Plantas aromáticas e medicinais da Mata Experimental do Escaroupim e do Campo de Tiro

Plantas aromáticas e medicinais da Mata Experimental do Escaroupim e do Campo de Tiro

Por: A. Cristina Figueiredo1 ( ), Luis G. Pedro1, José G. Barroso1, Helena Trindade1, João Sanches2, Carlos Oliveira3, Miguel Correia3
1Univ. de Lisboa, Fac. de Ciências de Lisboa, Dep. de Biologia Vegetal, Instituto de Biotecnologia e Bioengenharia, Centro de Biotecnologia Vegetal, C2, Campo Grande.
2Inst. da Conservação da Natureza e das Florestas – Dep. da conservação da Natureza e das Florestas de Lisboa e Vale do Tejo
3Força Aérea Portuguesa – Campo de Tiro

RESUMO

A Faculdade de Ciências de Lisboa (FCUL) - Centro de Biotecnologia Vegetal (CBV/IBB), a Autoridade Florestal Nacional (AFN) e a Força Aérea Portuguesa – Campo de Tiro (CT) têm vindo a desenvolver ações com vista ao reconhecimento da biodiversidade de espécies aromáticas e/ou medicinais, autóctones e/ou cultivadas no CT e na Mata Experimental do Escaroupim (MEE), e bem assim desenvolver estratégias para a sua conservação. A publicação de pequenas monografias sobre estas espécies tem como desiderato a promoção do seu conhecimento, na perspetiva da sua valorização e utilização sustentada.

Palavras-chave: plantas aromáticas e medicinais, PAM, usos tradicionais, voláteis, óleos essenciais

A Faculdade de Ciências de Lisboa (FCUL) - Centro de Biotecnologia Vegetal (CBV/IBB), a Autoridade Florestal Nacional (AFN), e a Força Aérea Portuguesa – Campo de Tiro (CT) assinaram, em 18 de março de 2011, um protocolo de cooperação e intercâmbio interinstitucional, com o objetivo de desenvolver e consolidar as ações de cooperação em áreas de interesse comum, designadamente no estudo florístico de espécies aromáticas e medicinais.

A concretização do protocolo, entre as três entidades, tem vindo a ser materializada através de ações diversas, em particular no reconhecimento e registo da biodiversidade vegetal e bem assim no desenvolvimento de estratégias para a sua conservação. Reconhecida a riqueza das fileiras florestais da Mata Experimental do Escaroupim (MEE) (Faria et al. 2011) e do CT, foi considerada relevante a criação de um acervo de informação de interesse público (Figueiredo et al. 2012), que reunisse dados sobre o conhecimento popular e científico de algumas das plantas aromáticas e medicinais (PAM) aí existentes.

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Neste contexto, esta nota introdutória precede uma série de pequenas monografias sobre espécies aromáticas e/ou medicinais autóctones e/ou cultivadas no CT e na MEE. Para cada espécie, referir-se-á a designação binomial científica, a família a que pertence e os respetivos nomes vernáculos. Descrever-se-á, ainda, a sua utilização tradicional, baseada na bibliografia consultada e listada no final de cada monografia. Embora de uma forma breve, será também referida a composição química da componente aromática de cada uma das espécies, como resultado da investigação realizada no Centro de Biotecnologia Vegetal (FCUL / CBV/ IBB), no âmbito do protocolo. Os dados de cada espécie serão acompanhados da correspondente iconografia alusiva e de um glossário com a definição de alguns dos termos e conceitos utilizados.

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Pretende-se, assim, contribuir para o melhor conhecimento das espécies monografadas, tendo no horizonte a sua valorização e utilização sustentada.

Agradecimentos

À Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) no âmbito do PEst OE/EQB/LA0023/2011.

Bibliografia
  1. Faria J. M. S., J. Sanches, A. S. Lima, M. D. Mendes, D. A. Geraldes, R. Leiria, H. Trindade, L. G. Pedro, J. G. Barroso, A. C. Figueiredo (2011) Eucalyptus from Mata Experimental do Escaroupim (Portugal): evaluation of the essential oil composition from sixteen species. Acta Horticulturae 925: 61-66.
  2. Figueiredo A. C., L. G. Pedro, J. G. Barroso, H. Trindade, J. Sanches, C. Oliveira, M. Correia (2012) O Campo de Tiro e a Mata Experimental do Escaroupim. A biodiversidade da flora autóctone - Plantas aromáticas e medicinais. Mais Alto 398: 47-49.

