Opinião: O risco do desabastecimento dos mercados
- 13 dezembro 2021, segunda-feira
- Opinião
Opinião de Rui Rosa Dias
Professor do ISAG-EBS | Investigador CICET - FCVC
A atualidade altamente complexa que todo o mundo enfrenta, está a colocar sob uma enorme pressão, variadíssimos setores de atividade entre os quais, os sistemas agroalimentares e florestais, na realidade, a base da estabilidade de qualquer nação.
Desde a dificuldade de acesso à normalidade logística no que ao transporte de mercadorias diz respeito, passando pela subida dos preços das matérias-primas, à incerteza sobre a capacidade das “fábricas do mundo”, maioritariamente centradas no continente asiático, retomarem a normalidade produtiva capaz de enfrentar uma procura que se manteve constante, até à dificuldade de encetar medidas corretivas e de rápida implementação para capitalizar as economias mais frágeis e dependentes, está a tornar esta situação, talvez, como uma das maiores crises que a Humanidade enfrenta.
Por outro lado, a pseudo normalidade e estabilidade política mundial, em que Estados Unidos, China, Brasil, Rússia, UE, entre outros, vêm paradoxalmente comunicando ao mundo, dá a entender que se está a viver sob uma certa cosmética de medidas, incapazes de fazer frente a uma ameaça de âmbito mundial. Acresce ainda que, organizações independentes que são o garante dos equilíbrios geopolíticos, económicos e humanitários universais, tais como, a ONU, a FAO, a OMC, o FMI, têm demonstrado alguma dificuldade de marcar a agenda mundial, não apenas no âmbito dos debates sobre os temas mais prementes, mas acima de tudo, na mobilização para a ação, para a definição clara e objetiva de um novo rumo, de um novo modelo. É certo que, todo o mundo terá sido apanhado de surpresa. Acreditemos que sim e que na verdade, desconhece-se ainda a origem desta hecatombe que o mundo enfrenta. No entanto, há um dever universal de uma explicação transparente, objetiva, sem filtros, sem demagogias, acerca deste fenómeno que assolou as sociedades, as economias e até, claro, o meio ambiente.
Relativamente ao setor agroalimentar e florestal, a preocupação é redobrada. É redobrada, ou deveria ser, pois os empresários estão a ser confrontados por uma subida generalizada dos custos na aquisição das matérias-primas, no acesso à logística dos transportes, ao entupimento de rotas marítimas, à escalada de preços nos combustíveis, à dificuldade de acesso a mão-de-obra – este último fator mais relacionado com o setor primário e a fontes de financiamento que possibilitem amortecer a perda de competitividade, a perda de margens. Prevê-se que em média, os preços subam entre 25% a 50%. Em algumas áreas - por exemplo na logística de transportes de contentores, poderão subir ainda mais, atingindo facilmente os 100%, comparado com a normalidade que se vivia pré-pandemia. Ora a questão que se coloca é a seguinte: se a procura de mantém constante e até em alguns casos, com tendência, embora sazonal (época Natalícia e de fim de ano), para aumentar, como abastecer os mercados tradicionalmente habituados a consumir desenfreadamente? Uma resposta difícil de obter.
Por um lado, há que estimular o consumo privado na tentativa de gerar economia e circulação económica, por outro, há que acautelar e prever a capacidade de se entrar em roturas de stocks, logo, numa lógica de incentivo indireto ao açambarcamento de bens, maioritariamente por parte das economias mais capitalizadas e preparadas para pagar “em cash” os bens de que supostamente as suas procuras necessitam. Imagino que, nenhum País no mundo pensará em encetar medidas profiláticas que possibilitem aos consumidores repensarem os seus consumos per capita. Seria inimaginável o efeito. Na verdade, perante este cenário atual, ao qual se adiciona ainda, uma certa especulação e oportunismo comercial impróprio para o momento que se vive, que roça o paradigma da cartelização dos mercados, o risco de desabastecimento agroalimentar torna-se uma realidade muito próxima de acontecer. Creio ser unânime que todo o mundo já percebeu, que o atual modelo económico está falido. As medidas paliativas não estão a resultar.
Creio que todos já entenderam que há uma enorme falta de transparência política global, maioritariamente na governação e na economia. Não haverá alternativa senão desenhar medidas para equilibrar assimetrias no consumo e com isso, ajudar a compensar estes fenómenos incontroláveis. Não haverá dúvidas que uma nova economia, um novo pensamento económico terá de emergir, provavelmente com base no seguinte quarteto de dimensões interdependentes: pessoas, economia circular de base comunitária, transparência política e cívica e equidade.
Corremos seriamente o risco de passar por falta de alimentos no curto prazo. Como lidar com esta realidade? A acontecer o que se teme, este será o último sintoma de um problema que se arrasta desde há muito tempo: o atual modelo económico chegou ao fim, pois daqui em diante, a política, as sociedades e o meio-ambiente, não poderão estar subjugados à “economia sem rosto” e esta, às finanças.
Nota de Redação
Artigo publicado na edição n.º 41 da Revista Agrotec.
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