Opinião: Viticultura e olivicultura - os mesmos desafios
Por : António Malheiro
Diretor da Agropress, Comunicação Especializada
A cultura da vinha, do olival e dos cereais, a par da pastorícia, constituem referenciais socioeconómicos da civilização ocidental, com grande lastro na cultura judaico-cristã e em diversas manifestações religiosas. Em Portugal, a pastorícia e os cereais perderam relevância, por força da transição de uma agricultura de subsistência para uma agricultura concorrencial no mercado global.
Os olivicultores e os viticultores têm vindo a fazer um grande esforço de investimento na modernização das suas explorações, alinhados com o conhecimento técnico e científico que se tem vindo a produzir em centros de investigação e desenvolvimento agronómicos nacionais, mas também pelos contributos da engenharia mecânica, eletrónica e de sistemas informáticos de gestão de processos.
Em menos de um século, a produção agrícola no mundo deu um gigantesco passo, que os empresários agrícolas portugueses têm acompanhado, com a mecanização da mobilização dos solos, monitorização por satélite de culturas, mecanização da colheita, tratamentos fitossanitários, melhoria de castas, modernização de lagares e instalações de aprovisionamento, de acordo com as exigências dos sistemas de segurança e higiene alimentar. Mas tudo isto não chega para serem culturas rentáveis, capazes de remunerar uma mão de obra escassa e, por isso, fortemente atraída por geografias europeias com uma agricultura mais competitiva.
A falta de mão de obra é uma variável crítica e uma ameaça de morte na viticultura de montanha, onde a mais-valia da mecanização não se pode incorporar na plenitude. Costuma dizer-se que a necessidade de mão de obra na vinha começa no início da vindima e termina no fim da próxima. Acresce o custo dos combustíveis e dos fertilizantes. E não podemos descorar a imprevisibilidade decorrente das alterações climáticas, que recorrentemente arrasam com as colheitas e deitam por terra um ano de trabalho e investimento.
Mas também a fiscalidade e a mudança de hábitos de consumo, que há anos vem sendo induzido nas pessoas, muitas vezes em campanhas institucionais bem-intencionadas, mas em que o vilão é sempre o vinho.
Apesar da sua dimensão geográfica, Portugal tem catorze regiões vinícolas, demarcadas com perfis orográficos diferenciados, a que correspondem rendimentos por hectare e custos de exploração muito diferenciados e aqui chegados são todas diferentes, mas todas iguais, nas prateleiras/lineares do supermercado.
O recente Manifesto de Ventozelo – Silvo de partida dos notáveis do Douro – para uma viagem, rumo à mudança, que peca por tardia e não sabemos se chegará a horas de evitar o colapso, tantas são as estações onde será necessário mudar a agulha.
Para trás, parecem ter ficado as manifestações que, em tempos idos, se faziam na Régua, regidas pela batuta da manipulação clubista da política com uma visão focada na videira e no imediato – o cartão do benefício – e consequentemente adiaram a mudança estrutural a favor do conjuntural.
Pese embora o Manifesto de Ventozelo, que aqui apelido dos “notáveis do Douro”, ser um documento que não reivindica, nem aponta soluções, ele tem a virtude de enumerar fragilidades e potencialidades, matéria-prima de qualidade para um bom mosto, caso não seja estragado na fermentação.