Rhagoletis cerasi: Praga da cereja

Rhagoletis cerasi: Praga da cereja

Por: Isabel Coelho, Biotecnóloga

A mosca da cereja, Rhagoletis cerasi, é uma das pragas com mais importância económica na produção de cereja, pois causa estragos directos nos frutos pela perfuração destes pelo oviscapo da fêmea quando efectua a postura. Os ovos que são colocados no interior do fruto eclodem dando origem a larvas que se vão alimentando da polpa do fruto, desvalorizando-o. Quando estas terminam o seu desenvolvimento saem do fruto para pupar no solo, deixando uma ferida que pode ser entrada de determinadas doenças (estragos indirectos). Esta praga possui um grande interesse do ponto de vista biológico pois sincroniza a sua emergência com a fenologia do fruto [1].

Biologia

A mosca da cereja distribui-se pela Europa e pelas regiões temperadas da Ásia e compreende duas raças, a do Norte (difunde-se pela Itália, Suíça e sul da Alemanha) e a do Sul (desde o Mar Mediterrâneo até ao Mar Negro) [2]. Estas duas raças possuem uma incompatibilidade citoplasmática causada por uma bactéria herdada do progenitor materno, designada de “Wolbachia”. Esta incompatibilidade leva à morte dos embriões aquando do cruzamento entre machos infectados e fêmeas não infectadas ou com uma estirpe “Wolbachia” diferente. O cruzamento recíproco não induz incompatibilidade citoplasmática. Por isso, é considerada como um parasita reprodutivo porque manipula a reprodução [3].

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Os adultos de Rhagoletis cerasi possuem um tórax preto brilhante, um escutelo amarelo, traços característicos nas asas e 3 pares de patas (figura 1) [3]. As fêmeas possuem ainda um oviscapo que permite perfurar o fruto e lá colocar os ovos e, normalmente, são maiores 1 mm que os machos, podendo atingir 5 mm de comprimento [4].

Ciclo de Vida

A mosca Rhagoletis cerasi desenvolve-se ao longo de quatro fases distintas: ovo, larva, pupa e adulto (figura 2). O ovo é introduzido pela fêmea no interior da cereja a cerca de 5 mm de profundidade quando esta apresenta uma coloração amarela-avermelhada, isto é, quando as cerejas estão próximas da maturação [5]. Aquando da eclosão dos ovos, a larva que emerge do seu interior dirige-se para o interior do fruto para se alimentar da polpa em torno do caroço. Quando alcança o desenvolvimento completo a larva cai no solo, onde pupa dentro de um casulo até à Primavera seguinte. Após a emergência, os adultos procuram alimentos, nomeadamente açucares, proteínas e água, importantes para o desenvolvimento dos seus órgãos reprodutores [5]. O acasalamento ocorre 24 a 36 horas após a emergência e a escolha do macho é, possivelmente, realizada pela fêmea com base nas feromonas que este liberta [6]. A postura dá-se após 7 a 15 dias.

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Dimensão dos prejuízos

O ataque pela mosca da cereja constitui um problema fitossanitário com grande impacto económico dado que os frutos atacados por esta praga não podem ser comercializados (é tolerado o máximo de 2% de frutos atacados) [8]. Além de que o número de moscas necessárias para causar estragos é baixo. Por vezes têm de ser rejeitados lotes completos pois é difícil separar na totalidade os frutos atacados dos sãos [9]. Quando nenhum método de combate é efectuado regista-se uma perda de cereja de 100% [8].

A susceptibilidade da cereja ao ataque pela mosca diverge entre as diferentes variedades, as mais precoces são menos susceptíveis ao passo que as mais tardias (a seguir à Bigarreau Burlat) são mais atacadas por esta praga [5]. Isto advém do facto da mosca iniciar o seu voo a partir de Maio (figura 3) e a colheita da cereja ser entre Maio e Julho.

Os danos causados por esta praga são caracterizados pela podridão, provocada por fungos responsáveis pela moniliose [11], que pode ser observada na superfície do fruto junto da zona perfurada pelo oviscapo da fêmea e do local de saída da larva. O teor de polpa é reduzido nos frutos atacados uma vez que as larvas se alimentam dela para se desenvolverem. Todavia, o tamanho reduzido do fruto e a altura da árvore constituem entraves à detecção da infecção.

