Entrevista a Ricardo Braga

Por: Margarida Matos

Ricardo Braga, professor adjunto da Escola Superior Agrária de Elvas, do Instituto Politécnico de Portalegre, é um dos principais especialistas do país em agricultura de precisão. O também investigador vê na adoção de sistemas de agricultura de precisão a agricultura do futuro, ao permitir ao agricultor utilizar novas fontes de informação, como é o caso das cartas de produtividade ou cartas NDVI (Normalized Difference Vegetation Index) que o ajudem na tomada de decisões. Através destas cartas NDVI, um produtor vinícola pode, por exemplo, ter uma ideia mais concreta dos controlos de maturação, da seleção de lotes premium em vindima segmentada e das estimativas de produção, orientando, assim, o seu trabalho em função desses dados. “No limite, evita que se percam lotes de uva de elevado potencial ao serem vinificadas com as restantes uvas”, garante Ricardo Braga. Contudo, o docente reconhece que ainda são escassos os agricultores que optam por este tipo de agricultura nas suas explorações. E defende: “é preciso mais investigação e desenvolvimento, mais formação, mais divulgação e mais prestadores de serviços”.

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Agrotec (AG): Em que consiste a agricultura de precisão (AP)? E quais as vantagens?
Ricardo Braga (RB): Na própria definição de AP que costumo dar: "gestão da variabilidade temporal e espacial das parcelas com o objetivo de melhorar o rendimento económico da atividade agrícola, quer pelo aumento da produtividade e/ou qualidade, quer pela redução dos custos de produção, reduzindo também o seu impacto ambiental e risco associado", estão incluídas algumas das vantagens da agricultura de precisão.
A AP permite otimizar a gestão das parcelas agrícolas indo ao detalhe e tentado resolver problemas localizados que acabam por ter impacto na performance global da parcela. As aplicações são diversas, realçando em cada caso umas vantagens em relação a outras.
É o caso da aplicação diferenciada de azoto onde se pode estar simultaneamente a poupar adubo e a evitar aplicações em excesso em zonas em que as necessidades não sejam tão elevadas, reduzindo o impacto ambiental. Idêntica lógica existe na aplicação diferenciada de produtos fitossanitários em função da dimensão da copa por exemplo.
Noutros casos, como na vindima segmentada, não se poupa em fatores de produção mas otimiza-se a qualidade do produto final. É importante referir que a AP nem sempre é sinónimo de utilização de tecnologia. Há aplicações, como a referida vindima segmentada, que pode ser implementada sem qualquer upgrade tecnológico na exploração.

AG: Quais as principais alterações que a AP introduz nas explorações agrícolas?
RB: A principal alteração que a AP introduz na gestão dos sistemas agrícolas é a integração de novas fontes de informação no processo de tomada de decisão, como por exemplo, as cartas de produtividade e cartas NDVI No entanto, é certo que muitas aplicações (aplicação diferenciada de nutrientes ou rega) não se podem concretizar sem o recurso à tecnologia, como é o caso, da tecnologia de taxa variável.
Finalmente, é também importante esclarecer que a AP é um processo contínuo e interativo de controlo e atuação no sentido de uma melhoria contínua do processo produtivo. Numa primeira fase, é necessário algum investimento na avaliação da variabilidade espacial da cultura, para depois, em função da magnitude, organização espacial e causa da variabilidade espacial, se quantificar os potenciais ganhos económicos com a atuação diferenciada, isto, numa segunda fase. A gestão diferenciada é tanto mais rentável quanto maior e mais organizada for a variabilidade espacial da cultura. Há também que considerar, como em qualquer análise económica, o efeito do custo do fator de produção versus o valor do produto obtido.

