O projeto Chestwine

Ao utilizar a flor de castanheiro como conservante natural isento de toxicidade para o vinho, os investigadores do projeto Chestwine criaram uma alternativa aos sulfitos adicionados e proporcionam ao consumidor um vinho biodinâmico, diferenciado, seguro e portador de propriedades bioativas. Em entrevista ao Agronegócios, são esclarecidos os objetivos e as especificidades deste projeto que venceu a distinção Born From Knowledge – BfK AWARDS.

CHESTWINE

AGRONEGÓCIOS: Em primeiro lugar, gostaria que nos descrevessem em que consiste o projeto Chestwine.

CHESTWINE: O projeto ChestWine surge na sucessão de vários contactos da indústria vinícola, em que pretendiam deixar de utilizar sulfitos nos seus vinhos, devido à toxicidade descrita associada a estes conservantes. Assim, o projeto consiste na utilização da flor de castanheiro (Castanea sativa) para o desenvolvimento de um ingrediente natural conservante, para utilização como alternativa aos conservantes artificiais, como os sulfitos. A flor de castanheiro foi selecionada para o desenvolvimento deste ingrediente, uma vez que apresenta uma forte atividade antimicrobiana e antioxidante.  

A vantagem da utilização deste ingrediente é sobretudo a completa eliminação da adição de sulfitos aos vinhos, permitindo aos produtores obterem vinhos completamente naturais. Por outro lado, este ingrediente conservante natural traz também uma mais-valia para o consumidor, na medida em que pode disfrutar de um vinho com as mesmas características físico-químicas e sensoriais, mas mais saudável. Além disso, dadas as propriedades bioativas da flor de castanheiro, este vinho providencia ainda benefícios para saúde.

AN: Gostaríamos também de saber mais sobre as pessoas que desenvolveram o projeto, bem como as entidades que vos apoiaram.

CW: A equipa responsável pelo desenvolvimento do projeto ChestWine engloba 5 elementos: Professora Doutora Isabel Ferreira, atual Secretária de Estado da Valorização do Interior e ex-coordenadora do Centro de investigação de Montanha (CIMO) do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), mentora do projeto.

Sendo uma investigadora de referência na área agroalimentar, com um know-how e expertise reconhecido internacionalmente no que respeita ao desenvolvimento de aditivos naturais e bioativos; Doutoras Lillian Barros e Sandrina Heleno, também Investigadoras do CIMO-IPB, com uma vasta experiência na caracterização química e bioativa de matrizes naturais, responsáveis pelo desenvolvimento e validação das propriedades conservantes do ingrediente; Professor Doutor Albino Bento, diretor do Centro Nacional de Competências de Frutos Secos (CNCFS), elemento importante devido ao seu conhecimento na área da cultura do castanheiro; Professor Fernando Magalhães Pinto Paiva da Quinta da Palmirinha, produtor de vinhos biodinâmicos, responsável pela incorporação do ingrediente no vinho.

Toda a tecnologia foi desenvolvida pelos membros de CIMO-IPB, nas instalações do centro de investigação, sendo posteriormente aplicada nos vinhos da Quinta da Palmirinha, entidade interessada em experimentar a capacidade conservante do ingrediente ChestWine.

AN:  Venceram duas distinções dos Prémios de Inovação do Crédito Agrícola em 2019. De que forma isso contribuiu para a evolução do projeto?

CW: As distinções dos Prémios de Inovação do Crédito Agrícola vieram validar a importância em inovar e sobretudo vieram também mostrar que a indústria precisa de inovação, precisa de novos ingredientes naturais e eficientes. Com as distinções dos Prémios de Inovação do Crédito Agrícola foi também possível abrir pontes de contacto e de possíveis parcerias, ou seja, permitiu-nos difundir ainda mais este projeto, e fazer com que este chegue até uma panóplia mais ampla de interessados. Este projeto ainda está a crescer, pois neste momento estamos a testar este ingrediente em vários vinhos e tentar validar o ingrediente.

