível regional, nacional e internacional, para aplicar medidas e regulamentos de controlo para a gestão da sua contenção e disseminação.

2020 é o Ano Internacional da Sanidade Vegetal, cujo lema é “Proteger as Plantas, Proteger a Vida”. Com este objetivo, estão programadas um conjunto de iniciativas que visam contribuir para a consciencialização global sobre o fundamental contributo da sanidade vegetal para erradicar a fome, reduzir a pobreza, proteger o ambiente e impulsionar o desenvolvimento socioeconómico (Assembleia Geral das Nações Unidas, 2018). Mas 2020 é também o ano em que enfrentamos um dos maiores desafios desde século, a pandemia provocada pelo novo coronavírus. Os dois “eventos” estão totalmente interligados, por mais estranho que à primeira vista possa parecer. E porquê?

Num contexto de globalização, de ausência quase total de fronteiras físicas, os microrganismos circulam “à boleia” dos seus hospedeiros, materiais entre outros, sem barreiras. As alterações climáticas são apenas um de muitos fatores que estão a aumentar as doenças transmitidas por vetores na Europa (Pina et al., 2019). A globalização, o desenvolvimento socioeconómico, a urbanização e as mudanças generalizadas no uso da terra precisam de ser refletidas para limitar a importação e a propagação de microrganismos nocivos.

Xylella fastidiosa é um destes microrganismos importados. É uma bactéria de quarentena na União Europeia (UE), o que significa que avistamentos suspeitos devem ser relatados imediatamente às autoridades fitossanitárias. Conta já com quase 600 espécies de hospedeiros vegetais identificados em toda a Europa (EFSA, 2020).

Foi detetada em Portugal, em dezembro de 2018, numa amostra de Lavandula dentata, pelo Laboratório Nacional de Referência para a Sanidade Vegetal, do INIAV (Sá-Pereira, 2015; 2016). Desde janeiro de 2019 que têm vindo a ser detetadas mais amostras positivas em mais do que uma dezena de espécies, algumas delas que nunca tinham sido consideradas como hospedeiros noutros países da Europa. A zona demarcada da Xylella fastidiosa em Portugal situa-se na zona Norte, e tem vindo a ser alargada à medida que se detetam novos focos de infeção (Figura 1).

Xylella fastidiosa

FIGURA 1. Zona demarcada – zonas infetadas + zona tampão – (área circundante de 5 km) Xylella fastidiosa – Março 2020 (Oficio Circular nº11/2020 – DGAV).

Esta bactéria é veiculada por insetos picadores sugadores de fluido xilémico, sendo o Philaenus spumarius, mais conhecida por por Cigarrinha-da-Espuma, considerando como o principal vetor, o que complica ainda mais a sua contenção. A ferramenta mais eficaz para combater a disseminação da Xylella fastidiosa no território regional é impedir que se espalhe por distâncias curtas e médias e, para isso, é muito importante controlar os vetores nas zonas infetadas, tendo em atenção o seu ciclo biológico.

A altura ideal para o seu controlo é na primavera, quando se encontra ainda nos últimos estados ninfais do seu desenvolvimento, nas infestantes, envoltos em espumas protetoras produzidas pelos próprios insetos (Figura 2).

Desde a última avaliação de risco, efetuada em 2019 pelo EFSA Panel on Plant Health, conclui-se que, embora existam vários resultados da investigação a nível mundial, estes mostram apenas alguns efeitos na redução do desenvolvimento dos sintomas da infeção. Até ao momento, não há nenhuma medida de controlo disponível para eliminar as bactérias de uma planta doente em condições de campo.

No entanto, recentemente foram apresentados os resultados de estudos continuados feitos por investigadores, do Conselho de Pesquisa Agrícola e Análise Económica Agrícola, liderado por Marco Scortichini (2020), em colaboração com agricultores que testaram a aplicação de um tratamento biológico em oliveiras, com suplementação de zinco e cobre e que apresentam a maior capacidade de contenção da bactéria.

Xylella fastidiosa

FIGURA 2. Espumas de fluido xilémico produzidas pela cigarrinha-da-espuma Philaenus spumarius (Linnaeus, 1758), principal vetor da Xylella fastidiosa. Fonte: Paula Sá-Pereira.

A suplementação adequada dos micronutrientes na planta, combinada com boas práticas agrícolas, pode permitir que as oliveiras retomem a sua produção potencial após sofrerem um surto de Xylella fastidiosa.

A Comissão Europeia publicou, no final de 2019, uma lista de 20 pragas de quarentena regulamentadas consideradas como prioritárias, incluindo a Xylella fastidiosa [(UE) 2019/1702)]. Milhares de milhões de euros têm sido gastos a nível mundial para arranjar soluções para conter esta doença, mas, na maior parte dos casos, os resultados da investigação não são de acesso público, e não são estudados de uma forma integrada.

Citando Catalano et al. (2019), as quatro espécies de X. fastidiosa foram introduzidas nos últimos seis a oito anos na Europa, três (Xf pauca, Xf multiplex e Xf fastidiosa) deram origem a surtos em Itália, França e Espanha. Isso, juntamente com as várias interceções de plantas de café infetadas com Xylella fastidiosa importadas da América Central, fornece ampla evidência do perigo a que as culturas do Velho Mundo foram expostas devido à introdução não verificada de materiais vegetais de áreas de risco.