AG: Pode dar-nos exemplos concretos das vantagens da AP?
RB: O primeiro exemplo são as cartas NDVI para segmentação da vindima: O preço de uma carta destas ronda os 40 euros (€) por hectare (ha). Supondo que se torna possível criar um segmento premium em 10% da área, o que permite uma valorização adicional de €4/garrafa e que se produzem 6500 garrafas/ha, o ganho é: 6500 x 10% x €4 = €2600/ha num ano. Admitindo que a carta se mantem válida por dois anos, o ganho é de €5200/ha.
A condução assistida por GPS para aplicação de adubo a lanço é o segundo caso. Com um custo de aquisição do equipamento de €2000 (a amortizar em 5 anos) e com redução de falhas de 5% (área sem aplicação), na aplicação de produtos fitofármacos que custe €100/ha/ano torna-se possível pagar o investimento em (€2000/5 anos) / (€100/há/ano x 5%) = 80 ha (é a dimensão mínima para amortizar o investimento em 5 anos)

AG: O que está a ser feito em Portugal no âmbito da agricultura de precisão?
RB: Existem já alguns empresários a tirar partido de algumas tecnologias associadas à AP como por exemplo a condução assistida por GPS, mediante barra de luzes. É uma tecnologia que permite melhorar a eficiência e eficácia na aplicação de adubos e semente a lanço. Outras tecnologias apresentam taxas de adoção mais baixas como é o caso da monitorização da produtividade e aplicação diferenciada de fatores. No âmbito da viticultura de precisão, área em que a adoção tem sido mais interessante por se tratar de uma cultura com maior margem e por o aspeto qualitativo do produto final ser decisivo, a utilização de cartas NDVI tem crescido nos últimos anos.
Na perspetiva da investigação e desenvolvimento, existem pelo menos já 2 ou 3 grupos a trabalhar há alguns anos na área dos cereais, pastagens, viticultura e olival.
Existem também diversas empresas prestadoras de serviços e equipamentos para a AP.

AG: E o que é ainda preciso fazer?
RB: Muito ainda está por fazer para aumentar a adoção da AP. Diversos aspetos têm de ser melhorados, nomeadamente a facilidade de utilização e integração das tecnologias nas operações das explorações agrícolas, a formação dos jovens licenciados e de operadores aptos a tirar partido da tecnologia existente, assim como o número de prestadores de serviços especializados. Além disso, há que melhorar a divulgação do conceito, tecnologias e benefícios, quer pelos meios de comunicação comuns, quer pelo maior investimento de alguns fabricantes que já dispõem na sua linha de equipamentos para a AP.
Em suma, é preciso mais investigação e desenvolvimento, mais formação, mais divulgação e mais prestadores de serviços.

AG: Tem focado o seu estudo na viticultura de precisão. É possível recolher informações sobre a produtividade e os nutrientes do solo, mas será que esses dados permitem já tomadas de decisão efetivas? Isto é, estamos ainda num domínio experimental ou já é uma realidade?
RB: No caso concreto da viticultura estamos claramente já no domínio da realidade. Há já uma série de empresas a utilizar, por exemplo, cartas de NDVI. As cartas de NDVI caracterizam a variabilidade espacial do estado vegetativo das plantas. O NDVI é um índice de vegetação obtido por sensores que sobrevoam por avião as parcelas e que obtêm dados de reflectância das plantas nos comprimentos de onda do visível e do infravermelho. Depois de eliminado o efeito da entrelinha, que mascara o comportamento da planta, é possível obter para cada planta um valor de NDVI variável entre 0 e 1, em que quanto mais elevado for, maior será o conforto vegetativa dessa planta. Desta forma, quando vemos o padrão de variação espacial nas cartas NDVI conseguimos rapidamente perceber onde se encontram as plantas com maior ou menor grau de stress, seja ele hídrico, nutritivo, ou outro. Após validações no terreno, sempre muito importantes, as cartas NDVI são um auxílio importante em decisões tão críticas como os controlos de maturação, a seleção de lotes premium em vindima segmentada, estimativas de produção, controlo do vigor, gestão da rega, controlo de produção por monda de cachos…
Em suma, o viticultor ou enólogo em posse desta informação vai poder suportar melhor as suas decisões conseguindo ser mais eficiente e eficaz no cumprimento dos seus objetivos. Sem a posse destas cartas, torna-se muito difícil, mesmo conhecendo bem as vinhas, a perceção das pequenas variações uma vez que o índice de vegetação utiliza uma parte do espectro de radiação invisível ao olho humano. É um instrumento de trabalho fundamental em muitas explorações.