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Myrtus communis L.


Aquele que estiver doente
Vá tomando chá de murta
Que os remédios de botica
Põem a vida mais curta

[Armando Côrtes Rodrigues 1982. Cancioneiro Geral dos Açores, S. Miguel. In Braga e Pontes (2006)]

Nome científico: Myrtus communis L.
[= Myrtus communis L. f. belgica (L.) P. Cout., Myrtus communis L. f. lusitanica (L.) P. Cout.]
Família: Myrtaceae
Nomes populares: murta, murteira, mirto, murtinho, murtinhos, flor-do-noivado

Myrtus communis L. (Myrtaceae), vulgarmente conhecido como murta, é frequente na região Mediterrânica e abundante no centro e sul de Portugal continental. Menos frequente no norte, ocorre, também, na Madeira e em cinco ilhas dos Açores (Faial, Pico, S. Jorge, Sta. Maria e S. Miguel). Este arbusto, perene, possui flores brancas, vistosas, delicadas e perfumadas, e as folhas exalam uma doce e resinosa fragrância quando esmagadas. O fruto é uma pequena baga carnuda. Apreciada em Portugal como planta ornamental, é também uma planta melífera e algumas das suas partes são utilizadas em culinária, na preparação de licores e de outras bebidas espirituosas e, ainda, em medicina popular. Os óleos essenciais, isolados das folhas e botões florais de murta colhida no Campo de Tiro, foram obtidos com um rendimento de 0.3% (v/p.f.), sendo o a-pineno (53%), o 1,8 cineole (25%) e o limoneno (10%) os componentes dominantes.

A murta (Myrtus communis L.) é uma espécie da família das Myrtaceae, da qual fazem parte árvores ou arbustos economicamente importantes: na produção de madeira (Eucalyptus spp.), como ornamentais (Callistemon spp., Eucalyptus spp., Leptospermum spp., Melaleuca spp., Myrtus spp. e Rhodomyrtus spp.), como fonte de especiarias (Syzygium aromaticum, Pimenta dioica), na produção de frutos comestíveis (Feijoa sellowiana, Myrciaria cauliflora, Psidium guajava, Syzygium jambos e S. malaccense), na produção de óleos essenciais utilizados como aromatizantes, antissépticos e em aromaterapia (Eucalyptus spp. e Melaleuca spp.).

A murta é uma planta de hábito arbustivo ou arbóreo, de pequena dimensão, ramificada e frondosa, formando moitas quase impenetráveis, (Figura 4). Os exemplares desta espécie possuem folhas de tamanho diverso e de forma lanceolada1, mais ou menos pronunciada. As suas pequenas folhas brilhantes possuem glândulas2 resiníferas3, visíveis à transparência. As flores brancas são delicadas e perfumadas, exibindo uns bonitos estames amarelos. O fruto é uma baga de cor negro-azulada quando maduro.
Mais abundante na zona centro e sul de Portugal Continental, a murta é rara no norte do País, não obstante referências à sua ocorrência na bacia do alto Douro. Ocorre também na ilha da Madeira e em cinco das nove ilhas do arquipélago dos Açores (Faial, Pico, S. Jorge, Sta. Maria e S. Miguel).

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As bagas de murta, conhecidas como mastruços ou murtinhos, são comestíveis. Depois de torradas são, tal como a raiz, adstringentes4. As flores, e bem assim as folhas e as bagas, possuem um leve aroma a zimbro (Juniperus communis L.) e são utilizadas em culinária, em saladas de fruta e para condimentar carnes. O vinho de murta, preparado por maceração das folhas em vinho generoso seco, é considerado um aperitivo.

Na medicina tradicional, a infusão dos frutos é tida como diurética5 e a maceração alcoólica das folhas é utilizada para atenuar os sintomas de tosse e bronquite e para auxiliar na resolução de problemas do trato digestivo. A infusão das folhas e bagas é utilizada como desinfetante e antisséptico, no tratamento de feridas e afeções afins. Com as bagas de murta faz-se, também, um licor afamado, utilizado para, entre outros fins, aliviar os sintomas dos resfriados. Como desinfetantes e aromatizantes do meio ambiente, os ramos são queimados, juntamente com rama de alecrim (Rosmarinus officinalis L.), loureiro (Laurus nobilis L.) e oliveira (Olea europaea L.).

