Investigador João P. Fidalgo Carvalho no grupo de peritos como expert na Comissão Europeia

O professor João P. Fidalgo Carvalho, foi designado para a Comissão de Peritos Científicos na área da Silvicultura pela Comissão Europeia, no Grupo de Trabalho Forests and Nature, para o desenvolvimento da Silvicultura Próxima da Natureza na Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030 e o Pacto Ecológico Europeu. 

No quadro da Estratégia para a Biodiversidade EU, o grupo de trabalho foca-se no desenvolvimento de medidas para a sustentação de processos e funções naturais nos ecossistemas florestais com vista à promoção da diversidade biológica e o contributo face às alterações climáticas.

Professor João P. Carvalho

«O Working Group é constituído por 15 elementos reunindo de entre os maiores especialistas em floresta e silvicultura da União Europeia. Entretanto o âmbito de trabalho foi alargado para englobar, além da Estratégia para a Biodiversidade, também a Estratégia Florestal da Europa (Europe Forest Strategy 2030) com participação do European Forest Institute.», esclarece o especialista em entrevista ao Portal Agronegócios. 

Destaca o desenvolvimento de uma silvicultura sustentável enquanto parte integrante da Estratégia para as Florestas EU e das medidas de desenvolvimento da UE, considerando os progressos alcançados no quadro de diversas resoluções. «A floresta adquiriu na sociedade moderna um significado novo e mais global que ultrapassa a sua função como recurso produtivo.», acrescenta.

Qual o principal foco das ações do grupo relacionadas com o desenvolvimento da floresta e da silvicultura no quadro da Estratégia para a Biodiversidade 2030?

O grupo de trabalho tem por missão contribuir para a preparação de orientações face a vários desafios como os relacionados com a conservação da biodiversidade, os serviços ecossistémicos, as alterações climáticas e o contributo das florestas para a sustentabilidade nas suas diferentes vertentes no espaço europeu. Procura a promoção de uma silvicultura moderna, que integre as vertentes da sustentabilidade, promovendo a multifuncionalidade, a capacidade de adaptação e os aspectos sócio-económicos. Os ecossistemas florestais, além de constituírem uma estrutura fundamental da biosfera e do planeta, desempenham um papel essencial para as condições de vida das comunidades humanas, de suporte de vida, a saúde e o bem-estar.

No quadro da Estratégia para a Biodiversidade EU (EB2030), o trabalho foca-se no desenvolvimento de medidas e indicações de silvicultura para a sustentação de processos e funções naturais nos ecossistemas florestais. A Estratégia, adoptada pela Comissão Europeia em Maio de 2020, procura promover o desenvolvimento de orientações e práticas baseados nos processos naturais, apoiar a biodiversidade e a resiliência face a pressões externas, incluindo as alterações climáticas.

Quais são os custos e benefícios da Estratégia?

O lema geral da EB2030 é trazer a natureza de volta às nossas vidas, pela importância que a biodiversidade desempenha em vários aspectos relacionados com as condições de vida da sociedade, no estado do ambiente e do planeta. Desconsiderar os aspectos naturais tem conduzido à degradação das condições ambientais e sociais, o que por sua vez tem também consequências ao nível económico. 

A biodiversidade desempenha um papel imprescindível a vários níveis, incluindo ao nível estratégico. Por exemplo, a biodiversidade é essencial para uma alimentação saudável e o bem-estar humano, além da prevenção na emergência de doenças. A economia depende dos recursos naturais, dos ecossistemas, e dos seus serviços. A crise climática está também ligada com a crise ecológica, o que por sua vez também gera crises sociais e económicas. As noções de desenvolvimento e de sustentabilidade ultrapassam, actualmente, a elementar dimensão económica para abarcar também os aspectos ecológicos e sociais.

Existem, no campo dos recursos renováveis, várias formas de fazer economia, ou de fabricar um dado produto, mas apenas aquela(s) que respeite o meio ambiente se torna sustentável, em que procura colocar a actividade no contexto dos ecossistemas que suportam a vida e o meio biofísico. O processo económico não é isolado, e independente, ele age numa inter-relação com o meio ambiente. O meio ambiente não é abstracto, representando antes um espaço onde diferentes seres vivos, incluindo o ser humano, dependem para a sua sobrevivência e qualidade de vida. A actividade económica tem impactos sobre o ambiente, e por sua vez, a qualidade do ambiente afecta o desempenho da economia. Por seu turno, e numa perspectiva futura, o desenvolvimento económico é colocado num novo enquadramento em que é também associado ao desenvolvimento humano, moral e cultural, incluindo a justiça social. 

