Maçã de Alcobaça: o sustentável aroma do Oeste

É colhida entre agosto e novembro e assume-se, desde há décadas, como um dos produtos de excelência da região Oeste. Falamos da maçã de Alcobaça, produzida num microclima muito próprio, e que faz deste um dos frutos mais aromáticos e crocantes do mundo. Quem o diz é Jorge Soares, presidente da Associação de Produtores de Maçã de Alcobaça (APMA). Nesta entrevista, o responsável fala da importância da Indicação Geográfica Protegida (IGP), que protege e identifica o fruto enquanto origem e região, com características específicas. Jorge Soares revela ainda que a APMA representa 500 produtores em dez concelhos, e detém cerca de metade da produção de toda a região Oeste, à volta de 50 mil toneladas.Atualmente, a exportação ronda os 29%.

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Agronegócios: Comecemos pelo princípio, nomeadamente pelo reconhecimento da maçã de Alcobaça enquanto IGP. Quando se deu esse salto?

Jorge Soares: A IGP um projeto que começou em 1986, quando se começou a sentir o efeito da pré-adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE). Percebemos que tínhamos muito a fazer em relação às nossas maçãs. Tínhamos uma produtividade baixa e não éramos competitivos e um nível de associativismo de 12%, ou seja, apenas 12% dos produtores organizados, sem capacidade organizacional,nem de acesso ao mercado. Nessa altura – anos 80 do século XX – as nossas maçãs eram de variedades antigas, trabalhadas num regime pouco técnico e profissional, porque o mercado, com as fronteiras fechadas, não obrigava a grande evolução.

AN: E como era o fruto nessa altura?

JS: Eram maçãs muito pequenas, com mau aspeto, com pouca cor e deficiente normalização, mas sabíamos que muitos comerciantes preferiam as nossas maçãs a outras. Além disso, sabíamos que as nossas maçãs, pelas suas características, se conservavam mais tempo. Nessa época, as maçãs que se produziam em Portugal, comercializavam-se até dezembro e janeiro, podendo ir as da região até março e abril, apenaspelas características do próprio produto. E é nesta altura que percebemos que estávamos tão distantes daquilo que era a maçã europeia, organizada na ordem dos 60 a 80%, com de níveis de produtividade quase três vezes maior que Portugal, com uma apresentação e normalização invejáveis.

AN: Quando é que chega o reconhecimento da IGP?

JS: Imediatamente após aquele período de pré-adesão à então CEE (atualmente UE)e se abriram as fronteiras para as frutas e legumes, de um dia para o outro passamos a competir com uma realidade completamente diferente da nossa, mais qualitativa, competitiva e profissional. Grande parte dos produtores começaram a ter dificuldades de escoamento do produto, os preços baixaram, e a exigência aumentou. Surgiram imensas empresas a importar, sobretudo de Espanha. Tivemos então de criar um mecanismo na Região que protegesse as nossas especificidades. Precisámos de modernizar o setor, fazer novos pomares, criar empress profissionais e consequentemente formarorganizações de produtores. E fizemo-lo. Mas entendemos que não era suficiente e, paralelamente, tínhamos de criar um “chapéu” que nos protegesse e que nos identificasse enquanto uma origem e região com características específicas. O reconhecimento chegou em 1992.

AN: Quanto tempo demorou esse trabalho?

JS: Cinco anos. Foi uma candidatura iniciada em 1986 e apresentada em 1988 à UE, em que desenvolvemos um Caderno de Especificações, que demonstrava três grandes níveis de diferenciação das maçãs produzidas na nossa região, mesmo que tratando-se das variedades universais que se produziam pelo mundo. Tivemos de demonstrar que os solos, o clima e o saber-fazer (modo de produção) desta região eram únicos e diferentes de todas as outras. E foi com isto que conseguimos ter uma região protegida e demarcada. Sentimos sempre que esta era uma ferramenta que iríamos precisar no futuro, enquanto produzíssemos maçãs com aquela origem, sabor e aspeto.

Área geográfica

AN: Estamos a falar de uma região que começa e acaba onde?

JS: Inicialmente criámos para cinco concelhos do Oeste (que era onde estava a produção de maçã) e associámos isto também à questão histórica. Quando quisemos provar à UE que tínhamos quase oito séculos de experiência a produzir maçãs, com um método muito tradicional, associamos a região dos antigos monges cistercienses. Foi com eles que o estudo da maçã foi iniciado. Por esta questão histórica considerámos a primeira área geográfica os concelhos de Alcobaça, Nazaré, Porto de Mós, Caldas da Rainha e Óbidos, porque coincidia de facto com os Coutos doados à Ordem Cisterciense. Atualmente são mais. Há cinco anos apresentamos uma candidatura à UE porque a produção de maçã estendia-se aos concelhos vizinhos com características semelhantes. Assim alargamos a área geográfica aos concelhos da Batalha, Bombarral, Cadaval, Leiria, Lourinhã, Marinha Grande, Peniche, Rio Maior e Torres Vedras, mas apenas aos territórios situados entre as serras de Stº Antonio, Candeeiros e Montejunto e o Oceano Atlântico.

