Milho geneticamente modificado é o futuro: Europa «Perde o comboio» da revolução tecnológica

Por: Sara Pelicano e Helder Marques

Três produtores nacionais de milho, de diferentes regiões, observam vantagens na produção geneticamente modificada. O futuro passa pelas variedades geneticamente modificadas (VGM) e António Carvalho, da Maislavra, alerta que a Europa «está a “perder o comboio” desta revolução tecnológica». Em conversa, os agricultores falam da água, essencial à produção, e da venda atempada.

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A água é o elemento imprescindível no cultivo do milho. A eficiência no seu uso é a palavra de ordem quando se fala deste tema. Pedro Pimenta, da Quinta da Cioga, em Coimbra, adianta que não tem equipamentos para fazer a monitorização de água no solo porque na sua gestão da água «impera o bom senso». O produtor de milho da região Centro do país tem 33 hectares (ha) semeados com milho (em rotação com as culturas de azevém e trevo), dos quais 13 são regados por pivot e os restantes «por gravidade através de sulcos em terrenos com inclinação para a vala de enxugo de 2/1000». A gestão eficiente para Pedro Pimenta passa «não só pela forma como poupa a água, mas também no número de horas que dispensa na rega». Deste modo, Pedro Pimenta consegue ter custos por ha de 1700 euros.
Um pouco mais abaixo, na Golegã (Ribatejo), António Carvalho refere também eficiência quando lhe falamos de água. A sua empresa, a Maislavra, tem 92 ha de área semeada com milho, em monocultura, que são regados «no momento certo, na quantidade certa, com a maior eficiência e menor custo possível», sublinha. Esse objetivo é conseguido pelo recurso «a um sistema de aconselhamento de rega que determina as necessidades reais das parcelas, equacionando os dados fornecidos pelas estações meteorológicas, os dados fornecidos pelas sondas de humidade no solo e a fase do ciclo da cultura». A estes dados, António Carvalho junta o conhecimento histórico das parcelas e, assim, determina a quantidade de água e a forma como deverá ser aplicada. Um trabalho que lhe permitiu ter um custo, em 2013, que variou entre os 2.100 euros/ha e os 2.300 euros/ha. De acordo com este produtor, estas variações prendem-se com «a dimensão da parcela e, principalmente, com o sistema de rega utilizado. Em 2013 os encargos com a secagem foram excecionalmente elevados, em virtude do atraso nas sementeiras que originou épocas de colheita mais tardias, com teores de humidade mais elevados».

Nestas contas à água, o Alqueva é figura central nos dias que correm. Em Cuba, região do Baixo Alentejo já regada pela albufeira, falámos com António Vieira Lima, da Sociedade Agrícola dos Atafuis e Sociedade Agrícola dos Vales. Para este produtor de milho é na água que «a poupança está mais nas nossas mãos», quer «no custo da água» quer «eletricidade e nutrientes que deixamos perder por lixiviação». Para uma melhor gestão da rega, este agricultor alentejano recorre ao Centro Operativo e de Tecnologia de Regadio (COTR) que lhe fornece a evapotranspiração cultural diariamente, o que lhe permite ajustar as dotações nos pivots. António Vieira Lima diz fazer também «covachos, o que aumenta em muito a homogeneidade da rega, permitindo regas mais otimizadas». No seu caso, os custos médios por ha rondam os 2050 euros.

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As variedades semeadas nestas explorações são diversas. A escolha das variedades a usar é feita «através de resultados produtivos em ensaios de campo», como refere Pedro Pimenta, ou por «aconselhamento técnico e por experiência em anos anteriores após análise detalhada dos dados nos diversos campos de ensaio», como acrescenta António Carvalho. O produtor da Golegã dá especial atenção ao acompanhamento técnico durante a fase de escolha das variedades, mas ao longo do ciclo produtivo essa atenção é «muito pontual» e mais focada para «problemas concretos que ocorram». A Sul, António Vieira Lima, utiliza as variedades que o «fornecedor habitual» lhe apresenta, mas escolhe-as pela sua produtividade, resistência a doenças e porte da planta, «uma vez que a rega é feita por pivot quanto mais baixa a planta, menos os atascamentos», explica.

Independentemente das variedades escolhidas e das motivações inerentes, estes agricultores querem produtividade. Um objetivo que parecem estar a alcançar. António Vieira Lima, que produz apenas grão, terminou o ano de 2013 com 15 toneladas/ha, uma produção superior à do ano anterior. O agricultor alentejano relaciona o aumento de produção com «o trabalho de drenagem que foi feito nos terrenos».

Também António Carvalho se dedica exclusivamente ao milho para grão, mas o ano de 2013 teve uma redução na produção face a 2012, uma quebra que explica com o «atraso na data de sementeira, devido a condições climatéricas adversas e acama do milho em algumas parcelas que originou grandes perdas de produção». No ano passado, a produtividade média do agricultor da Golegã situou-se nas 14 toneladas/ha. O nosso interlocutor do Centro do país teve em 2013 uma produtividade de «16 toneladas de milho grão/ha e 75 toneladas de milho silagem/ha (com 34% de M.S.)», valores que representam uma «ligeira subida», relacionada como «as condições edafo-climáticas do ano», diz Pedro Pimenta.