A floresta adquiriu na sociedade moderna um significado novo e mais global que ultrapassa a sua função como recurso produtivo. Além da produção lenhosa é também considerada a relevância dos serviços prestados pelos ecossistemas florestais, o que passou a enquadrar a gestão dos ecossistemas num sentido mais amplo. Estas preocupações não são novas, elas começaram desde o final do séc. XIX, acentuaram-se em meados do séc. XX, e acabaram por ganhar maior notoriedade política e social na actualidade dada a situação climática e ecológica que se enfrenta, de modo que são necessárias políticas e ações compatíveis e efectivas para estes importantes desafios. 

Fotografia: João P. Carvalho

Quando se analisa o bem-estar da sociedade ou o ambiente decorrente de uma dada actividade, ou mercado, é também necessário ter em conta os efeitos negativos e positivos envolvidos. Os mercados são ineficientes e ineficazes para lidar com externalidades (ou efeitos externos), sejam estas positivas ou negativas. Muitos custos de produtos e serviços transacionados não reflectem os custos reais dado que não incorporam os custos ou efeitos ambientais e sociais associados. Por outro lado, importa não se enveredar por uma mercantilização da natureza.

Determinadas práticas silvícolas causam dano sobre o ambiente e a sociedade, envolvendo, portanto, efeitos e custos negativos. Por exemplo, se uma dada prática silvícola causa a erosão do solo, o país fica mais pobre. Práticas que causem a degradação do solo, a erosão do solo, a perda de nutrientes e de matéria orgânica do solo, a degradação da diversidade biológica, da água, ou mesmo da paisagem, não são sustentáveis.

A valorização dos serviços do ecossistema e a criação de esquemas de pagamento são também importantes e constituem desafios adicionais dada a com­plexidade do assunto e das formas como pode ser realizado de um modo satisfatório. De igual modo, uma maior valorização das florestas, e práticas, que maior contributo têm para os serviços, como sejam o carbono e a biodiversidade. Desincentivando, também, as práticas não sustentáveis. Igualmente, a criação de cadeias de valor associados a recursos endógenos, como é o caso da floresta autóctone que além dos produtos e serviços tem um contributo positivo no caso de ocorrência de incêndio.

Por seu turno, actividades relacionadas com a floresta e a silvicultura que sejam orientadas para os diferentes usos e funções são, também, geradoras de novas actividades, de receitas e de empregos, contribuindo para o desenvolvimento das comunidades locais e do país em geral. Existe um conjunto de processos de transição que estão em curso (ex., transição climática, descarbonização, digitalização, objectivos de desenvolvimento sustentável), criando uma série de desafios que se reflectem nos objectivos e aspirações de gestão. Têm sido criados diversos fundos de investimento, de capitalização e de resiliência, de grande montante, o que vai requerer, entre outros, diversos processos, como um adequado alinhamento de interesses, regulamentação, monitorização e reporting.

A gestão procurará olhar para lá do crescimento financeiro e considerar a importância dos aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG), que impactam o valor da própria empresa e a sua imagem a termo. A Estratégia irá também dar lugar a um novo quadro e medidas de apoio de acordo com os objectivos definidos, dando suporte às funções sócio-económicas e ambientais da floresta, das áreas rurais, e incentivos financeiros para a melhoria quantitativa e qualitativa das florestas e das paisagens. Pretende, igualmente, uma maior equidade, resiliência dos sistemas, e uma melhoria da viabilidade e sustentabilidade económica. Procura o favorecimento de prácticas silvícolas que efectivamente permitam dar resposta aos vários aspectos mencionados, como os relacionados com a recuperação e conservação da biodiversidade, do solo, da água, do carbono, e da adaptação dos ecossistemas florestais.

Actualmente, tem-se também dado uma grande ênfase ao desenvolvimento de base natural, em que são implementadas políticas ou actividades ambientalmente saudáveis e que contribuem de forma positiva para as comunidades locais. São desenvolvidas oportunidades económicas. Procura-se a manutenção e restauração dos ecossistemas com benefício para a comunidade, a ecologia e o bem-estar económico.

O modo como a sociedade irá responder aos desafios apontados vai depender da consciencialização e do comportamento, individual e coletivo, tendo diversas organizações, nacionais e internacionais, convocado o compromisso das nações para a adoção de adequadas medidas e práticas silvícolas sustentáveis. Atualmente, uma parte da silvicultura que tem vindo a ser desenvolvida na Europa procura ir ao encontro destes desafios, na promoção de uma silvicultura multifuncional e sustentável. Uma das questões que se coloca entre nós é o de saber se seremos capazes de responder a estes desafios, em prol do bem-estar das gerações e do planeta.

