No Douro a vinificação tecnológica é cada vez mais uma realidade

Foi nos começos de julho que fomos ao encontro do fruto e do néctar que há-de ser colhido durante o mês de setembro, numa tarefa em jeito de celebração e à boa maneira duriense. Depois da vindima chega a pisa e, apesar de muitas empresas ainda optarem pelo método tradicional, são cada vez mais as companhias que apostam em sistemas tecnológicos de refrigeração para controlo de temperatura na fermentação do vinho. Damos-lhe a conhecer dois casos que demonstram bem que o crescimento da economia vitivinícola exige cada vez mais investimentos de qualidade.

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«Não se vê por que maneira, este solo é capaz de dar pão e vinho. Mas dá. Nas margens de um rio de oiro, crucificado entre o calor do céu que de cima o bebe e a sede do leito que de baixo o seca, erguem-se os muros do milagre. Em íngremes socalcos, varadins que nenhum palácio aveza, crescem as cepas como os manjericos às janelas. No Setembro, os homens deixam as eiras da Terra-fria e descem, em rogas, a escadaria do lagar de xisto. Cantam, dançam e trabalham. Depois sobem. E daí a pouco há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do mundo». Miguel Torga, in "Portugal".

No mês de setembro os socalcos do Douro (Património da Humanidade da UNESCO desde 2001) enchem-se de agricultores que recolhem os bagos de uvas para produzir o vinho mundialmente famoso.

Após a vindima, as uvas são depois depositadas em lagares onde são esmagadas (muitas ainda com os pés) para que possam libertar o seu sumo que dará origem ao vinho. Contudo, cada vez mais são as companhias e empresas que apostam em sistemas tecnológicos de refrigeração para controlo de temperatura na fermentação do vinho.

Fomos descobrir, num dos maiores centros de produção vitivinícola do país, duas empresas que apostam neste modelo.

Uma delas é a conhecida Gran Cruz Porto que, em Alijó, conta com uma adega e um centro logístico de armazenamento. Aqui é possível concentrar produção, armazenamento e operações de tratamento de vinhos da empresa.

José Sousa Soares, Director de Enologia da Gran Cruz Porto, conduz a visita ao empreendimento que integra duas adegas, uma de grandes volumes com capacidade para vinificar seis mil toneladas de uvas adquiridas a milhares de viticultores dos concelhos de Alijó, Murça, Sabrosa, Carrazeda de Ansiães e Vila Flor.

Na adega mais pequena produz-se categorias especiais de vinhos do Porto e Douro e capacidade para cerca de 600 toneladas de uvas.

O centro logístico de armazenamento tem capacidade para 22 milhões de litros de vinho e aguardente. Com esta unidade, a Gran Cruz pretende concentrar num único local os stocks que estavam espalhados por vários locais da região.

Elevadas exigências técnicas de vinificação

Trata-se de uma unidade industrial de grandes dimensões que aliou «as elevadas exigências técnicas de vinificação e de estágios de vinhos do Porto e do Douro» aos aspetos de «integração paisagística».

São milhares os tubos que ligam os pontos de recolha de mosto às cubas vinificadoras e daqui às gigantescas unidades de armazenamento que podem acolher até 360 mil litros de vinho, num processo de produção de vinho onde domina a tecnologia.

A primeira linha de demarcação para as uvas que seguem para um lado ou outro faz-se com o registo dos agricultores.

Todos os que acordaram com a Gran Cruz a entrega das suas uvas recebem um cartão com um chip que permite gerir de forma individualizada as suas entregas. Nos meses que antecedem a vindima, os produtores são acompanhados e informados da data em que devem vindimar.

Dias antes da vindima levantam na adega caixas de plástico. Cada uma destas caixas tem um chip que é lido por um medidor com radiofrequência.

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Os dados da carga são enviados para o computador e cada agricultor fica imediatamente a saber que quantidades entregou e com que volume alcoólico provável.

A equipa de enologia acede a este registo e, nas suas opções, pode jogar com outra informação prévia sobre as uvas que recebe – se são de zonas altas ou baixas, que castas dominam na vinha.

As caixas deixadas na parte de receção da adega seguem então dois destinos possíveis: vão para o grande volume ou têm qualidade para entrar na «adega gourmet», de onde sairá vinho equivalente a umas 700 mil garrafas por ano.

Para os grandes lotes, as uvas desengaçadas e esmagadas seguem por tubos suspensos até as cubas autovinificadoras que ficam no piso dos lagares. Antes, recebem o primeiro tratamento sanitário e se, por exemplo, em causa estiver um vinho branco que requeira uma fermentação mais suave e dilatada no tempo, passam por longos tubos arrefecidos que fazem baixar a temperatura dos mostos.

Nas cubas com vinho tinto, para além do recurso de regar a manta (as películas e grainhas das uvas) na sua extremidade superior, a Gran Cruz dispõe ainda de um sistema robótico que a desfaz e aumenta a área de contacto com o líquido. Todas as cubas têm sistemas de aquecimento e de arrefecimento para controlo de temperatura na fermentação.

O Grupo Gran Cruz vende cerca de 25 milhões de garrafas de vinho do Porto e regista um volume de negócios de cerca de 75 milhões de euros, dos quais mais de 90% provêm da exportação.

O mercado francês é o maior da empresa, onde é líder de mercado.

Vinha Comprida

Também no coração do Douro, a Vinha Comprida, empresa familiar que já vai na terceira geração, é outro exemplo de inovação em termos de vinificação.

João Pissarra, engenheiro agrónomo, licenciado na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e Doutorado na Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEUP), explica-nos o processo do negócio que herdou da família.

Aqui foram investidos 700 mil euros desde 2003, essencialmente com recurso a fundos comunitários.

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«Temos uma área bem definida, de fermentação, em que as cubas têm uma camisa dupla onde fazemos circular a água fria, sendo que também circula água quente. Recebemos a uva lá fora, é depois transportada por canalização móvel, fermenta durante sete a dez dias, e daqui são direcionadas para as vasilhas inox ou de madeira, consoante o vinho que vamos fazer», explica João Pissarra.

E prossegue, informando que, «de uma maneira geral, o vinho aquece 1,3 graus por cada 1 grama de açúcar, sendo que é depois necessário contrariar esse crescimento de temperatura».

«O vinho por si aquece ao fermentar e nós circulamos água fria a seis graus para obter o que queremos», refere o engenheiro agrónomo.

Os vinhos brancos fermentam a 12, 14, 15 graus, já os tintos podem chegar aos 28, 29 graus. «Depende do que queremos produzir».

João Pissarra explica que na Vinha Comprida há dois processos de fabrico: «o de vinho do porto que é pisado (até ao ano passado era pisada a pé) em lagar, e o de mesa, esmagado (massa fresca), feita por um tubo de 100, 120 milímetros».

O responsável realça que «é preciso, primeiro, deixar que a temperatura suba sendo que a nossa tarefa é baixá-la». E quando é preciso dar calor? «Quando entramos no final de fermentação, as nossas leveduras, de maior uso comercial, tem uma capacidade de levedar álcool até aos 12, 13, 14%, a partir daí começam a perder eficácia, não produzem calor, e começam a arrefecer. Quando temos muito açúcar no vinho, elas podem perder eficácia e ainda há muito açúcar para degradar, e há necessidade de manter toda esta massa a 25, 26 graus e, em vez de receber frio, está a receber calor».

E conclui, dizendo que o sistema de refrigeração e aquecimento que possuem na empresa tem três componentes: «o chiller (frio e bomba de calor), um “pulmão” e um sistema de controlo de inércia».

Fotos: Ana Clara

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