Meios de Luta

O combate à mosca da cereja pode ser realizado recorrendo a diferentes meios de luta: cultural, biológica, biotécnica e química. A intervenção do Homem é, nesta etapa, indispensável para o controlo desta praga visando a protecção da cultura.

Luta cultural

São meios indirectos que têm por objectivo prevenir o ataque da praga, pela criação de condições desfavoráveis ao seu desenvolvimento, ao contrário de outros meios que fomentam a sua destruição [12]. São várias as metodologias que podem ser aplicadas: a) cultivar variedades mais precoces; b) favorecer e proteger os inimigos naturais (parasitóides e predadores); c) efectuar mondas dos frutos atacados antes da saída da larva, reduzindo assim os focos de infestação; d) colocar redes de protecção; e) efectuar mobilizações do solo debaixo da copa da árvore no final do Inverno de forma a alterar as condições ideais de desenvolvimento das pupas; f) em variedades tardias, efectuar a estimativa de risco através da observação visual e da captura de adultos [5].

Luta biológica

Neste meio de luta podem ser utilizados nématodos e fungos entomapatogénicos, parasitóides e predadores.

Os nemátodos entomopatogénicos (EPN) são aplicados no solo de modo a impedirem o desenvolvimento da larva. Os nemátodos Steinernema carpocapsae e Steinernema feltiae têm apresentado elevadas eficácias no controlo desta praga [13]. Os EPN estão comercialmente disponíveis em formulações fáceis de utilizar e não são prejudiciais para o ambiente. O maior entrave a esta metodologia é precisar com exactidão o momento da aplicação dos EPN pois a saída das larvas e a sua deposição no solo pode demorar semanas dependendo da temperatura e da sincronização do desenvolvimento larval. Assim é necessário garantir alguma persistência dos nemátodos no solo [14].

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Os fungos entomopatogénicos, para além de infectarem a mosca da cereja no seu estado larvar, são também patogénicos para os adultos causando micose e morte. Estes podem ser aplicados nas folhas ou no solo. Quando aplicados no solo, apesar de não contribuírem para a diminuição da taxa de emergência dos adultos, aumentam a sua mortalidade e reduzem a postura. As espécies Beauveria bassiana e Isaria fumosorosea apresentam bons resultados (mortalidade de 90 a 100%) [8]. A eficácia deste tratamento é afectada pela migração das moscas entre árvores tratadas, pelo que esta deve ser baixa [2].

As larvas e as pupas também são susceptíveis à acção de determinados parasitóides. Existem 21 espécies de parasitóides para a praga da cereja. Alguns exemplos de parasitóides larvais são Opius magnus, Halticoptera laevigata e Opius rhagleticolus. Os parasitóides das pupas podem ser Phygadeuon wiesmanni, Phygadeuon elegans e Spilomicrus hemipterus [2].

Ainda, as larvas podem ser destruídas por formigas e besouros (mais de 80%) [2].

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Luta biotécnica

Baseia-se essencialmente na captura em massa de adultos. Para isso são utilizadas armadilhas de atracção sexuais e/ou cromotrópicas. As armadilhas sexuais correspondem a feromonas específicas que ao serem libertadas no meio induzem reacções características no macho atraindo-os e possibilitando a sua captura, evitando assim a fecundação dos ovos. As armadilhas cromotrópicas atraem a mosca pela cor (figura 3), aprisionando-a a na sua cola, e são utilizadas essencialmente para a observação do voo da mosca [12].

Porém, também são utilizadas na captura da mosca. A eficiência da captura pode aumentar se for adicionado um atractivo alimentar com uma pequena percentagem de pesticida [13] ou feromonas. Estas armadilhas são igualmente vantajosas na luta química pois permitem controlar o tempo e a intensidade de adultos que emergem [15].

Outro modo de luta biotécnica corresponde à produção em massa de machos estéreis que são largados no ecossistema para acasalarem com as fêmeas – luta autocida. A descendência é controlada porque não existe fecundação, baixando significativamente os níveis populacionais.

Luta química

Os insecticidas actualmente autorizados para o combate à mosca da cereja encontram-se destacados no quadro 1. Os insecticidas só devem ser aplicados quando há registos do início de voo da mosca.
Uma vez que a mosca da cereja é responsável por elevadas perdas económicas, num sector agrícola particularmente importante em certas regiões, a monitorização da praga e o seu controlo devem ser uma das prioridades nas zonas produtoras mas, como produto de prestígio, é necessária a implementação em toda a linha dos princípios da protecção integrada, justificando-se a ampliação da investigação de estratégias e meios de luta que permitam uma maior eficiência de controlo com respeito pelo meio ambiente e consumidor.

