PLANO VACINAL EM VITELOS

Por: George Stilwell,
Médico-veterinário, Diplom. ECBHM

Ao ler este e outros textos, em que se transmite a ideia (certa) de que o colostro é essencial para garantir uma resistência efectiva dos bovinos jovens às doenças infecciosas, pode-se ficar com a noção (errada) de que os vitelos não possuem um sistema imunitário competente quando nascem. Na verdade todo o sistema está montado quase desde os primeiros tempos de embrião e o facto de ser essencial a ingestão do colostro deve-se não há incapacidade de montar uma resposta imunitária, mas ao facto do animal não ter tido tempo de contactar com os agentes, reconhecê-los e preparar as defesas específicas. Podemos provar isso ao demonstrar anticorpos no sangue do vitelo que ainda não bebeu colostro, contra alguns vírus (por exemplo, o BVD*) que conseguem atravessar a barreira da placenta – ou seja, o feto teve tempo, antes do nascimento, para produzir as suas resistências.

Após o nascimento começa uma lenta maturação do sistema imunitário do vitelo, que estará concluída entre os 5 e os 8 meses de idade. À medida que o animal contacta com os microorganismos do seu ambiente, vai montando as defesas específicas. A imunidade de origem materna (via colostro) “apenas” se destina a protegê-lo nesta fase de estágio.   

Uma outra questão relacionada e que suscita sempre muitas dúvidas é a vacinação. Qual é o momento ideal de vacinação, contra que agentes infecciosos e que tipo de vacina usar?

É do conhecimento generalizado que a vacinação das mães no final da gestação pode ajudar a controlar as diarreias neo-natais dos vitelos, especialmente aquelas devidas à bactéria E.coli e aos vírus coronavírus e rotavírus, ao aumentar significativamente os níveis de anticorpos no colostro. Já a utilidade da vacinação das vacas contra outros agentes é mais controversa e, na generalidade, insuficientemente comprovada. Há mesmo estudos que indicam que se produzem menos anticorpos no colostro se se vacinar as vacas pouco tempo antes do parto.

Em relação à primeira vacinação do vitelo jovem precisamos de responder a uma série de perguntas: será que os anticorpos de origem materna irão neutralizar os antigénios da vacina antes do sistema imunitário do vitelo ter tempo de montar a sua própria resposta? Ou será que a apresentação desses antigénios irá “gastar” a imunidade de origem materna, fazendo esta falta mais tarde? Poderão as vacinas vivas causar alguma doença em animais jovens? Será o vitelo capaz de responder a uma vacinação multivalente, ou seja, contra diversos agentes ao mesmo tempo?

A ideia da interferência dos anticorpos maternos na resposta à vacina não é descabida, mas não é universal – acontece para o BVD, para a Pasteurella multocida e Mannheimia haemolytica, mas já não parece ser tão clara para o vírus do IBR*. Por exemplo, contra este último vírus descobriu-se que se estabelece uma resposta celular cuja memória vem a ser muito útil mais tarde.

Também a duração de circulação dos anticorpos maternos variam bastante, dependendo dos níveis no colostro e do agente para o qual protegem. Por exemplo, os anticorpos contra o vírus sincicial ou contra as bactérias Clostrídeos duram pouco mais de um mês enquanto que aqueles que protegem contra o IBR ou BVD podem chegar aos 5 meses.

Já o(s) momento(s) em que não se deve de todo vacinar parecem estar melhor definidos. Na altura mesmo antes e logo após o nascimento existe em circulação grandes quantidades de cortisol que inibem uma conveniente resposta imunitária. Esta imunodepressão dura cerca de uma semana. Assim, vacinar vitelos com menos de 5-7 dias não só é pouco eficaz como pode ser perigoso. Mais tarde, entre as 3 e as 5 semanas, existe uma “janela” em que a resposta à vacinação contra uma série de vírus, na presença de imunidade de origem materna, fica longe do desejável. Igualmente desaconselhada é a vacinação em momentos de stress, como o desmame, a descorna, a castração, as mudanças de instalações, etc… Mais uma vez são os níveis de cortisol que exercem esta influência negativa.

Como acontece em qualquer outra idade, a vacinação só será realmente eficaz se der tempo para se produzir os anticorpos antes da “agressão” prevista. Vacinar “em cima do acontecimento” dá maus resultados. O sistema imunitário demora pelo menos 10 dias a montar um sistema de defesa minimamente eficaz e muitas vezes isso só acontece após uma segunda dose da vacina (com 3 semanas de intervalo da primeira vacinação).

O tipo de vacina utilizada também importa. Em animais jovens as vacinas intra-nasais ou orais – que conduzem a uma imunidade a nível das mucosas – são bastante interessantes porque levam a uma resposta rápida e eficiente. No caso de vacinas parenterais (intramuscular, por exemplo) podemos usar vacinas vivas ou mortas. As primeiras podem não precisar de reforço, dão uma resposta rápida, mas podem causar doença. As vacinas mortas ou inactivadas são mais seguras, mas normalmente precisam de duas doses até conseguir o efeito protector óptimo.

A tendência de muitos produtores é a de vacinar contra tudo e contra todos o mais cedo possível para tentar minimizar os impactos de uma potencial infecção. Como se viu, esta estratégia pode não ser a mais certa, a mais económica e pode mesmo ser prejudicial. Convém ter a noção daquilo que existe em cada exploração (porquê vacinar se o vírus não afecta o meu gado?), da forma como se monta a defesa contra esses organismos, qual a interferência potencial da imunidade de origem materna e quais as vacinas disponíveis. O aconselhamento do médico-veterinário é essencial nesta altura porque será ele que poderá criar um programa com o melhor retorno (não só sanitário como económico).

Por fim um sinal de alerta – a necessidade de um plano vacinal muito abrangente geralmente é sinal de deficiências importantes no maneio, instalações, bem-estar ou nutrição dos vitelos. A vacina não deve ser uma forma de “disfarçar” más práticas de produção.

*BVD – Diarreia Viral Bovina (Pestivirus)
*IBR – Rinotraqueíte Infecciosa Bovina (Herpesvirus)

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