A murta é uma planta melífera6, cultivada para fins ornamentais e paisagísticos, que alia a estética ao seu delicado aroma. É também uma planta utilizada em arranjos florais, potpourris, e em bouquets de noiva por representar, simbolicamente, Vénus e o amor.

Para além de muito apreciada em Portugal, esta espécie encontra vasta utilização na culinária e na cosmética de muitos países, fazendo jus às suas características aromáticas. Em culinária, as flores frescas são utilizadas em saladas ou em guarnições, enquanto as folhas e as bagas são utilizadas em pratos de carne. Em alguns países, as folhas são utilizadas para envolver os queijos, durante o processo de cura. Os botões florais, as flores e os frutos, devidamente secos, podem ser conservados em vinagre para uso culinário, ou em óleo apropriado (óleo de amêndoas doces, por exemplo) para fins cosméticos. Na cosmética e na perfumaria, a murta é utilizada pela sua essência, ou óleo essencial7, que se extrai por destilação. Ao óleo essencial são-lhe atribuídas propriedades balsâmicas8, antissépticas9 e sedativas.

A água perfumada obtida das flores, designada como Água de Anjo ou Água de Murta foi particularmente famosa no século XVII. Em 2007, uma reconhecida marca internacional de cosméticos lançou, integrado num tributo à flora mediterrânea, quatro fragrâncias, de entre as quais se destaca a de murta (Myrtle por L'Occitane).

Os óleos essenciais, isolados das folhas e botões florais de murta colhida no Campo de Tiro, foram obtidos com um rendimento10 de 0.3% (v/p.f.). O óleo, de tonalidade amarela clara e aroma suave, é uma mistura complexa de cerca de 85 compostos, 79 dos quais foram identificados. O a-pineno (53%) é o componente dominante destes óleos, composto igualmente maioritário no óleo essencial de pinheiro (Pinus spp.). O segundo (1,8 cineole, 25%) e o terceiro (limoneno, 10%), constituintes maioritários dos óleos essenciais de murta, são também abundantes nos óleos essenciais de eucalipto (Eucalyptus globulus Labill.) e de limão [Citrus x limon (L.) Burm. f.], respetivamente. Qualquer destes compostos entra, habitualmente, na composição de águas de colónia e perfumes e na aromatização de produtos de uso doméstico, designadamente, produtos de limpeza. Neste contexto, a murta (Myrtus communis L.) é um recurso natural relevante da flora mediterrânica, que importa preservar e explorar de forma sustentada.

Notas:

    1. Lanceolada: em forma de ferro de lança, largo na parte média e agudo na extremidade.
    2. Glândulas: estruturas secretoras especializadas, que podem ocorrer, interna ou externamente, nos órgãos vegetativos ou florais.
    3. Resiníferas: que produz resina, uma substância untuosa e aromática, secretada por algumas plantas.
    4. Adstringente: contrai os tecidos, os capilares, os orifícios e tende a diminuir as secreções das mucosas. No caso da mucosa bucal, cria a sensação de aspereza.
    5. Diurética: facilita a excreção urinária e, por essa via, estimula a eliminação de toxinas.
    6. Melífera: planta de interesse apícola, procurada pelas abelhas para a produção de mel e outros produtos derivados.
    7. Óleo essencial: produto obtido por (1) destilação, hidrodestilação ou destilação por arrastamento de vapor de uma planta ou das suas diferentes partes, ou por (2) um processo mecânico, sem envolvimento de calor (expressão), no caso do epicarpo de frutos de espécies de Citrus (laranjeira, limoeiro, tangerineira, toranjeira). Expressão: método de obtenção de óleo essencial de espécies de Citrus, por prensagem, ou picotagem, do fruto e seu arrastamento pela água. O óleo essencial é separado da fase aquosa por centrifugação.
    8. Balsâmico: Substância aromática, extraída de plantas, que cria a sensação de conforto.
    9. Antisséptico: que desinfeta e combate ou previne as infeções.
    10. Rendimento: Volume de óleo produzido por peso seco ou fresco de matéria-prima.

Bibliografia

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