AG: Fez um estudo sobre vindima segmentada numa herdade no Alentejo, em 2006. Quais as principais conclusões a que chegou e quais os resultados que mais o surpreenderam?
RB: Sim, esse foi um estudo iniciático num projeto financiado pela Fundação Ciência e Tecnologia, o projeto WINEMAP. Este estudo permitiu concluir que existe uma variabilidade espacial muito significativa quer em termos de produtividade de uva, desde 1 tonelada a 12 por hectare, quer em termos de qualidade dos mostos. Dentro de talhões com 12 ha da casta Touriga Nacional, por exemplo, é possível encontrar, sobretudo, fruto de variações das condições hídricas, zonas com curvas de maturação completamente distintas. Nas zonas com solos mais profundos e de textura mais argilosa, a maturação em termos de evolução da acidez, pH e Brix é bastante mais atrasada do que em zonas com solos mais delgados e de textura mais arenosa. Nestes últimos, os níveis de stress hídrico são mais elevados (por vezes exageradíssimos não se conseguindo nem qualidade nem quantidade) e ocorrem mais cedo na campanha. Em resultado desta variabilidade, sendo a rega conduzida de forma homogénea, o enólogo ao fazer o controlo de maturação vai encontrar situações completamente distintas. Contudo, como trabalha para a média, terá de encontrar a melhor solução de compromisso.

AG: Então podemos concluir que a viticultura de precisão é, sem dúvida, uma mais-valia?
RB: A viticultura de precisão permite não só corrigir alguma da variabilidade espacial, tornando a parcela mais homogénea em produção e em qualidade, como também, nos casos em que se torna tecnicamente e/ou economicamente inviável reduzir a heterogeneidade, tirar partido da própria variabilidade e, consoante o tipo de vinho a produzir, vindimar as uvas separadamente no processo de vindima segmentada. Verificámos no estudo que vinhos resultantes de zonas marcadamente diferentes, dentro do mesmo talhão e casta, com base no NDVI, resultam em vinhos com perfil qualitativo diferenciado. Esta diferenciação em sub-lotes é uma vantagem comparativa assinalável para as empresas vitivinícolas que querem produzir vinhos em toda a gama de variação qualitativa. No limite, evita que se percam lotes de uva de elevado potencial ao serem vinificadas com as restantes uvas.

AG: Existem dados sobre o número de agricultores portugueses que utilizam esta tecnologia nas suas propriedades?
RB: A adoção de sistemas de agricultura de precisão por parte dos empresários agrícolas em Portugal é, na generalidade, ainda escassa. No entanto, verifica-se uma variação da adoção em função da aplicação em causa. No que toca a ceifeiras-debulhadores equipadas com monitor de produtividade, devem existir cerca de uma dezena em funcionamento, incluindo prestadores de serviços. Quanto a aplicações VRT (tecnologia de taxa variável), julgamos não existir qualquer utilização comercial até ao momento, apesar de haver pelo menos um prestador a oferecer essa possibilidade para adubos e sementes.
A viticultura de precisão, e especificamente a segmentação da vindima com recurso a cartas de NDVI, tem sido uma das aplicações mais adotadas, nomeadamente por cerca de 20 empresários ao longo dos últimos 10 anos. Alguns daqueles obtiveram também cartas de condutividade elétrica do solo com o intuito de caracterizar melhor os micro-terroirs da exploração e melhorar a tomada de decisão quanto a setores de rega e porta-enxertos.
A aplicação de agricultura de precisão com mais elevada taxa de adoção é a condução assistida por GPS (lightbar ou barra de luzes) em que se estima que existam em utilização no país, sobretudo no Alentejo, cerca de três centenas destes sistemas em funcionamento. Já os sistemas de condução automática não foram praticamente adotados pelos empresários agrícolas portugueses embora possuam vantagens óbvias.

