Por: Francisco Mondragão Rodrigues e Carlos Aguiar, SPPF - Sociedade Portuguesa de Pastagens e Forragens
Origem
Originária da Europa, do Norte de África, descendo até Israel, à Síria e à Jordânia. A sua boa adaptabilidade e resistência a condições extremas permitiram a sua expansão pelas regiões temperadas da Ásia, da América do Norte e do Sul, da África do Sul, da Austrália e Nova-Zelândia.
Como distinguir no campo
O género Festuca é um dos mais complexos e difíceis da flora de Portugal. Muitas das nossas festucas são tão parecidas entre si que só se podem distinguir, com segurança, através da observação microscópica de cortes histológicos das folhas. A Festuca arundinacea, felizmente, escapa à regra.
Corpo vegetativo
Como muitas outras gramíneas indígenas de Portugal, a F. arundinacea é uma planta herbácea, perene, de folhas sésseis (com bainha e limbo, sem pecíolo), alternas (uma por nó), dispostas no mesmo plano (para a esquerda e para a direita). As lígulas (pequenas excrescências translúcidas situadas no encontro do limbo com pecíolo) são curtas (até 1,5 cm). Os caules não engrossam na base e podem atingir 1,5 m ou mais. A F. arundinacea produz rizomas curtos que, ainda assim, conseguem perfurar as bainhas para dar origem a novas plantas. Diz-se, por isso, que a F. arundinacea tem inovações extravaginais. Algumas populações do noroeste do país têm rizomas invulgarmente longos para a espécie e, por isso, um enorme interesse para melhoramento. As inovações acumulam-se em torno dos caules mais velhos, formando densos tufos, sobretudo sob o efeito de um pastoreio intenso (foto 1).
A combinação de três características morfológicas permite discriminar no campo e no estado vegetativo a F. arundinacea das restantes Festuca portuguesas. No encontro do limbo com a bainha distinguem-se pequenas aurículas (expansões laterais que abraçam o caule) com pequenos pelos na margem (foto 2). As folhas são planas, erguidas e excecionalmente largas com 3-12 mm de largura.
Flores e inflorescência
A inflorescência elementar das gramíneas chama-se espigueta. Cada espigueta é inferiormente delimitada por duas glumas: a gluma inferior e a gluma superior. As espiguetas podem ter uma a muitas flores. Cada flor, por sua vez, é envolvida por duas, raramente uma glumela: a glumela inferior ou lema, e a glumela superior ou pálea. As espiguetas das festucas são multifloras. Na F. arundinacea têm mais de 1 cm, 4-5 flores e as glumas desiguais. As glumelas são debruadas por uma cor avermelhada característica e rematadas por uma pequena arista (foto 3). Nesta espécie as espiguetas surgem organizadas em panículas abertas.
Variabilidade
O Prof. João do Amaral Franco, no III volume da Nova Flora de Portugal, reconheceu três subespécies de F. arundinacea em Portugal continental: a subsp. arundinacea, a subsp. fenas e a subsp. atlantigena (sob o nome subsp. mediterranica1). Os autores mais recentes preferem tratá-las ao nível da espécie. A F. fenas e a F. atlantigena distinguem-se da F. arundinacea por terem espiguetas de comprimento inferior a 1 cm e um distinto número de cromossomas (a subsp. arundinacea é hexaplóide). Esta ficha versa apenas a subsp. arundinacea.
A F. arundinacea confunde-se facilmente com a F. pratensis (festuca-dos-prados), uma espécie abundantíssima nos prados centro-europeus, pontual no norte de Espanha, usada no nosso país em relvados. A F. pratensis, ao contrário da F. arundinacea, não tem pelos nas aurículas e os ramos inseridos nos dois nós inferiores da panícula são desiguais, tendo o mais curto apenas 1-2 espiguetas (são semelhantes e com 3-4 espiguetas na F. arundinacea). O híbrido F. arundinacea x Lolium perenne (x Festulolium olmbergii) tem uso comercial.
