O projeto LIFE RESILIENCE

Dado o elevado risco de propagação da bactéria Xylella fastidiosa em importantes áreas agrícolas da União Europeia (EU), surgiu um projeto europeu, que reúne nove parceiros de três países: Espanha (Galpagro, Grennfield, Agrifood, Asaja e Universidade de Córdoba), Itália (Ivalsa e Salov) e Portugal (Nutriprado e Herdade do Charqueirão).

Xylella fastidiosa

Por: Vasco Abreu e Nuno Vitorino

Nutriprado

O projeto propõe-se a desenvolver genótipos de plantas produtivas e tolerantes a agentes patogénicos, aplicar boas práticas e inovar em métodos naturais de controlo de vetores, para demonstrar a sua eficácia na altura de prevenir os efeitos negativos desta doença.

Uma vez que a planta é infetada pelo agente patogénico, a eliminação e a contenção são difíceis de alcançar. As medidas atuais abordam a erradicação de exemplares infetados e da vegetação ao redor, o que gera grandes perdas económicas e ecológicas. Pesquisas preliminares mostram que os climas com invernos temperados são especialmente vulneráveis à proliferação dos agentes patogénicos e que as mudanças climáticas só exacerbam esse efeito.

O projeto LIFE RESILIENCE ajudará a estabelecer explorações agrícolas sustentáveis de forma a que estas consigam melhorar as estratégias de prevenção e controlo da doença e de adaptação às alterações climáticas. No decurso das ações, serão desenvolvidas estratégias para reduzir o consumo de água e a pegada de carbono dos sistemas de produção, aumentando o potencial de mitigação e adaptação da agricultura às alterações climáticas.

O envolvimento da Nutriprado prende-se com o desenvolvimento de novas misturas de cobertos vegetais, que irão, certamente, permitir um aumento ainda mais significativo da biodiversidade. Estão, neste momento, a ser avaliadas diversas misturas de sementes, com características e composições florísticas diferentes entre si.

Esperamos, com base nos resultados técnicos obtidos através de ensaios de campo, poder caracterizar a especificidade e potencial atrativo de insetos auxiliares, para cada mistura formulada, com destaque especial para os insectos auxiliares que são predadores naturais do inseto vetor da Xylella fastidiosa. Este estudo é particularmente importante pois poderá alterar o paradigma e a abordagem de controlo a uma das bactérias mais perigosas para as plantas. 

O compromisso do projeto com a sustentabilidade 

O projeto, co-financiado pela União Europeia através do Programa Life, procura soluções sustentáveis destinadas a reduzir a capacidade de propagação da Xylella fastidiosa nas plantações intensivas de olivais e amendoais.

A partir dos diferentes campos de ensaio demonstrativos existentes, pretende-se otimizar de forma eficiente os recursos, água, energia e solo. A fim de reduzir a pegada de carbono, os sistemas de irrigação irão ser alimentados por fontes de energia renováveis, a fertilização será otimizada do mesmo modo que o uso de produtos fitossanitários, atingindo o equilíbrio com tratamentos alternativos de base biológica.

Entre outros desenvolvimentos, a área da Itália irá experimentar uma armadilha sonora que irá reduzir o uso de inseticidas, o que significa menos emissões de gases de efeito estufa. Outra grande parte do projeto incidirá na otimização da resistência da planta da oliveira e do seu ambiente aos agentes patogénicos, urgente na maioria dos casos de Xylella fastidiosa, mas também a outros futuros surtos previsíveis.

É esperado que as alterações climáticas tragam consigo mais pragas e doenças graves e é importante que os sistemas de produção intensiva tipicamente vulneráveis, como os olivais e amendoais no Mediterrâneo, estejam prontos para enfrentar estas ameaças.

Os ensaios de melhoria genética vegetal e demonstração de práticas sustentáveis como os propostos pelo projeto LIFE RESILIENCE incidem em prevenir a propagação e reduzir o impacto das doenças causadas pela Xylella fastidiosa em áreas em risco de serem infetadas nos próximos anos.