Além de tudo isto, estas distinções são sempre de grande importância, pois trazem motivação e valoriza o empenho e o trabalho desenvolvido.

AN: A ideia que surgiu inicialmente foi a que se concretizou no final ou sofreu alterações pelo percurso?

CW: A ideia que surgiu inicialmente é em toda a sua essência a mesma que se mantém e que se concretizou no final do projeto. Ao longo do processo, houve a necessidade de alguns ajustes, nomeadamente o ajuste da dose a aplicar e o número de aplicações, mas o objetivo foi concluído com sucesso e chegámos ao desenvolvimento do ingrediente final.

«A equipa deste projeto é detentora de um vasto conhecimento e experiência na área alimentar»

AN: Quais foram as necessidades primárias e secundárias que os levaram à criação deste projeto? E qual era o principal objetivo ao cria-lo?

CW: Sabemos que existem atualmente cerca de 2500 aditivos alimentares, na sua maioria utilizados como conservantes, com a finalidade de aumentar o tempo de prateleira dos produtos, mantendo as suas propriedades químicas e organoléticas. O dióxido de enxofre utilizado normalmente na forma de sulfitos, é um composto fundamental em Enologia, devido às suas propriedades antimicrobianas e atuando também como antioxidante, e, a sua incorporação é uma prática corrente no processo de produção de vinhos. No entanto, este é um dos aditivos mais suscetíveis de desencadear reações alergénicas, o que fez com que nos últimos anos se tenha observado um interesse crescente na sua substituição por produtos naturais ou utilizando processamentos alternativos na elaboração dos vinhos. Assim, a procura por conservantes naturais sem toxicidade tornou-se uma prioridade a nível mundial.

A equipa deste projeto é detentora de um vasto conhecimento e experiência na área alimentar, nomeadamente no desenvolvimento e aplicação de aditivos de base naturais para a indústria alimentar. O projeto ChestWine é um dos diferentes projetos desenvolvidos neste âmbito, uma motivação que consistia também na aplicação do conhecimento adquirido e de transferência de tecnologia.

AN: Porque escolheram a flor do castanheiro como base para o conservante?

CW: A equipa deste projeto pertencente ao CIMO-IPB, dedicou-se durante décadas ao estudo exaustivo de matrizes naturais, nomeadamente à sua caracterização nutricional, química e bioativa. Deste modo, foi construída uma base de dados onde é possível inferir quais as matrizes mais promissoras para exercerem diferentes atividades biológicas, com base nos seus constituintes e bioatividades.

Desta forma, dentre todas as matrizes estudadas (centenas de plantas e cogumelos por ex.), a flor de castanheiro destacou-se pelo seu potencial antioxidante e antimicrobiano, dois requisitos essenciais para o desenvolvimento de um conservante eficiente. Esta capacidade conservante, exibida pela forte atividade antioxidante e antimicrobiana deve-se à presença de moléculas bioativas, nomeadamente elagitaninos hidrolisáveis, neste caso específico, o composto trigaloil-hexa-hidroxidifenol-glucósido. 

AN: Como explicam a vossa diferenciação em relação ao que já existe no mercado?

CW: Este ingrediente diferencia-se dos restantes já existentes no mercado, pois, além de ser um ingrediente natural e seguro, aumenta ainda a cadeia de valor e de economia circular de uma outra produção de grande expressão em território nacional, a produção de castanha. A obtenção deste ingrediente natural assenta nos três pilares base da sustentabilidade (Económico, Ambiental e Social). Económico: A utilização de produtos naturais como conservantes para substituir os aditivos artificiais tem vindo a crescer devido à sua capacidade de conservação e propriedades bioativas que conferem aos produtos alimentares, tornando-os em alimentos/bebidas funcionais. Este processo, que normalmente se apresenta dispendioso, torna-se neste caso economicamente mais viável pois trata-se do aproveitamento de um resíduo biológico, sem qualquer interesse económico, dando origem a um produto final de valor acrescentado.

