Entrevista a David Bryla: Mirtilicultura – Investigação na base do sucesso

Por: Bernardo Madeira e João Campos

São cada vez mais os pormenores que fazem a diferença na produção de pequenos frutos, particularmente na área do mirtilo. À margem da Feira do Mirtilo, a PEQUENOS FRUTOS entrevistou David Bryla, investigador norte-americano do estado de Oregon, que nos deixou algumas dicas e recomendações.

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PEQUENOS FRUTOS (PF): Esteve vários dias em Portugal. O que achou da dinâmica que se tem gerado em torno da cultura do mirtilo?
David Bryla (DB): Já tinha estado em Portugal, e comparativamente com 2004, notei um grande crescimento e interesse pela área. Na altura, o mirtilo era praticamente desconhecido e as plantações eram quase inexistentes, ao contrário de hoje.

PF: Certamente visitou algumas explorações. Quais foram os maiores problemas com que se deparou?
DB: Visitei duas explorações, uma recente e uma mais antiga, e fiquei com uma impressão positiva de ambas. Na mais antiga, as plantas estavam em relativo bom estado, contudo verifiquei alguns problemas, nomeadamente na fertilização e na poda. A exploração mais recente que visitei consiste num hectare plantado este ano, onde são usadas técnicas mais modernas. Nesta, são usados camalhões, telas de solo1, e gotejadores. Aqui denotei também alguns problemas: os camalhões eram relativamente pequenos. Reparei também que os gotejadores são colocados por cima da tela, quando deviam ser colocados por baixo da mesma.

PF: A produção em Portugal é feita em áreas muito pequenas, cerca de 1 ou 2 hectares, e recorrendo a mão de obra familiar. Como é a produção nos Estados Unidos?
DB: Nos EUA, a maior parte dos campos são de média/grande dimensão, com áreas entre os 10 e os 15 hectares. Em cerca de 85% destes campos, são utilizadas máquinas para apanhar os mirtilos.

PF: Em Portugal há quem defenda a não utilização de máquinas na apanha do mirtilo, pois supostamente estas danificam a fruta. É verdade?
DB: Penso que não. É apenas necessário ter especial cuidado no processo de pós-colheita. A fruta deve ser cuidadosamente selecionada e classificada. Primeiramente é alvo de uma triagem por cor, depois por consistência.
Depois disto, segue para uma linha de seleção onde é feita uma última triagem (humana), antes do embalamento. Resumindo, a qualidade do produto final é tão boa como se fosse apanhada à mão. O uso de máquinas é bastante vantajoso, pois em apenas uma hora, a máquina consegue apanhar fruta em 1,2 hectares e são apenas necessárias duas pessoas para a dirigir. Para facilitar a passagem das máquinas, amarramos os ramos.

PF: Qual o custo de uma máquina para a apanha de mirtilo?
DB: Cerca de 110.000€.

PF: A cultura do mirtilo está em grande crescimento em Portugal. Qual a situação a nível mundial?
DB: Depende muito dos países. Penso que o essencial é não saturar os mercados consumidores. Cada país deve sinalizar um mercado consumidor e fixar-se nele. Apesar desta “febre”, penso que há ainda muito espaço para desenvolvimento de novos sistemas e técnicas que tornem a produção de mirtilo mais rentável.

PF: Provém de um estado americano conhecido pelos seus records de produtividade da cultura. Quais os valores de produção por hectare?
DB: Não sei dizer valores precisos, mas posso adiantar que a maioria dos produtores atinge cerca de 22,5 toneladas por hectare. Os valores oscilam, mas rondam o número que referi.

PF: Lemos que não é incomum atingir as 40 toneladas/hectare. É verdade?
DB: Por vezes, os produtores exageram um pouco mas na Califórnia acredito que se tenham já atingido valores próximos às 40 toneladas/hectare.

PF: Qual o segredo para tal produtividade?
DB: No Oregon temos excelentes condições para a produção de mirtilos. As primaveras não são demasiadamente chuvosas, a maioria dos solos são ácidos e os verões são secos mas não demasiado secos, o que permite que as plantas cresçam de forma saudável e realizem a fotossíntese com facilidade. A isto junta-se a presença de muitos e bons investigadores, que contribuem para o melhoramento das produções. Há muito investimento público que faz com que o avanço tecnológico traga resultados práticos.