Ações do projeto LIFE RESILIENCE

  • Avaliar cruzamentos entre variedades de oliveiras para obter novos genótipos resistentes à Xylella fastidiosa. Estas novas variedades serão uma alternativa de cultura para os produtores em áreas potencialmente afetadas pela Xylella fastidiosa, minimizando o risco de perdas devido a este agente patogénico; 

  • Deve-se identificar as melhores práticas e técnicas sustentáveis para os olivais e amendoais. Essas práticas devem aumentar a biodiversidade e reduzir o consumo de água, a pegada de carbono e a incidência de pragas e doenças sem comprometer o desempenho  da exploração agrícola;

  • Fornecer um modelo de práticas recomendáveis e sustentáveis incluem métodos naturais de controlo de vetores ajudando a prevenir a propagação da Xylella fastidiosa. Estas técnicas poderão ser aplicadas à cultura do olival, amendoal e outras espécies lenhosas como citrinos e videiras, aumentando também a sua capacidade de adaptação às mudanças climáticas;

  • Envolver equipas multidisciplinares numa colaboração transnacional que forneça novas estratégias para a prevenção da Xylella fastidiosa e a adoção das políticas ambientais da UE. 

O papel dos cobertos vegetais com leguminosas da Nutriprado

As espécies leguminosas têm a capacidade de fixar o azoto atmosférico, através de uma associação simbiótica com uma bactéria de solo, formando nódulos nas raízes. O azoto atmosférico, que se encontra aprisionado nos espaços entre as partículas de solo, é convertido em azoto mineral podendo ser utilizado pelas plantas. A quantidade de azoto fixado no solo é diretamente proporcional á quantidade de matéria verde produzida pelas plantas leguminosas. Em média, as leguminosas fixam cerca de 25 kg de azoto no solo por cada tonelada de matéria seca vegetal produzida.

No final da estação de crescimento (outono, inverno e primavera), o azoto aprisionado nos nódulos das raízes ficará estabilizado no solo, de uma forma mais ou menos estável. Muito deste azoto (mais de 25%) pode sofrer mineralização e ser utilizado por plantas subsequentes não leguminosas, mas a maioria (até 75%) entra no ciclo de azoto do solo, substituindo a azoto mineralizado e utilizado por culturas não leguminosas anteriores.

As leguminosas podem oferecer, também, soluções de maneio e controlo de plantas infestantes problemáticas e que demonstrem resistência a herbicidas. É particularmente interessante o seu mecanismo dormência de sementes, devido a apresentarem elevada dureza, constituindo desta forma um “banco de sementes” no solo, o que permite a sua persistência ao longo dos anos após a sua instalação. 

Efeitos da manutenção de um coberto vegetal da Nutriprado

Gestão da biodiversidade

A matéria viva do solo apresenta um papel fundamental na manutenção da biodiversidade. Os microrganismos de solo são importantes para a decomposição da matéria orgânica, que permite aumentar a disponibilidade de nutrientes para as plantas. Uma cobertura vegetal selecionada pela Nutriprado permite aumentar a estabilidade da temperatura do solo, e também aumentar a humidade do solo, criando assim um meio mais favorável para o desenvolvimento e multiplicação destes microrganismos benéficos.

Gestão do solo

O meio mais eficaz de controlar a erosão de um solo é melhorar a sua estrutura. Ao melhorar a estrutura do solo, verifica-se um aumento da taxa de infiltração de água no solo. Ao aumentar a taxa de infiltração, aumenta também a quantidade de água disponível em profundidade para as plantas. Os cobertos vegetais contribuem para o aumento da matéria orgânica do solo e também para uma consequente fixação de carbono, pois a matéria orgânica é constituída em 58% por carbono. Se retemos mais carbono no solo, retiramos dióxido de carbono da atmosfera, contribuindo para a redução de gases de efeito de estufa na atmosfera.