Social: Face às propriedades bioativas comprovadas exibidas pelas flores de Castanea sativa, esta poderá ser utilizada para substituição a adição de sulfitos (descritos como agentes menos saudáveis e causadores de problemas de saúde aos consumidores). A vantagem da utilização das flores em alternativa aos sulfitos, é a de garantir ao consumidor um vinho com as mesmas características físico-químicas e sensoriais, mas muito mais seguro em termos de saúde.

Ambiental: Para a obtenção do vinho incorporado com flores de Castanea sativa, as flores masculinas são colhidas manualmente em soutos, após o processo de fecundação, sem prejuízo da formação do fruto. Assim, obtemos um vinho natural através de um processo completamente biológico sem adição de um aditivo de origem artificial, os sulfitos, diminuindo o impacto ambiental da produção de vinho, tornando-o num processo mais amigo do ambiente.

«Hoje em dia há uma necessidade cada vez maior de tornar os produtos o mais naturais possível»

AN: Está nos planos exportar o produto?

CW: Neste momento, o IPB esta em fase de finalização de desenvolvimento de uma start-up, cujo CEO é o Engenheiro João Gonçalves, que se dedicará à exploração do ingrediente. Para este fim, o ingrediente encontra-se já em fase de testes em diferentes vinhos provenientes de diferentes zonas do país, de forma a obter a sua legalização e licença comercial. Uma vez que este ingrediente está já patenteado a nível nacional e internacional, prevê-se também a sua rápida expansão de forma a exportar também para território internacional.

AN: Hoje em dia, é fácil inovar no setor agroalimentar em Portugal? Existem os apoios corretos para tal?

CW: Uma vez que a indústria alimentar tem sofrido algumas restrições no que respeita ao uso de alguns aditivos artificiais, os consumidores procuram produtos mais naturais e ao mesmo tempo seguros, há sempre uma porta aberta para inovar neste sentido ou até no desenvolvimento de alimentos que consigam suprir algumas necessidades nutricionais. No entanto, é preciso ter em mente que uma investigação de qualidade, feita com motivação e dedicação, terá sempre o devido reconhecimento em termos também de apoio financeiro.

AN: Atualmente, a evolução do natural é essencial para todo o setor agroalimentar. Consideram que os nossos produtores e empresários do setor já têm essa noção?

CW: É verdade que hoje em dia há uma necessidade cada vez maior de tornar os produtos o mais naturais possível, evitando o recurso a aditivos artificiais, o que nem sempre é possível. Pela nossa experiência, tanto os consumidores como a indústria estão perfeitamente elucidados neste campo; na grande maioria das vezes, é a indústria que nos contacta e propõe desafios, precisamente no sentido de tornarem os seus produtos mais naturais, saudáveis e funcionais. Neste momento, estamos a trabalhar com diversas empresas da área alimentar, mas também de outros setores como a indústria cosmética e têxtil. 

AN: Pretendem desenvolver outros conservantes naturais para o vinho?

CW: Em relação ao desenvolvimento de conservantes para aplicação em vinho, estamos numa fase muito importante no que concerne a este ingrediente natural, à sua legalização e a implementação da start-up. Mas, o nosso grupo de investigação, diariamente enfrenta desafios, no desenvolvimento de outros aditivos para diferentes aplicações. No entanto, continuamos a trabalhar com a indústria vinícola no sentido de desenvolver outros trabalhos igualmente promissores.  

AN: Quais são os próximos passos para o futuro do Chestwine?

CW: Como já referido, sendo detentores de uma patente internacional e nacional, estamos em fase de certificação do ingrediente e de consolidação de uma start-up. Os próximos passos serão seguramente a expansão da comercialização deste ingrediente para mercados mais ambiciosos a nível internacional. 

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