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Jorge Soares, presidente da APMA

AN: O Caderno de Especificações impõe algumas regras de produção, boas práticas agrícolas, nomeadamente, ao nível da sustentabilidade, mas também em relação à modernização tecnológica. Pode falar-me um pouco delas?

JS: Atualmente somos mais exigentes connosco próprios. O Caderno de Especificações obriga a que as maçãs sejam produzidas numa região e o principal garante é a origem. Além disso, prevê também um modo de produção equilibrado e amigo do ambiente. E isso – modos de produção ambientalmente sustentáveis – foi algo difícil de incluir no Caderno de Especificações, porque na altura na Europa não queriam que fôssemos tão elitistas. Nós queríamos ter a origem e ter modos de produção ambientalmente sustentáveis, mas a UE considerava que era uma exigência exagerada, porque estávamos a deixar de fora pessoas que podiam não querer seguir essa linha. Mas conseguimos. E neste momento o Caderno de Especificações contempla estas duas especificações e define quais são as variedades que estão adaptadas a esta região.

AN: Quais são?

JS: São oito grupos de variedades, onde surgem novas linhas e mutações. As Galas (as mais exportáveis) com uma excelente cor, devido a estarmos próximos do mar. O grupo das Golden (maçãs amarelas); as Reinetas (mais funcionais); o das RedDelicius (vermelhas); as Fuji (uma maçã mais doce); as Grannys (com grandes níveis de ácidos e açúcares). Todos estes grupos estão no Caderno de Especificações e fora deles não se pode produzir. Apesar disto as IGP’s permitem que a fruta se possa vender com três níveis de qualidade: categoria extra, categoria 1 e categoria 2. Acontece que na categoria 2 os frutos já têm muitos defeitos epidérmicos. Entendemos que isto, do ponto de vista do mercado e do consumidor, não é bem visto.

AN: Porquê?

JS: Uma maçã menos perfeita na forma ou na epiderme, por muito boa que seja, já não é tão bem aceite pelo mercado e consumidor final. Quisemos resolver esta questão mas a UE não nos permitiu porque entende que quem produz este tipo de maçã também tem direito à sua comercialização. O que fizemos para ultrapassar a questão e elevar o nível de qualidade imposta pelas normas de qualidade e o nível de exigência a nós próprios foi, paralelamente à IGP, criar uma marca coletiva apenas para utilizar com as maçãs de qualidade superior. Ou seja, a IGP enquanto processo de certificaçãogarante origem, genuinidade e diferenciação nos produtos, enquanto a Marca Coletiva adiciona parâmetros de qualidade externa e interna superiores ao legislado e ao normal.

AN: No fundo para haver distinção?

JS: Associamos à IGP uma marca e imagem coletiva para utilização pelos membros que estão alinhados num referencial de qualidade mais extremo e direcionado para os lineares e consumidores mais exigentes. Deste modo disponibilizamos um produto final certificado, mais selecionado e com requisitos de sabor, de aspeto, de satisfação e segurança alimentar mais exigentes que os impostos pela UE. Por exemplo as regras comunitárias não estabelecem mínimos de açúcar, de consistência e outros relacionados com o sabor das maçãs.

AN: E porquê?

JS: Hoje quem decide está muito distante do mundo real. Os processos de IGP e DOP são mais protecionistas dos valores tradicionais do que dos valores da atualidade, o que em parte se compreende, mas não pode considerar-se suficiente. Temos também de perceber o mercado e os sinais dos consumidores modernos e não podemos deixar cair os produtos apenas por fundamentalismos ou inadaptação ao mercado. O que hoje o consumidor mais aprecia numa maçã é o sabor em primeiro lugar, em segundoé o preço e em último o aspeto. No ato ou impulso da compra é exactamente o inverso, ou seja o aspecto passa para primeiro lugar.

500 produtores em dez concelhos

AN: Quantos produtores tem a Associação?

JS: Recordo que somos uma Associação de Organizações de Produtores. Temos 18 organizações de produtores associadas (cooperativas, sociedades anónimas ou sociedades de agricultura de grupo) que representam 500 produtores em dez concelhos, e representamos cerca de metade da produção de toda a região Oeste, à volta de 50 mil toneladas. Com tendência a crescer. A região Oeste representa cerca 100 mil toneladas.