VGM é o futuro

O milho geneticamente modificado (GM) não suscita dúvidas para estes três agricultores. António Vieira Lima prepara-se para utilizar na próxima sementeira milho GM porque teve «este ano um prejuízo significativo por causa broca, sobretudo nos dois últimos pivots semeados». O produtor de Cuba faz a sua sementeira, em mobilização mínima e na linha, deixando «os restolhos durante o Inverno, para que possa reduzir-se a erosão, aumentar a infiltração da água das chuvas e para que os resíduos estejam mais degradados à saída do Inverno, facilitando assim as operações culturais», explana. Em todo o processo não prescinde de equipamentos de agricultura de precisão pois «seria impensável não fazê-lo, as vantagens são enormes. Todos os tratores estão equipados com auto-guiamento RTK, pulverizador com controlo de abertura e fecho por GPS».

Pedro Pimenta, da Quinta da Cioga, faz gradagem do restolho, lavoura e desterroa com rototerra para preparar a sementeira de milho convencional e GM. A escolha dos dois tem como intuito «averiguar as diferenças entre eles na qualidade da silagem, mas ainda não [há] uma conclusão prática definitiva». À semelhança do colega anterior também Pedro Pimenta recorre à agricultura de precisão. No seu caso, apenas o faz durante a sementeira, operação em que utiliza «semeador pneumático convencional».

Na Golegã, António Carvalho, ainda não utiliza VGM, uma decisão que se prende apenas com espaço. «Não tenho reserva alguma relativamente ao uso de VGM, nem estou totalmente satisfeito com o convencional. Simplesmente não utilizo porque entendo não ter condições na minha exploração para a implementação das regras da coexistência», diz. O responsável da Maislavra não tem dúvidas de que o futuro «da cultura passará pelo uso de VGM» e lamenta «profundamente o facto de a Europa estar a “perder o comboio” desta enorme revolução tecnológica». A instalação da cultura fá-la com recurso a técnicas de mobilização mínima ou na linha e utiliza GPS na distribuição de adubo e na aplicação de fitofármacos (herbicidas). «Tanto o espalhador de adubo como o pulverizador estão equipados com sistemas de Débito Proporcional ao Avanço», pormenoriza.

Vender atempadamente

Vender a produção é, para António Vieira Lima e António Carvalho, o objetivo final de todo o processo até aqui falado. Ter interlocutores fiéis e uma estratégia de venda é fundamental para o sucesso. Em Cuba, António Vieira Lima, da Sociedade Agrícola dos Atafuis e Sociedade Agrícola dos Vales, «tenta fazer vendas antecipadas». «Se conseguir ter tudo vendido a um preço que me dê garantias de uma boa rentabilidade, antes mesmo de ter semeado, melhor». É também com este método que António tenta precaver-se relativamente à volatilidade dos preços. Os clientes são «quase sempre os mesmos» e, António Vieira Lima confessa que «não é fácil alargar carteiras de clientes quando o mercado é dominado por uma só empresa». No Ribatejo, António Carvalho trabalha desde sempre com a Organização de Produtores (OP) Agromais. Uma relação de sucesso que pretende continuar porque está «bastante satisfeito com a estratégia adotada». António Carvalho afiança que a satisfação com a Agromais se deve «essencialmente aos resultados obtidos na comercialização ao longo dos anos. O conjunto dos valores ultimamente obtidos parecem-me perfeitamente razoáveis, tendo em conta a volatilidade do mercado». Aquela OP traz ainda ao agricultor «segurança no pagamento». Apesar de vender a sua produção apenas à OP, António Carvalho não tem dúvidas que a venda antecipada é a melhor forma de proteção. «Parece-me que uma estratégia de venda de alguma produção em antecipação poderá trazer vantagens. Realizar alguns negócios atempadamente, fugindo aos “picos de produção” (época de maior oferta), parece-me uma estratégia acertada». Já Pedro Pimenta, em Coimbra, considera que a proteção se consegue com «ponderação nos investimentos». «Devemos olhar para os preços das últimas três ou quatro campanhas para podermos ter uma noção mais exata do seu preço médio, e saber se é ou não rentável determinado investimento na exploração agrícola». Dos três interlocutores, Pedro é o único cuja parte da produção (silagem) é consumida pelo efetivo pecuário. Na Quinta da Cioga tem 200 animais da raça Holstein Frísia, dos quais 90 em ordenha. O grão vende «sempre» ao Agrupamento de Produtores de Cereal da Cooperativa Agrícola de Coimbra.

Portugal, país competitivo em milho

A água da albufeira de Alqueva tornou a região mais competitiva. António Vieira Lima afirma que «sem água nada ou quase nada cresce no Alentejo». Em 2013, completou a quarta campanha dentro do perímetro regado pelo Alqueva e as mais-valias são evidentes: «Além do aumento da produtividade, ter água é ter a garantia de que vamos produzir  X toneladas de um determinado produto, e essa garantia permite contratar a produção, assegurando assim a rentabilidade e a estabilidade da exploração ao longo do tempo», comenta. A água é fator decisivo para a competitividade do país nesta produção, um dado também referido por Pedro Pimenta. «A cultura estará sempre muito dependente da disponibilidade de água de rega e melhoramentos fundiários que só se conseguirão com a conclusão das obras hidroagrícolas, que na minha região do Vale Mondego continuam inacabadas».

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