Opinião: Por uma agricultura forte e sustentável

Texto de opinião de Hélio Loureiro

Chef de cozinha e gastrónomo

No tempo dos nossos avós, grande parte do que chegava às mesas vinha da horta ou do pequeno pedaço de terreno onde se plantavam batatas, couves, cenouras, entre outros legumes e tubérculos, e se criavam, até, alguns animais para consumo próprio ou para venda porta a porta. Lembro-me bem de ouvir contar que no Porto, ali perto da então Praça de Velásquez – que há menos de um século era uma quinta –, na década de 1950 tudo se vendia à porta de quem ali morava: leite, cabritos, galinhas, legumes e toda uma parafernália de produtos que hoje, pelo menos nas grandes cidades, é difícil de imaginar que nos chegue a casa desta maneira.

Os tempos muito mudaram e, com isso, foram-se perdendo encantos e qualidade. As nossas refeições são, agora, feitas dos mil e um produtos que todos acabamos por comprar nas grandes superfícies, porque a escassez de tempo dos nossos dias faz com que essa seja, inquestionavelmente, a forma mais prática de rechear a despensa. Durante décadas, e nomeadamente nas grandes cidades, foi-se perdendo esta antiga cultura de autossubsistência ou, na sua impossibilidade, de adquirir os produtos hortícolas e agrícolas a pequenos produtores locais ou na mercearia da rua. Já nas zonas rurais, sobretudo no interior do país, acabou por se ir esvaziando um setor que é fundamental para a sustentabilidade de qualquer país, quer fruto das políticas comunitárias, quer por via da globalização, o que foi resultando na desertificação do interior. 

Felizmente, parece que esta tendência começa a mudar de novo, mormente ao longo da última década. As grandes cadeias grossistas reforçam, a cada dia, a sua oferta de produtos de agricultura biológica; os supermercados mais pequenos, por seu lado, apoiam cada vez mais a produção nacional e local, colocando nas prateleiras inúmeros produtos daqui oriundos.

Também o próprio consumidor parece ter despertado para a importância de ter em casa produtos de qualidade, biológicos ou não, mas de cultura local. Volta-se, até, à criação de pequenas hortas em casa, mesmo nas varandas, com a plantação de ervas aromáticas, tomates e outros frutos a ganharem cada vez mais adeptos. Os próprios municípios, cientes da importância deste assunto, libertam talhões para a criação de hortas comunitárias. Para mudar hábitos, é preciso mudar vontades e garantir condições para que se concretizem.

Este regresso às origens reverte-se de uma enorme importância, não só para a subsistência do setor primário, mas também para a riquíssima gastronomia de um país cheio de tradições como é Portugal. Sem uma indústria agrícola forte, não pode existir uma gastronomia verdadeiramente portuguesa, já que ela deve assentar em produtos endógenos aos quais fomos adicionando todo um encontro de culturas que dois séculos de expansão marítima nos proporcionaram.

Ao mesmo tempo, sem um setor agrícola autêntico e diverso, respeitador das regiões e da biodiversidade, também as nossas paisagens únicas, forte motor da promoção turística, desaparecerão.

O Douro sem vinhas, o Fundão sem cerejas, o Algarve sem laranjais, o Alentejo sem sobreiros, Trás-os-Montes sem olivais e castanheiros... Que Portugal seria este? Um deserto impensável, inimaginável, do ponto de vista da biodiversidade e da paisagem.

Fortalecer a agricultura é, também, garantir a fixação da população no interior, tão depauperado ao longo de décadas. Mas importa aumentar a sua rentabilidade e, sobretudo, dar valor ao produto e à produção, garantindo dignidade a quem trabalha a terra e a quem produz, ao invés de deixar os lucros no comércio e na grande distribuição. Sem investir na força produtiva, nunca será possível captar jovens para este trabalho, que foi e sempre será árduo.

Há, ainda, medidas que poderão ser determinantes para assegurar uma maior produção e, assim, a prosperidade da agricultura. Por exemplo, manter os terrenos cultiváveis, diminuindo o abandono das terras e expropriando-as a quem não as torna produtivas e punindo, através de impostos, quem possui terras que não são tratadas ou rentabilizadas. E, também, diversificar a agricultura, substituindo algumas produções que são hoje pouco rentáveis por outras mais sustentáveis, do ponto de vista ecológico e económico.

Urge um plano de reforma sério, a longo prazo, para a floresta e para a agricultura, por forma a que possa desenhar-se um projeto eficaz de produção, não massificado ou de produção extensiva, mas antes que tenha em conta os nossos recursos hídricos. Esta reforma deve passar, também, pela imposição do fim da importação e produção de produtos com pegada ecológica, que vão destruindo o planeta, como o abacate e a quinoa.

Por fim, importa, talvez acima de tudo, mudar mentalidades. Fazer intensas campanhas de sensibilização para uma alimentação saudável e pela importância dos produtos que vêm da (nossa) terra. E isto passa pela consideração pelo produto e por quem o produz; por olhar para o lavrador/agricultor com o respeito que merece e atribuindo-lhe a dignidade que deve ter. Sempre. Afinal, sem ele e sem a agricultura, não temos vida. 

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