Por: George Stilwell (FMV-UTL),
Médico-veterinário, Diplom. ECBHM
Na passada semana, ao visitar uma vacaria de leite deparei-me com um cadáver de uma vaca encostada à cancela de acesso ao parque. O animal estava “bem deitado” apresentando apenas uma timpanização ruminal. Quando inquiri a razão para a morte, ninguém me soube responder. Estava assim quando aqui cheguei de manhã – disseram-me.
Terá sido um agente infecioso que irá afetar mais animais? Ou terá o animal ficado preso e impedido de eructar, tendo morrido timpanizado? A morte súbita é uma situação relativamente frequente nas explorações de pecuária e, por isso, convém refletir sobre o seu significado e, principalmente, sobre as lições que podemos retirar de cada caso.
A definição correta de morte súbita é aquela que ocorre sem quaisquer sinais premonitórios, mas como as evoluções desse tipo são relativamente raras costumamos incluir aqueles animais que são encontrados mortos não sendo possível seguir o processo que conduziu à morte. Estes últimos casos são muito mais comuns em animais mantidos em regime extensivo devido à reduzida vigilância a que estão sujeitos. Na verdade, alguns apenas são detetados quando se veem abutres a sobrevoar uma determinada zona.
Qual a importância da morte súbita na produção animal? Porque será essencial debruçar-nos sobre um assunto que diz respeito a indivíduos que já não podemos salvar? É verdade que nada podemos fazer sobre os que são alvo da investigação, mas uma minuciosa e competente avaliação de cada caso permite aprender muito de forma a prevenir casos futuros. Voltando ao exemplo do início – descobrir que a vaca morrera por ficar presa na cancela, poderia desencadear medidas de correção para uma armadilha letal que poderá causar a morte ou trauma a outros animais. Em suma – sem perceber o que se passou será muito pouco provável evitar novos casos. Infelizmente, esta é uma noção que não é muito generalizada, quer seja entre produtores quer seja entre médicos-veterinários, e por isso os cadáveres de muitos animais mortos subitamente são imediatamente recolhidos e destruídos com um suspiro de resignação. A principal razão é o tempo e trabalho que uma investigação destas nos toma.
Raramente as causas de morte súbita em animais de pecuária resultam de acidentes individuais e fortuitos – tipo trombose ou ataque cardíaco. Particularmente em animais em regime extensivo, as causas ou fatores de risco estão acessíveis a muitos animais (toda a manada ou rebanho) sendo de esperar uma enorme mortalidade. Geralmente as primeiras mortes são rápidas – sem sinais – a que se seguem decursos mais arrastados que podem culminar em morte ou noutras manifestações, como abortos. Identificar o problema logo no início pode evitar prejuízos maiores, impedir o alastramento de doenças infeciosas e, no caso de zoonoses ou intoxicações, defender a própria Saúde Pública.
A abordagem a um acontecimento de morte súbita (único ou múltiplo) pode ser complexa e deve cumprir uma série de passos porque muito raramente a razão da morte é imediatamente evidente. Uma rápida pesquisa ao site de diagnóstico veterinário da Universidade de Cornell (Consultant) mostra mais de 220 hipóteses para a palavra-chave “morte-súbita”. Ou seja, podemos ter que descartar muitas causas antes de chegar perto de uma conclusão. As causas mais frequentes são infeciosas (carbúnculo e clostridioses), tóxicas (plantas ou químicos) ou físicas (eletrocussão, como acontece em momentos de trovoada). O número de animais encontrados mortos pode variar muito com a potência do agente, o grau de exposição a este, a presença de fatores predisponentes e a suscetibilidade do grupo. Por exemplo, a vacinação de um rebanho contra clostridioses pode não evitar completamente as mortes causadas por essa bactéria, mas de certeza que a reduz em comparação com um outro grupo não vacinado.
É por todas estas razões que a investigação de um caso de morte súbita deve ser metódica, refletida e suportada por registos de qualidade (gravação de relatos, fotografias, calendário exato dos acontecimentos, identificação de testemunhas). Mesmo aqueles pormenores que podem parecer insignificantes na altura devem ser mencionados. Por exemplo, a ocorrência de uma grande chuvada dias antes de aparecerem uma série de vacas mortas pode sugerir que os tubérculos tóxicos do embude ficaram expostos nas margens de uma ribeira.
O primeiro grande entrave a uma resposta rápida quanto às causas de morte súbita é a ausência de qualquer informação clínica. Se alguém notou qualquer sinal, geralmente é muito inespecífico e a descrição pouco detalhada. Daqui resulta que a necropsia é quase sempre uma inevitabilidade. E, no caso de múltiplas mortes, deveremos sempre abrir vários cadáveres e não supor que “estão todos iguais”.
A necropsia por vezes pode ser suficiente para o diagnóstico, mas mais frequentemente a rapidez do processo não permite que se formem lesões macroscópicas dignas de registo ou então são pouco específicas. O apoio laboratorial é normalmente imprescindível para identificar micro-organismos, toxinas ou lesões microscópicas, mas porque estas análises podem tornar-se num custo incomportável é conveniente eliminar previamente hipóteses, através de dados epidemiológicos e anátomo-patológicos. No entanto, se o excesso de testes laboratoriais não é desejável, ainda o é menos a insuficiência ou desadequação do material enviado. Daí a necessidade de detalhe e sistematização.
Uma outra regra essencial na investigação da causa de morte súbita é a recolha de todos os elementos logo na primeira oportunidade. Duas razões justificam esta necessidade:
- os fatores que levaram à morte podem alterar-se rapidamente. Por exemplo, certas plantas perdem toxicidade com o tempo ou chuvadas “lavam” poluentes ou tóxicos da pastagem.
- os cadáveres sofrem alterações (autólise, putrefação) e as toxinas são eliminadas. Por exemplo, os níveis de magnésio e nitritos alteram-se rapidamente após a morte e os clostrideos intestinais invadem a carcaça surgindo em inúmeros órgãos poucas horas após a morte, mesmo não tendo tido qualquer papel no processo.
Há ainda uma outra razão para se recolher e conservar com cuidado TODAS as informações referentes ao caso – algumas situações acabam por resultar em processos litigiosos (por exemplo, a poluição de um curso de água onde é abeberada uma manada). Como se disse, muito dificilmente se poderá voltar atrás e recolher mais material dos animais mortos ou do ambiente em que estes estavam quando morreram.
Concluindo – não se deve desprezar os cadáveres de animais que morreram subitamente porque muito podemos lucrar com o seu estudo.