Ecologia
Esta espécie, pelas suas características morfológicas e fisiológicas, tem uma grande capacidade de adaptação às situações mais variadas de climas e o mesmo se verifica em relação à textura e fertilidade dos solos, o que explica a sua existência nas bermas dos caminhos e estradas e em solos degradados.
Requer valores de precipitação de pelo menos 500 mm, e por isso, em Portugal, encontra-se maioritariamente nas regiões a norte da cordilheira central, com exceção das regiões acima dos 1000 m de altitude. De facto, surge com frequência nos lameiros mais férteis e nos aluviões ribeirinhos de textura fina do norte do país. Prefere solos de textura média a fina e os moderadamente ácidos a alcalinos (pH entre 5,8 e 6,5, de preferência). Nos solos ácidos mostra sensibilidade ao alumínio, pelo que devem ser evitados. Apresenta muito boa tolerância a condições de climas extremos, resistindo bem à secura e ao frio, provavelmente devido ao seu sistema radical profundo e denso. Para além de suportar largos períodos de encharcamento do solo, também vegeta razoavelmente em solos moderadamente salinos. Suporta melhor o ensombramento (do estrato arbóreo) que o azevém-perene (Lolium perenne), bem como as grandes variações de humidade no solo ao longo do ano e verões secos com grande défice hídrico no solo (em particular as cultivares do grupo “mediterrânico” que entram em dormência estival). Esta espécie tanto aguenta o corte (para feno ou silagem) como o pastoreio, evidenciando, nalgumas variedades, uma grande resistência ao pisoteio.
Implantação e maneio
A implantação da festuca-alta, extreme ou em misturas, deve ser feita no período de Outono-Inverno, sobre uma cama de sementeira muito bem preparada. Devido à reduzida dimensão (mais de 400.000 sementes por kg) deve-se evitar enterrar as sementes a mais de 1 cm de profundidade, sendo recomendável efetuar uma rolagem para aconchegar bem a terra às sementes, e assim facilitar a germinação e a emergência. Geralmente é semeada em misturas com outras gramíneas e leguminosas, à razão de 2 a 5 kg/ha. Consocia-se com sucesso com Dactylis, trevos e luzerna. Quando semeada estreme a quantidade de semente a usar pode alcançar os 10-20 kg/ha. A Festuca arundinacea evidencia algumas dificuldades no estabelecimento da pastagem, com crescimentos iniciais mais reduzidos que os do azevém perene ou da Phalaris, sendo muito mais afetada do que estas duas espécies pelas sementeiras tardias, em particular se as temperaturas já forem baixas. Frequentemente, só ganha dominância no segundo ano.
O maneio da pastagem com festuca-alta deve ter em consideração o crescimento inicial mais lento desta gramínea, pelo que se recomenda atrasar o pastoreio até que o sistema radicular esteja bem desenvolvido, para evitar que as plantas possam ser arrancadas pelos animais. Aconselha-se um pastoreio rotacional com alguma intensidade de modo a manter a festuca em fase de “crescimento ativo”, que permite maximizar o crescimento, o afilhamento e a qualidade da biomassa. Também tolera o pastoreio contínuo, desde que os encabeçamentos sejam mais reduzidos. Responde muito bem à fertilização azotada (recomendada quando se efetuam cortes em verde ou para feno) e ao regadio. Constatou-se que o seu crescimento arranca mais rapidamente após as primeiras chuvas outonais, é mais estável, e prolonga-se até mais tarde em condições de ensombramento do que a maioria das gramíneas pratenses. Em pastagens de regadio mantém um crescimento ativo durante todo o ano. A Festuca arundinacea tem ainda a particularidade invulgar de continuar a afilhar durante a floração. Porém, é menos palatável e produz uma forragem de menor qualidade do que as restantes gramíneas semeadas em Portugal. Tem a tendência para formar tufos com folhas secas que podem obrigar a cortes de limpeza periódicos em sistemas pouco intensivos de pastoreio. Acumula grandes quantidades de folhas secas rejeitadas pelos animais nos anos de muita geada ou de verões muito secos. O corte limpa o pasto mas há que ter algum cuidado no outono para não deixar as plantas enfraquecidas, sem reservas.
