Hypericum perforatum L.

Hypericum perforatum L.

Por: A. Cristina Figueiredo1*, Luis G. Pedro1, José G. Barroso1, Helena Trindade1, João Sanches2, Carlos Oliveira3, Miguel Correia3
1Univ. de Lisboa, Fac. de Ciências de Lisboa, DBV, IBB, Centro de Biotecnologia Vegetal, C2, Campo Grande, 1749-016 Lisboa, Portugal; 2Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, DCNFLVT, Apartado 59 CNEMA, Quinta das Cegonhas, 2001-901 Santarém, Portugal; 3Força Aérea Portuguesa – Campo de Tiro, EN 118, 2890-403 Alcochete, Portugal. *

RESUMO

Particularmente evidente durante a época da floração, pelas suas numerosas flores amarelas e airosas, o hipericão bravo, ou erva de S. João (Hypericum perforatum L.), ocorre em todo o Portugal Continental e no arquipélago dos Açores. No rebordo das pétalas ocorrem numerosas glândulas que adquirem tom vermelho ferroso, depois de secas. Nas folhas são visíveis, em contraluz, glândulas semelhantes e translúcidas. A infusão da planta seca, nomeadamente da parte aérea, vegetativa e das extremidades florais, é muito usada em medicina popular. As extremidades florais do hipericão são comercializadas nacional e internacionalmente como antidepressivo. O óleo essencial, isolado das partes aéreas de Hypericum perforatum, em floração, colhidas no Campo de Tiro, foi obtido com um rendimento de 0.1% (v/p.f.). Como componentes dominantes deste óleo essencial, destacaram-se o 2-metil octano e o germacreno D (ambos com 19%), o a-pineno (16%) e o ß-cariofileno (7%).

Palavras-chave: Hypericum perforatum L., Hypericaceae, Hipericão bravo, erva de S. João, óleo essencial

Agradecimentos

À Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) no âmbito do PEst OE/EQB/LA0023/2011.

Hypericum perforatum L.


“... Hipericão é excelente
dá um chá bem perfumado
que faz bem a muita gente
por isso é procurado.....” (Serra do Açor)

In Camejo-Rodrigues 2002

Nome científico: Hypericum perforatum L.
Família: Hypericaceae (Clusiaceae, Guttiferae)
Nomes populares: Hipericão bravo, erva de S. João, erva de Santa Maria, pericão, milfurada, piricão

Existem dezassete espécies de Hypericum em Portugal, sendo uma endémica1 do arquipélago dos Açores e três endémicas do arquipélago da Madeira. Além destas, existem também híbridos e espécies cultivadas, algumas delas, pelo seu valor ornamental (Hypericum calycinum L.) e florístico [H. androsaemum x H. hircinum (Hypericum x inodorum Mill.)].

O Hypericum perforatum L., conhecido como hipericão bravo, é uma planta ramosa, bonita e vistosa, em particular, durante a época da floração, Figuras 1, 2. As folhas verde-claras do hipericão possuem numerosas glândulas negras, translúcidas, semelhantes a pontuações. As flores amarelas e airosas, reunidas em cimeiras terminais, possuem estruturas idênticas que, no fim de secas, adquirem tom vermelho ferroso. A designação trivial de milfurada deve-se, justamente, ao aspecto destas glândulas, por se assemelharem a pequenos orifícios. Quanto à designação popular de erva de S. João, pela qual também é conhecida internacionalmente, existem diferentes explicações. Em Portugal, o nome poderá derivar do facto de a planta ser, normalmente, colhida por altura das festividades de S. João. Há, no entanto, quem defenda a tese de esta designação estar associada ao uso dado, no passado, à planta, no tratamento de feridas, pelos cavaleiros cruzados de S. João de Jerusalém.

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O hipericão bravo ocorre em todo o Portugal Continental e também no arquipélago dos Açores. Abundante em matos, e em terrenos cultivados ou incultos, é particularmente evidente durante a época da floração, que decorre de Maio a Outubro.

A infusão da planta seca, nomeadamente da parte vegetativa aérea e das extremidades florais, é usada, em medicina popular, como diurético2, colagogo3, hipotensor4, adstringente5, calmante6, antidepressivo7, no alívio das nevralgias8, e mialgias9, e no combate a cólicas e problemas digestivos. Para uso tópico externo, a infusão, utilizada em lavagens e em compressas, tem papel adjuvante na cicatrização de feridas.

A infusão, e bem assim o preparado resultante da decocção da planta em vinho, podem ser aplicados, sob fricção, para aliviar os sintomas das doenças reumáticas.

O óleo de hipericão, obtido por destilação das sumidades florais, é utilizado topicamente na cicatrização de feridas e queimaduras, bem como no alívio de problemas de articulações.

O hipericão é ainda consumido, para fins diversos, sob a forma de tisanas em mistura com outras plantas, nomeadamente, alfazema (Lavandula angustifolia Mill.), casca de cebola (Allium cepa L.), casca de limão [Citrus x limon (L.) Burm. f.], orégão (Origanum virens Hoffmanns. & Link), pinhas pequenas (imaturas e verdes) ou rebentos de pinheiro manso (Pinus pinea L.) e bravo (P. pinaster Aiton), poejo (Mentha pulegium L.), sargacinha [Glandora prostrata (Loisel.) D.C.Thomas10] e tasneira (Jacobaea vulgaris Gaertn.). Para o alívio de afecções cutâneas e para o tratamento de queimaduras, o hipericão é frequentemente utilizado em unguentos11 e pomadas12, em combinação com as maravilhas (Calendula officinalis L.). Com o mesmo propósito, é também recomendada a utilização da mistura de óleo de hipericão com o de alfazema (Lavandula angustifolia Mill.).