AG: O preço dos equipamentos e o pouco conhecimento destas tecnologias são os únicos fatores que expliquem que a agricultura de precisão não esteja mais implementada no país?
RB: Num estudo recente realizado no âmbito de uma tese de mestrado na Escola Superior Agrária de Elvas sobre a adoção da AP no perímetro de rega do rio Caia, e em resultado de um inquérito levado a cabo entre os agricultores-líder, as razões apresentadas para a reduzida adoção foram: falta de preparação dos operadores de equipamentos no campo (75%); falta de informação sobre as tecnologias e benefícios (63%); falta de apoio técnico (50%); alto custo dos equipamentos (50%).
Estes resultados reforçam o que foi dito anteriormente sobre o que é preciso fazer para aumentar a adoção: mais investigação e desenvolvimento, mais formação, mais divulgação e mais prestadores de serviços. Quanto ao alto custo dos equipamentos e serviços, sabemos que, à partida, quanto maior for a adoção mais baratos ficarão. No entanto, não podemos esquecer que os primeiros adotantes são os que, em regra, beneficiam de maior vantagem comparativa.

AG: Que conselhos pode dar a quem queira optar pela agricultura de precisão? Existe algum organismo que disponibilize acompanhamento técnico aos agricultores sobre esta tecnologia?
RB: Começaria por distinguir entre aplicações como a condução assistida ou automática por GPS das restantes aplicações de gestão da variabilidade espacial das culturas. A condução assistida por GPS permite um controlo eficaz das passagens paralelas do trator garantindo a largura de trabalho especificada. Isso traz ganhos garantidos por redução de área não aplicada em distribuições a lanço: sementeiras em pastagens e arvenses, adubações de fundo e de cobertura numa série de culturas. O custo do equipamento é cada vez menor, e existindo diversas opções no mercado, o conselho a dar é experimentar modelos e fazer as contas.

Para a gestão da variabilidade espacial das culturas o processo de aplicação é menos linear. Como disse, AP é um processo contínuo e iteractivo de controlo e atuação no sentido de melhoria do processo produtivo. É especialmente indicada para explorações com um elevado nível de gestão e em que a maioria dos restantes aspetos da exploração (rega, tratamentos, mecanização…) estão otimizados. Neste contexto, a AP surge como um passo acima na afinação do sistema de produção pela otimização da variabilidade espacial das culturas. Nestas situações, o processo de adoção deve seguir um conjunto de fases:
Fase 1 - Avaliação da variabilidade espacial da cultura – Esta fase implica a obtenção de uma carta de produtividade no caso de culturas arvenses ou de uma carta de NDVI no caso da vinha, olival, fruticultura ou pastagens. Nalguns casos um ano de cartas de produtividade pode revelar-se insuficiente.
Fase 2 – Em função da magnitude, organização espacial e causa da variabilidade espacial quantificar os potenciais ganhos económicos com a actuação diferenciada. Esta fase obriga a ir ao campo validar as cartas obtidas e diagnosticar a causa da variabilidade encontrada.
Fase 3 – Actuação diferenciada desde a fertilização, à sementeira, à rega, à poda, à vindima, etc. em função da causa da variabilidade espacial. No caso da aplicação de factores de produção (adubo, semente, fitofármacos, etc ) a actuação diferenciada implica a aplicação da tecnologia de taxa variável VRT. A actuação diferenciada pode simplesmente tirar partido variabilidade espacial em colheita segmentada. Existem casos em que as causas da variabilidade são pontuais e se resolvem com uma única actuação como no caso de problemas de drenagem ou de avaria/entupimento de aspersores em pivot ou gotejadores em rega localizada.
Fase 4 – Retorno à fase de avaliação da variabilidade espacial no sentido verificar o impacto das medidas adoptadas na Fase 3. Reinício de um ciclo que pode significar manutenção ou alteração da estratégia de actuação.
Este processo é bastante intenso em conhecimento agronómico e nalguns casos exigente em maquinaria (monitores de produtividade, controladores VRT, etc) mas para o quais já existem alguns prestadores de serviço com know-how disponíveis no mercado.

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