Estado e Sociedade Civil na definição de uma Estratégia Agroalimentar

Ramalho Eanes

A importância futura do setor agroalimentar ganha indiscutível evidência quando se atenta a que o prolongamento das curvas de crescimento demográfico deixa augurar 9 biliões de seres humanos em 2050.

A sua importância presente na vida das pessoas é conhecida e, para alguns povos, virtuosamente reconhecida. Exemplo disso nos dá a França no relatório "A França do Ano 2000", encomendado em 1994 pelo primeiro-ministro Édouard Balladur a um grupo de peritos dirigido por Alain Minc com o propósito de permitir uma reforma deliberada do sistema produtivo, evitando, assim, as onerosas «reformas por fatalidade».

Naquele relatório, e reportando-se à situação em 1993 (em que a balança comercial teve um excedente de 91 milhões de francos), se afirma que o sucesso alcançado se deve ao investimento, ao saldo dos produtos industriais, à redução da dependência energética e, destaco, à manutenção de um elevado nível de excedente agroalimentar.

Poderíamos prescindir deste exemplo se atendêssemos apenas à nossa História. Todos sabemos como a expansão marítima teve na vertente agroalimentar (na carência de trigo sobretudo) uma das suas várias razões. Na verdade, foi ela que nos levou ao ciclo imperial, procurando os créditos necessários ao pagamento externo dos produtos de que necessitávamos.

Aliás, a preocupação política com o império cedo nos levou a descurar a colonização interna e, assim, potenciar as nossas carências, nomeadamente agroalimentares.

Terminado o ciclo imperial impunha-se, como disse Mouzinho da Silveira, “realizar no trabalho [aqui] os meios de vida que [Portugal] tinha nas colónias”. Implicava tal que reflexão fizéssemos sobre onde estávamos e porquê, aquilo com que podíamos contar e nos poderíamos confrontar e, assim, desenharmos, discutirmos e consensualizarmos um novo projeto coletivo, uma nova estratégia para o País.

Tal não aconteceu. Recorrentemente não cuidámos de estabelecer uma subestratégia para o setor agroalimentar. A nossa entrada na CEE, seguramente indispensável para o futuro do País, contribuiu para mais vulnerabilizar e fragilizar o setor.

Finalmente, a crise, que tantas vezes nos batera à porta, sem atendermos, derrubaria dramaticamente a porta em 2007/8. Fomos, então, obrigados a olhar desnudadamente a crise do nosso sistema produtivo e, nela, a da balança agroalimentar.

Passa-se a atender à vida campesina com outro olhar. Acelera-se a modernização do setor que, apesar de tudo, já vinha ocorrendo devido a iniciativas privadas. O Estado é, então, pressionado a fazer as chamadas reformas por fatalidade.

Não disponho de informação suficiente, mas, tanto quanto me foi dado saber, não foi ainda estabelecida uma estratégia para aproveitamento racional e completo do setor. Para tal, necessário seria, entre outras, mesmo para um não especialista como eu:

- Estimular os grandes empreendedores agrícolas com desfiscalizações parciais.

- Fornecer terras com dimensão económica suficiente, a baixo preço ou em regime de “enfiteuse” por períodos longos, a jovens agricultores.

- Construir nos terrenos de sequeiro pequenas barragens de terra para propiciar áreas de regadio, de beberagem na época estival, para pequenas explorações de aquacultura, maior eficácia no combate a incêndios, aproveitamento hidroelétrico sazonal e aumentar as vias rurais.

- Financiar, com amortização a longo prazo e taxas bonificadas, a construção de habitações de turismo rural, instalações agropecuárias e equipamentos de energia renovável.

- Desfiscalizar as explorações que utilizassem técnicas agrícolas ecologicamente suficientes, procedessem ao reordenamento/ florestação e/ou utilizassem energias renováveis.

- Promover, com estímulos adequados, a interação sistemática entre universidades e jovens agricultores (com controlo dos resultados pelo Ministério da Agricultura).

- Promover condições de distribuição direta do produtor aos consumidores através de mercados municipais com equipamentos de frio, com taxas atrativas.

- Promover, através dos empreendedores agroalimentares, o turismo rural.

- Criar cooperativas agrícolas de equipamentos especiais a utilizar pelos agricultores.

- Promover o desenvolvimento agroflorestal e a criação extensiva de pequenos ruminantes e de aves de espécies cinegéticas, aumentando a produção de carne, leite e produtos derivados, reduzindo o risco de grandes incêndios através da pastorícia.

Interessante e social e economicamente proveitosa poderia ser a apetência da juventude, mesmo com formação universitária, pelo setor agropecuário. Impõe-se bem esclarecê-la para a comercialização da sua produção, para evitar frustrações, insucessos e perdas financeiras.

Na reforma do setor agroalimentar, de tanta importância para a soberania alimentar do País, papel de relevo cabe à sociedade civil. À revista AGROTEC, órgão da sociedade civil, papel importante cabe nessa indispensável quão inadiável ação de informação, mobilização e diálogo responsável e exigente da sociedade civil campesina com o poder político, universidades, e experiências de sucesso, nacionais e europeias.

In AGROTEC nº 9

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