O mel e o milho vão a tribunal

O mel e o milho vão a tribunal

Por: Laura Duarte Carvalho

A decisão1  do Tribunal Europeu de Justiça (TEJ) anunciada no passado dia 6 de Setembro de 2011 sobre mel que contenha pólen transgénico pode trazer profundas implicações para o futuro do cultivo de milho transgénico em Portugal.

O caso começou em 2005 quando um apicultor alemão verificou através de análises laboratoriais que o seu mel apresentava pólen proveniente de milho geneticamente modificado MON 810 da Monsanto, cultivado a cerca de 500 m das colmeias. Sentindo-se prejudicado, o apicultor apelou ao tribunal administrativo – que veio então solicitar algumas clarificações ao TEJ.

O resultado vem pôr em causa o que tem sido prática corrente nesta área. De acordo com o TEJ, o pólen proveniente de milho geneticamente modificado (GM) não é ele próprio GM, uma vez que perdeu a capacidade de se reproduzir. No entanto é classificado como sendo produzido "a partir de milho GM", ou seja, é considerado um ingrediente derivado do milho original, e como tal a sua comercialização está sujeita a autorização prévia. Essa obrigatoriedade de autorização prévia aplica-se qualquer que seja a quantidade do ingrediente: mesmo que o pólen em causa esteja presente no mel em quantidades pequeníssimas ou até vestigiais, ainda assim ela é necessária.

O problema é: o pólen proveniente de milho GM não está autorizado na União Europeia. E isso torna ilegal a venda e consumo de todo o mel em que ele esteja presente. Esta nova realidade abre a porta a múltiplas queixas judiciais (e respectivas compensações financeiras) e põe em causa a apicultura em zonas de cultivo de milho GM... ou põe em causa o cultivo de milho GM em zonas onde haja apicultura. O futuro se encarregará de esclarecer exactamente quem vai sobreviver. Uma questão parece certa: pode demorar anos até que a autorização ao pólen GM venha a ser acordada. Até lá, e segundo o Comissário Europeu para a Saúde e a Defesa do Consumidor, John Dalli, em comentário a estes desenvolvimentos, os Estados-Membros deverão definir regras de coexistência para contemplar a nova realidade legal.

Portugal é um dos países que já publicou tais regras2, aplicadas desde 2006. Mas a apicultura em geral e a contaminação do mel em particular não foram objecto de consideração por parte do legislador. Face a tal omissão e considerando que, de acordo com Sabugosa-Madeira et al3.  uma abelha pode abranger zonas distantes 12 km e uma única colmeia pode colher pólen de uma área de mais de 100 km2, será difícil que apicultores e agricultores de milho GM se venham a entender e encontrar uma solução mutuamente confortável.

Talvez o futuro venha a revelar uma terceira via: se ninguém testar, ninguém se vai aborrecer. Neste caso, o consumidor será penalizado e a legislação será atropelada. Mas em Portugal, país de brandos costumes, não seria a primeira vez que se optaria pelo método da Bela Adormecida. ¦

1

 O caso é “Bablok e outros vs. o Estado da Baviera”, envolve também a Monsanto, e está disponível em:
http://curia.europa.eu/jurisp/cgi-bin/form.pl?lang=EN&Submit=Submit&numaff=C-442/09

2

 Decreto-Lei 160/2005, de 21 de Setembro

3

 Journal of Apicultural Research 46(1):57–58, 2007

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