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AN: E em relação à exportação, quais são os valores?

JS: Até à penúltima campanha de 2013, a exportação das maçãs de Alcobaça rondava os 10%. Na campanha passada de 2014 passámos para 29%.

AN: A que se deveu esse salto?

JS: Aumento da produção, aumento da qualidade, necessidade de mercados alternativos e como resultado de política expansionista e exportadora das nossas Organizações associadas. A presença em eventos promocionais internacionais, a par da Pera Rocha gerou excelente aceitação da maçã de Alcobaça em vários mercados, assim como ótima imagem de profissionalismo e serviço das empresas associadas. E diferencia-nos o facto de termos as maçãs com somatório de ácidos e açucares dos mais altos do Mundo e consequentemente das mais aromáticas que se conhecem.

AN: Quais são os mercados tradicionais da maçã de Alcobaça?

JS: Inglaterra é o grande mercado tradicional, mas também a Irlanda. Nos novos mercados, os árabes têm registado bons desempenhos, como é o caso do Dubai, Arábia Saudita e ultimamente também o Brasil reconhece qualidade na nossa maçã.

AN: Como olha para a evolução do setoragroalimentar em Portugal nos últimos anos? A diplomacia económica, muito visível no anterior Governo, deu uma ajuda?

JS: Sem dúvida que o anterior Governo agilizou a diplomacia e abriram-se fronteiras a quase 300 produtos agrícolas, na maioria frutas. Não há na História um Governo que trabalhasse tanto esta área. Percebeu isso. E também agilizou a aplicação do recurso aos fundos europeus para o investimento. Recordo que, durante muitos anos, perderam-se muitos investimentos nesta área. Muitas vezes porque faltava a pequena comparticipação nacional. E este Governo agilizou os processos nesta matéria. Houve acesso aos fundos com maior rapidez. Mas isto também é o resultado da Política Agrícola Comum (PAC) que vem de trás. Na região Oeste havia pouquíssimas OP’s na área das frutas e atualmente há 30. Isto revela muito aquilo que foi a evolução e modernização do setor da fruticultura nesta região. A modernização das explorações agrícolas também mudou o panorama. Há agricultores com outra mentalidade, muitos com formação superior e todos com formação especifica, o que também faz a diferença. E a nossa associação trabalha todos os dias para que os membros e as instituições do conhecimento produzam-no permanentemente em conjunto. Dos seus 18 membros a maioria participa em projetos de investigação para preparar o setor nesta região para as próximas décadas. Os objeticos são continuar a melhorar o sabor da maçã de Alcobaça, a apresentação, a consistência e durabilidade e ainda a industrialização. Se desenvolvermos mais soluções de consumo fácil e cómodo, promovemos o consumo. E se melhorarmos a qualidade e a capacidade pós-colheita do produto também alargaremos os mercados de exportação.

AN: Quais são as principais preocupações dos agricultores?

JS: O fruticultor, mas concretamente o produtor de maçã, sempre teve imensas dificuldades ao longo das últimas décadas, e continua a tê-las. Porém, tenta fazer das dificuldades oportunidades. São exemplos disso na região Oeste, o problema da pequena e repartida propriedade, da deficiência de água ou deficiência de sistemas públicos de fornecimento de água e do excesso de concentração da compra. No entanto, relativamente ao primeiro, o produtor de maçã teve que maximizar as produções, a qualidade e a eficiência dos reduzidos recursos naturais; relativamente ao segundo teve de adequar o modelo de produção a um elevado nível de racionalidade de utilização da água, o que acabou por incorporar qualidade final e relativamente ao terceiro o produtor de maçã teve de se organizar através da sua estrutura associativa e por sua vez, transformar estas estruturas anteriormente concorrenciais em empresas parceiras, do qual sobresai uma IGP e uma Marca Colectiva Regional de elevado prestigio e elevado sentido de responsabilidade. Assim tem construindo muito com pouco.

AN: Fale-me um pouco do Clube da Maçã de Alcobaça. Quais os objetivos do mesmo?

JS: Criámos o Clube da Maçã de Alcobaça para aproximar os consumidores dos produtores. Para podermos chegar às pessoas. E fornecer a informação que eles não têm através das novas tecnologias. Queremos ser também uma associação virada não só para os produtores mas também para os consumidores. O registo é gratuito e convido todos a aderir, para saberem mais do produto, das pessoas e da Região Produtiva. Por outro lado, para além da Gestão da IGP, da utilização da Marca Coletiva, foi objetivo da APMA gerar outro produto de utilização coletiva e um movimento futuro de contacto e aproximação entre quem vive no campo a produzir e quem vive na cidade a consumir maçã de Alcobaça. 

Fotos: APMA e Arquivo

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