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Esta planta é muito apreciada, tanto em Portugal como noutros países, onde é utilizada, genericamente, para os mesmos fins. Para além da sua importância medicinal, há povos que a utilizam num contexto mais esotérico. Nos países nórdicos, por exemplo, durante o solstício de Verão, as plantas de hipericão são penduradas por cima das portas para afastar os espíritos malignos.

As extremidades florais do hipericão são nacional – e internacionalmente comercializadas como antidepressivo, de eficácia semelhante à do Prozac®, embora com menores efeitos secundários, tendo-lhe, por isso, valido a designação do “Prozac® do século XXI”. Desde 1984, que a sua utilização, no controlo de estados depressivos, leves a moderados, está aprovada pelas entidades reguladoras internacionais.

Existem evidências clínicas da acção benéfica do hipericão no alívio da depressão e no estímulo do bem-estar, particularmente em pacientes que toleram mal os antidepressivos clássicos. Contudo, e para evitar efeitos secundários indesejáveis, não devem ser ingeridos preparados à base de hipericão em simultâneo com antidepressivos de prescrição médica. A Farmacopeia Portuguesa referencia esta espécie para a obtenção de hipericinas, designação dada ao conjunto de substâncias responsáveis pela actividade antidepressiva. Os extractos de hipericão aumentam os níveis de serotonina13, noradrenalina14 e dopamina15. A hipericina é também extremamente tóxica para alguns vírus, mas essa toxicidade só se manifesta após activação pela luz. Mundialmente estão em curso estudos sobre a actividade destes compostos contra a hepatite C e o HIV16.

A hipericina tem acção fotosensibilizante, pelo que a sua a ingestão aumenta a absorção de luz UV e pode levar ao aparecimento de dermatites17 e/ou queimaduras por exposição prolongada ao Sol (fotodermatoses). Neste contexto, quem utiliza hipericão como antidepressivo deve evitar a sobre-exposição à luz UV. As fotodermatoses são também observadas nos animais que ingerirem o hipericão das pastagens. Há ainda evidência de que o hipericão interage com vários fármacos incluindo o anticoagulante varfarina, o glicósido cardíaco digoxina, o broncodilatador teofilina, o inibidor da protease do HIV indinavir, o imunossupressor ciclosporina e contraceptivos orais.

O Hypericum androsemum L., vulgarmente conhecido em Portugal por hipericão do Gerês, é outra espécie, igualmente muito apreciada e comercializada nas ervanárias como planta medicinal.

O óleo essencial, isolado das partes aéreas em floração, de Hypericum perforatum L., colhidas no Campo de Tiro, foi obtido com um rendimento de 0.1% (v/p.f.). O óleo, de tonalidade amarela pálida e aroma suave, mostrou-se uma mistura complexa de cerca de 80 compostos, 62 dos quais foram identificados, representando 97% do total do óleo essencial. Como componentes dominantes deste óleo essencial, destacaram-se o 2-metil octano e o germacreno D (ambos com 19%), o a-pineno (16%) e o ß-cariofileno (7%). Comparativamente com outros estudos do óleo essencial isolado desta mesma espécie, colhida em Portugal, e no mesmo estado fenológico (floração), os resultados foram qualitativa e quantitativamente muito semelhantes ao nível dos compostos dominantes.

Notas
  1. Planta endémica: Planta que só existe em determinado local, não tendo sido aí introduzida pelo Homem.
  2. Diurética: facilita a excreção urinária e, por essa via, estimula a eliminação de toxinas.
  3. Colagogo: aumenta o fluxo de bílis para o intestino.
  4. Hipotensor: diminui a tensão arterial.
  5. Adstringente: contrai os tecidos, os capilares, os orifícios e tende a diminuir as secreções das mucosas. No caso da mucosa bucal, provoca a sensação de aspereza.
  6. Calmante: abranda a dor ou a excitação nervosa.
  7. Antidepressivo: atenua o estado de depressão física e intelectual.
  8. Nevralgia: dor intensa ou aguda de uma região enervada por um nervo periférico.
  9. Mialgias: dor aguda muscular.
  10. Também conhecida pelas designações comuns de surgacinha, sugamel, ou erva-das-sete-sangrias a designação científica actualmente reconhecida é de Glandora prostrata (Loisel.) D.C.Thomas [= Lithodora prostrata (Loisel.) Griseb., Lithospermum prostratum Loisel.]
  11. Unguento: mistura pastosa à base de gorduras, ou óleos (por exemplo vaselina ou parafina), associadas a uma resina, obtida de determinadas plantas, que se destina a uso externo. Quando aplicada, forma uma camada sobre a pele, sem a penetrar.
  12. Pomada: mistura de consistência untuosa e de uso externo, constituída à base de óleos e ceras em combinação com um princípio activo, como seja, por exemplo, uma infusão ou tintura. Quando aplicada, hidrata e penetra na pele.
  13. Serotonina (ou 5-hidroxitriptamina, 5-HT): neurotransmissor (substância química transmite estímulos) do sistema nervoso central, que deve o seu nome ao facto de ter sido identificado no soro sanguíneo e afectar o tónus vascular. Controla a sensação de fome, a agressividade, a temperatura corporal, e o humor.
  14. Noradrenalina (ou norepinefrina): neurotransmissor que actua sobre diversas zonas do cérebro.
  15. Dopamina: neuromediador precursor da noradrenalina e da adrenalina (ou epinefrina), e estimulante do sistema nervoso central.
  16. HIV: sigla Inglesa para o Human Immunodeficiency Virus, i. e., Vírus da Imunodeficiência Humana responsável pela Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA).
  17. Dermatite: (ou eczema) inflamação ou irritação, não contagiosa, da pele.

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