Agora que a região mediterrânica está a enfrentar a ameaça de uma verdadeira pandemia induzida pela Xylella fastidiosa, potenciada pelas condições climáticas favoráveis à propagação desta bactéria, precisam ser feitos esforços coordenados aos níveis regional, nacional e internacional, para aplicar medidas e regulamentos de controlo para a gestão e contenção da disseminação de doenças”.

Temos de dar um passo em frente e construir soluções integradas de prevenção e combate, e combate, com todos os players associados, perante um cenário em que não podemos negar os riscos crescentes, potenciados pelas alterações climáticas que nos obrigam, diariamente, a repensar as nossas estratégias. É para esta incerteza que temos de encontrar respostas coordenadas e articuladas para lá das nossas fronteiras. Uma incerteza que se reflete numa perda anual de mais de 40% de alimentos produzidos em todo o mundo (FAO) devido a pragas e doenças de plantas.

Atualmente, as tecnologias web promovem grandes avanços no desenvolvimento e utilização de sistemas de suporte à decisão. E aqui a gestão da saúde humana pode ajudar a dar um passo e sugere-se uma reflexão. O que podemos aprender de uma pandemia humana para prevenir “pandemias” associadas a agentes fitopatogénicos? No caso do aparecimento de uma doença que afeta a espécie humana, existem metodologias bem implementadas que permitem acompanhar a evolução da doença e estudar com profundidade os fatores que estão associados à infeção e à sua disseminação. Em paralelo, se um novo agente patogénico ataca uma ou mais espécies vegetais, os estudos epidemiológicos imediatos são escassos.

Esta diferença na rapidez de ação permitiria estudar e conter com maior taxa de sucesso a doença. A determinação do padrão de disseminação, identificação de fatores de risco e seus determinantes, avaliação de intervenções visando prevenção, tratamento e controle devem ser feitos a passo e passo com o aparecimento de novos casos, e de uma forma integrada.

Explicar os princípios de causalidade das doenças com maior ênfase nos fatores alteráveis do ambiente, incluindo comportamentos por ele determinados é vital. A identificação das populações em risco, ou seja, os hospedeiros suscetíveis, tem de ser estudada tendo em consideração fatores edafoclimáticos, geográficos e ambientais.

Medidas sistemáticas da prevalência e da incidência são fundamentais. A simples quantificação do número de casos de uma doença, sem fazer referência à população em risco, pode ser utilizada para dar uma ideia da magnitude do problema fitossanitário ou da sua tendência, a curto prazo, numa determinada população. Sendo a Xylella fastidiosa disseminada por um inseto vetor, é vital quantificar o seu potencial dispersivo nas áreas de risco.

Uma determinada população de insetos pode- -se distribuir espacialmente numa determinada área agrícola ou florestal de forma aleatória, uniforme (distribuições raras para insetos) e, mais frequentemente, agregada ou contagiosa. Com esta abordagem aumenta-se a possibilidade de localização da praga e realização de tratamentos localizados, adequados caso a caso.

A evolução epidemiológica da infeção determinará o ajustamento imediato das respostas. Um balanço entre a epidemiologia observacional e a epidemiologia experimental tem de ser quantificado com base nas informações continuamente atualizadas e ajustadas, isto à medida que surjam conhecimentos mais precisos sobre o comportamento do agente patogénico.

O desenho de mapas de risco tem de ser efetuado com base na integração de vários tipos de informação, como os resultados obtidos em investigações já efetuadas, o tipo de solo, dados climáticos, relevo, linhas de água, rodovias, com georreferenciação das plantas inspecionadas visualmente e/ou amostradas, com associação de fotos da planta e da envolvente. Em simultâneo, deverão ser associadas outras pragas e doenças identificadas in loco e os dados quantitativos obtidos em laboratório. Os níveis de infeção obtidos, cruzados com todos os parâmetros em análise, permitirão um delineamento de estratégias de erradicação mais adequadas e dirigidas.

O Laboratório de Contingências do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, responsável pela testagem das amostras do Plano de Contingência e pelo Plano Oficial de Controlo Nacional da Xylella fastidiosa, deu um primeiro passo, ao propor um projeto internacional H2020, em parceria com 14 parceiros internacionais, em que se propõe construir soluções integradas de prevenção e combate à Xylella fastidiosa. Está a ser concebida e desenvolvida uma infraestrutura de dados espaciais com a integração de múltiplas componentes (Business Intelligence, Business Analysis). Será proposta uma aplicação móvel, para levantamento de dados no terreno, com introdução de dados em tempo real (ou offline), em parceria com o líder ao nível mundial nesta área – ESRI.

Esta estrutura apresentará capacidade de desenvolvimento de aplicações de backoffice para entidades parceiras e para os técnicos afetos ao projeto, permitindo efetuar consultas de dados, elaboração de cartografia temática em tempo real, tratamento de dados estatísticos, elaboração de mapas dinâmicos e gráficos analíticos. A integração de websites de divulgação e disponibilização de serviços WFS são também objetivo deste projeto. A solução pode ser utilizada em open data por todos os parceiros, em qualquer parte do mundo, com disponibilidade 24×7, integridade e confidencialidade dos dados. Os objetivos finais são a criação de modelos preventivos de ação rápida e modelos preditivos de dispersão.

Espera-se que esta iniciativa conjunta aprofunde ainda mais a partilha de informação entre entidades públicas e privadas associadas à Sanidade Vegetal, gerando um efeito multiplicador do conhecimento. Em breve, em toda a Europa poderemos gerir esta, e outras pandemias fitossanitárias de uma forma mais rápida e, acima de tudo, “Proteger as Plantas, Proteger a Vida”.

Artigo originalmente publicado na Agrotec 35

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