Possibilidades de uso
A festuca-alta é geralmente usada em misturas com outras gramíneas e leguminosas em pastagens permanentes, ou exclusivamente com outras gramíneas em relvados lúdicos e desportivos, sendo especialmente indicada para campos de golfe (em que a altura de corte seja superior a 2,5 cm) e relvados domésticos ou de parques urbanos. Esta espécie pode ser usada para pastoreio direto, corte em verde, produção de feno, feno-silagem ou silagem. O primeiro corte ou pastoreio só deve ser feito quando as plantas alcançarem os 5-10 cm. As pastagens que incluem a festuca-alta são apropriadas para todas as espécies pecuárias, recomendando-se o uso de variedades livres de endófito (Acremonium coenophialum) e resistentes ao “brown patch” (Rhizoctonia solani). Proporciona uma biomassa de boa qualidade, com teores de proteína de 14 a 15% (na MS) continuando a crescer durante o pastoreio, desde que as condições de humidade e temperaturas sejam as adequadas. Ao crescer bem em condições de ensombramento, como o panasco, apresenta boas produções em pastagens sob coberto, frequentes em muitas regiões de Portugal.
Variedades comerciais
As variedades de festuca-alta podem ser agrupadas em 2 tipos de variedades com padrões de crescimento sazonais diferentes: um que se designa de “tipo temperado” e que agrupa as variedades com dormência invernal, muito resistentes ao frio (melhor que o panasco ou a Phalaris) e que apresentam crescimentos vigorosos na primavera, no verão (em regadio) e no outono, após as primeiras chuvas; outro, designado por “tipo mediterrânico”, com variedades cujas plantas apresentam importante crescimento Outono-Invernal e são muito resistentes à secura, evidenciando forte dormência estival. Existem numerosas variedades comerciais à venda em Portugal, maioritariamente indicadas para campos de golfe ou para relvados lúdicos (‘Merlin Gold’, ‘Rhizing Star’, ‘Inferno’, ‘Appian’, entre muitas outras), destacando-se pela folha fina e a forte resistência ao pisoteio. Apesar de no Catálogo Comum de Variedades de Espécies Agrícolas estarem inscritas 257 variedades de festuca-alta, em Portugal apenas existem duas variedades de festuca-alta inscritas no Catálogo Nacional de Variedades: a ’Demeter’ e a ‘Ariel’. A ‘Demeter’ é uma variedade muito adequada para o estabelecimento de pastagens permanentes, devido à sua larga persistência (5 a 6 anos), apresentando boa rusticidade, com uma grande capacidade de adaptação a diversos tipos de solos, mesmo os sujeitos a encharcamento durante uma parte do ano, sendo além disso mais tolerante à secura que outras variedades de festuca-alta, e dando uma produção forrageira muito elevada na primavera e em verões chuvosos (Norte de Portugal) ou em prados de regadio. Como resultado do programa de melhoramento de gramíneas forrageiras que está a decorrer no INIA-Elvas, foi inscrita, em 2012, no Catálogo Nacional de Variedades a variedade ‘Ariel’. É uma variedade bem adaptada às condições edafoclimáticas da região mediterrânica, tem boa capacidade de regeneração após pastoreio, com elevada produção de biomassa, traduzida numa elevada eficiência do uso da água. É uma variedade que apresenta boa sobrevivência estival e elevada persistência ao longo dos anos, sendo adequada para integrar pastagens temporárias e permanentes, quer em sequeiro quer em regadio, tal como as variedades ’Fawn‘ e ’Kora‘, comercializadas em Portugal e que também se caracterizam por elevadas produções de biomassa, grande resistência à secura e boa palatabilidade.
1 A verdadeira F. arundinacea subsp. mediterranica chama-se agora F. pauneroi e provavelmente ocorrerá no Algarve. A presença da F. atlantigena no nosso país é duvidosa.