Gestão da fauna auxiliar

O aumento da biodiversidade cria a condições favoráveis para a atividade dos organismos auxiliares. Populações de inimigos naturais das pragas (organismos auxiliares) tendem a aumentar, devido ao aumento da disponibilidade de alimento e de habitats alternativos que criam condições mais favoráveis á sua sobrevivência e reprodução. Ao existirem auxiliares por perto, as plantas passam a ser menos atractivas para as pragas. 

A importância da fauna auxiliar

Nos últimos anos, verificou-se uma preocupação crescente com o meio ambiente, e em particular com o impacto que a agricultura tem nos ecossistemas, e mais concretamente na biodiversidade das explorações agrícolas.

Para a prática de uma agricultura sustentável, é necessário manter ou criar um ambiente equilibrado, com um agro-ecossistema diversificado. Nesta ótica, é bastante importante potenciar a biodiversidade dentro das diversas culturas como forma de facultar serviços ecossistémicos que beneficiem diretamente o produtor, nomeadamente com a limitação natural dos inimigos da cultura, que neste caso, serão os vetores da Xylella fastidiosa e que pertencem à Ordem Hemiptera, principalmente Cicadelideos (Subfamília: Cicadellinae), Afroforídeos e Cercopídeos. Basicamente, todos os insetos que se alimentam no xilema.

Até ao momento, a especificidade entre a bactéria e o vetor é baixa, pelo que, praticamente qualquer espécie de inseto que se alimente no xilema pode ser considerada o seu vetor potencial. Contudo, a maior atenção neste momento é para a espécie Philaenus spumarius (Aphrophoridae), por se saber que é o vetor mais eficiente. Como forma de controlo da população do vetor da Xylella fastidiosa, é bastante importante pensar em alternativas que possam ajudar no controlo dos seus vetores, e é neste contexto que o conceito de biodiversidade funcional pode tornar-se parte da solução, por ser a componente da biodiversidade que pode ser usada em benefício da cultura, através da limitação natural, onde a fauna auxiliar desempenha um papel fundamental.

Para que a fauna auxiliar se estabeleça nas explorações agrícolas, é fundamental proporcionar-lhes as condições básicas para o seu desenvolvimento e proliferação, e isto pode ser feito através da seleção das Infra-Estruturas Ecológicas (IEEs). Obviamente que esta seleção terá  de ser efetuada com base nas características morfológicas da fauna auxiliar. Uma das IEEs mais importantes são os cobertos vegetais nas entrelinhas das culturas, que da forma como estão dispostos no terreno, podem ser considerados como corredores ecológicos e, por norma, chegam a representar cerca de 80% da biodiversidade de uma exploração.

Para além destes, a existência de sebes também é importante porque permitem a recolonização da cultura por auxiliares que, encontrando-se nas sebes, não são afetados pelas diversas operações culturais efetuadas nas culturas em questão.

Para que a fauna auxiliar se estabeleça nas explorações agrícolas, é também fundamental proporcionar-lhes as condições básicas para o seu desenvolvimento e proliferação, mediante a criação de estruturas ecológicas de continuidade. É por isso fundamental criar nas explorações agrícolas áreas de compensação ecológica, que são áreas escolhidas criteriosamente, de forma a não serem afetadas por eventuais tratamentos químicos, e  que no fundo servem como reservatórios de biodiversidade funcional.

Sem uma boa manutenção de um coberto vegetal, não é possível aumentar a vida microbiana do solo e acima dele (insetos auxiliares). É por isso necessário e importante a utilização de variedades que apresentem elevado nível de rusticidade, que sejam melhoradoras e acrescentem benefícios ecológicos (potencial atrativo de insetos).

Por outro lado, as misturas de coberto vegetal são desenhadas por forma a permitir a melhoria da estrutura do solo, aumentando a taxa de infiltração de água e reduzindo a taxa de evaporação (a água penetra mais rapidamente no solo e em profundidade), a fixação do azoto atmosférico e acréscimo do teor de matéria orgânica.

Agradecimentos

Agrosustentável: Ana Filipa P. Tereso; Pedro Tereso. Paula Sá Pereira (iniav); Teresa Carita (sppf e iniav). 

Artigo originalmente publicado na Agrotec 35

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