Tendo como base um plano de trabalho predefinido, de que forma o Grupo conduz o seu trabalho analítico?

O grupo destaca o desenvolvimento de uma silvicultura sustentável enquanto parte integrante da Estratégia para as Florestas e das medidas de desenvolvimento da UE, considerando os progressos alcançados no quadro de diversas resoluções. O programa de trabalhos envolve, entre outros, a análise e preparação de orientações referidas na Estratégia para a Biodiversidade e na Estratégia Florestal EU 2030.

No âmbito da Estratégia para a Biodiversidade 2030, como irá a UE trabalhar com os seus parceiros internacionais para proteger o ecossistema florestal em todo o mundo?

As diferentes políticas e estratégias da EU para a sustentabilidade (ex. Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030) são bastante ambiciosas e a Europa procura mostrar a sua liderança, e constituir um exemplo, com repercussões em outros continentes.  A EU tem uma estratégia, tanto para reverter a perda da biodiversidade como face às alterações climáticas, e pretende ter uma posição, auxiliando nas negociações no âmbito de diversas organizações e quadros internacionais, para benefício das sociedades, do planeta, do clima e da economia.

No campo da floresta e da silvicultura, existem várias regiões na Europa com bons exemplos, fundados no conhecimento científico e na boa prática com mais de 150 anos, que podem beneficamente auxiliar para alargar uma silvicultura sustentável.

A ambição da missão atribuída envolve também um subsequente desenvolvimento do critério de avaliação da gestão florestal sustentável relacionado com a manutenção, conservação e fomento apropriado da diversidade biológica nos ecossistemas florestais, e especialmente na integração das suas funções, o que tem repercussões mundiais.

Floresta perenifólia (Portugal)

Face ao objetivo de desenvolvimento de uma silvicultura sustentável, qual a sua posição acerca da florestação dos terrenos agrícolas?

Os aspectos relacionados com as formas de uso do solo, além de regulamentações, convém serem enquadrados em estratégias, políticas, e apoios, para o desenvolvimento rural e o ordenamento do território, ao nível nacional, regional e local.

A arborização, ou rearborização de terrenos que foram utilizados para agricultura, convém ter em consideração diversos aspectos e a várias escalas. A alteração climática constitui um tema de grande relevância, em que a questão do sequestro de carbono atmosférico é urgente como medida de mitigação, tanto ao nível global como local. A floresta armazena mais de 80% do carbono terrestre e, por conseguinte, constitui uma importante componente do ciclo global de carbono.

Diversas medidas têm vindo a ser analisadas ao nível da floresta, e da sua relação com os usos do solo, a aptidão dos solos, as formas de agricultura, a importância da pequena agricultura, da agroecologia, e sua inserção nos territórios e nas paisagens, entre outros aspectos. A integração de funções desempenha neste âmbito um papel fundamental, na medida em que potencia vários aspectos da sustentabilidade e um incremento do rendimento económico, directo e indirecto.

Um dos aspectos essenciais, prende-se com uma actividade humana nos territórios que valorize e respeite os recursos e os processos naturais, a criação de paisagens mais resistentes e resilientes, e que saiba desenvolver uma economia em respeito pelo ambiente como garante da sua própria subsistência, a saúde o bem-estar. Este é um importante desafio para o presente e o futuro. 

Nota Biográfica

João Paulo Fidalgo Carvalho

Professor de Silvicultura e Dendrologia na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Vila Real) desde 1988, tem trabalhado em diversos programas e ações na especialidade relacionados com sementes e plantas, seleção de espécies, arborização, condução e exploração dos povoamentos florestais.

Membro do Centro de Investigação e de Tecnologias Agro-Ambientais e Biológicas (CITAB). Realizou o doutoramento na área da Silvicultura e um pós-doutoramento
na mesma área nos EUA (USDA Forest Service, Southern Research Station e North Carolina State University, Fulbright).

Tem trabalhado em diversos projectos e ações de investigação e de desenvolvimento na especialidade, com várias instituições e organizações, em Portugal e no estrangeiro, relacionados com a floresta e a silvicultura. Membro fundador de cinco Associações/ONGs ligadas ao ambiente e à floresta. Publicou diversos trabalhos na especialidade.

Membro delegado da organização internacional Pro Silva – Integrated Forest Management.

Integrou o Grupo de Trabalho institucional para a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas para a Floresta. 

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