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Referências bibliográficas

  1. Aluja, M. e Mangan, R. L., 2008. Fruit Fly (Diptera: Tephritidae) Host Status Determination: Critical Conceptual, Methodological, and Regulatory Considerations. Annual Review of Entomology, 53: 473–502.
  2. Daniel, 2008. Entomopathogenic fungi as a new strategy to control the European cherry fruit fly Rhagoletis cerasi Loew (Diptera: Tephritidae). Tese apresentada ao Centro de Ciências da vida e dos Alimentos, Ordenamento e Ambiente da Universidade Técnica de Munique, a fim de obter o grau académico de doutor em ciências agrícolas.
  3. Riegler, M., Charlat S., Stauffer, C. e Merçot, H., 2004. Wolbachia Transfer from Rhagoletis cerasi to Drosophila simulans: Investigations the Outcomes of Host-Symbiont Coevolution. APPLIED AND ENVIRONMENTAL MICROBIOLOGY, 70(1): 273–279.
  4. Wiesmann, R., 1933.Untersuchungen über die Lebensgeschichte und Bekämpfung der Kirschenfliege Rhagoletis cerasi Linné - I. Mitteilung. -- Landwirtschaftliches Jahrbuch der Schweiz, pp.711-760. Citado por Daniel, 2008.
  5. Santos et al, 2008. Eficiência produtiva e qualidade da cereja. In Cerejas – a árvore e o fruto. Projectos: PAMAF 2059, AGRO 86 e AGRO 941, vol. I:219-264.
  6. Jaastad, G., 1998. Male mating success and body size in the European cherry fruit fly, Rhagoletis cerasi L. (Diptera: Tephritidae). J. Appl. Ent., 122:121-124.
  7. Moreira, J. F. G. e Coutinho, C., 2009. Avisos agrícolas – Estação de Avisos Entre Douro e Minho, circular nº 6, pág. 1-2. URL: http://www.drapn.min-agricultura.pt/drapn/conteudos/edm/Circular_06_2009.pdf.
  8. Daniel, C. e Wyss, E., 2009. Susceptibility of different life stages of the European cherry fruit fly, Rhagoletis cerasi, to entomopathogenic fungi. J. Appl. Entomol. 133: 473–483.
  9. Boller, 1970. Económic importance of Rhagoletis cerasi L., the feasibility of genetic control and resulting research problems. Entomophaga, 15 (3), pp. 305-313.
  10. Temmen GmbH, s/d. Biotechnologische produkte. URL: http://www.temmen.de/illus/kirschfruchtfliege.htm
  11. Brunner, J. F., 1996. Management and Control of Insect and Mite Pests of Cherry. In A. D. Webster e N.E. Looney, Cherries: Crop Physiology, production and Uses, pp. 367-391.
  12. Amaro, P., 2003. A Protecção Integrada. Edição ISA/Press, págs. 446.
  13. Köppler, K., Peters, A. e Vogt, H., 2004. Basic results in biological control of the European Cherry Fruit Fly Rhagoletis cerasi L. (Diptera: Tephritidae) with entomopathogenic nematodes. Ecofruit - 11th International Conference on Cultivation Technique and Phytopathological Problems in Organic Fruit-Growing, pp. 48.54.
  14. Herz, A., Köppler, K., Vogt, H., Elias, E., Katz, P. e Peters, A., 2006. Biological control of the cherry fruit fly, Rhagoletis cerasi L. (Diptera, Tephritidae) by use of entomopathogenic nematodes: first experiences towards practical implementation. Ecofruit – 12th International Conference on Cultivation Technique and Phytopathological Problems in Organic Fruit-Growing, pp. 1-5.
  15. Kovanci, O. B. e Kovanci, B., 2006b. Reduced-risk management of Rhagoletis cerasi flies (hoste race Prunus) in combination with a preliminary phenological model. Journal of Insect Science 6:34, pp. 1-10.
  16. Moreira, J. F. G. e Coutinho, C., 2006. Avisos agrícolas – Estação de Avisos Entre Douro e Minho, circular nº 5, pág 1-4.
  17. Moreira, J. F. G. e Coutinho, C., 2011. Avisos agrícolas – Estação de Avisos Entre Douro e Minho, circular nº10, pág. 1-2.

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