PF: Um dos vossos princípios é a aplicação de fertilizante apenas quando e onde necessário. Quer desenvolver um pouco essa ideia?
DB: Aplicamos uma regra que consideramos essencial, a dos 4R’s:  right source, right rate, right time e right place. Isto significa que temos sempre estes quatro parâmetros em especial atenção: origem, quantidade, tempo e lugar - devem ser alvo especial atenção.
A escolha dos nutrientes é essencial, consoante o pH do solo. Se o pH do solo for superior a 5.5, recomendamos o uso de sulfato de amónio, (NH4)2SO4, para que este baixe, e se o pH for inferior a 5, recomendamos a utilização de ureia, pois também baixa o pH mas de forma menos acentuada.
Uma vez que os solos portugueses são geralmente pobres em fósforo, recomendo a aplicação deste nutriente na plantação.
A quantidade de fertilizante a usar também é determinante, e varia consoante as características da produção. A época de aplicação é algo que ainda estamos a investigar, mas já sabemos que o azoto é absorvido na primavera e no início do verão; à medida que o fruto amadurece a planta tende a absorver muito menos azoto.
Por fim, o local é um também um parâmetro decisivo. As linhas dos gotejadores (onde segue o fertilizante) devem ser posicionadas próximas da planta (…)

PF: E quanto à aplicação de cálcio? Recomenda?
DB: Geralmente, a presença de cálcio não é um fator associado ao aumento de produção já que a planta adapta-se bem à falta de cálcio. Na generalidade dos casos, consideramos mais importante a aplicação de azoto, fósforo e boro. Em Portugal esta aplicação faz todo o sentido pois os solos portugueses são pobres em fósforo e o boro é facilmente diluído/removido em chuvadas (acontecimento frequente no vosso país).

PF: As produções em modo de agricultura biológica não podem usar azoto sintético. Como se procede nesse tipo de casos?
DB: Por vezes usamos emulsão de peixe2 líquida e farinha de penas granulada. Ambos resultam bastante bem. Ainda assim, é necessário ter em atenção que estes fertilizantes biológicos possuem diferentes quantidades de nutrientes, o que poderá ser um problema a longo prazo.
A farinha de penas deve ser aplicada relativamente cedo, pois como é um granulado precisa de tempo para se decompor, enquanto que a emulsão de peixe tem um efeito quase imediato (esta pode ser injetada através da rega).

PF: Apesar da maior parte das plantações dos EUA ser regada por aspersão, em Portugal (quase) todos os produtores utilizam gotejadores. Qual a estratégia correta?
DB: Pode dizer-se que ambas as técnicas são viáveis, mas talvez a rega gota a gota seja a técnica mais aconselhável. Se um produtor optar por gotejadores e utilizar duas linhas por fila pode atingir os mesmos fins que atingia se usasse aspersores.
Não obstante, pode dar-se o caso de a raiz da planta apodrecer (problema resolúvel através da aplicação de um fungicida). Se o produtor utilizar aspersores não terá esse problema, mas se utilizar gotejadores já o terá. Depende também da variedade que se esteja a produzir, sendo que a maior parte das variedades se dá bem com ambas as técnicas de rega.

PF: Conhecemos dois tipos de micro-aspersão. Um que é aplicado ao nível do solo e outro no topo da planta. Qual o mais aconselhado?
DB: Apesar de alguns estudos aconselharem a aplicação ao nível do solo, penso que será mais rentável no topo da planta (a sensivelmente 2 metros do solo). Isto porque desta forma é possível fertilizar mais do que uma planta ao mesmo tempo. Para além disso, à medida que a planta cresce, a água onde estão contidos os nutrientes atinge todos os ramos, tornando o processo mais eficaz, pois funciona também como fertilização foliar.
Ainda assim, a aplicação de micro aspersores aéreos poderá trazer a desvantagem de contaminar os frutos, o que não acontece com os gotejadores e aspersores, posicionados ao nível do solo.

PF: E quanto à aplicação de herbicidas?
DB: Nas produções em Oregon, é aplicado Glifosato ao longo, e só, da base do camalhão, onde não há raízes, para evitar o crescimento de ervas indesejadas.

PF: Em Portugal, alguns produtores regam outro tipo de plantações (milho, por exemplo) para fazer baixar as temperaturas e permitir que a planta realize a fotossíntese mais facilmente. O que acha disto?
DB: Nos EUA, normalmente não temos temperaturas tão altas, mas essa é uma questão interessante. O calor excessivo pode danificar tanto as plantas como os frutos e a aplicação de água através de micro sprays pode ser eficaz na redução da temperatura.
É também aconselhável a utilização de redes/telas de ensombramento, que para além de fazerem descer a temperatura, protegem as plantas de raios ultravioleta. Esta tela torna ainda possível o prolongamento da época de produção.

AG: Em Portugal, tem existido muita controvérsia em torno do uso de camalhões de plantação. Quais as vantagens e inconvenientes?
DB: É de facto uma questão discutível. A minha opinião é que se o produtor tiver as condições necessárias, deve optar por camalhões, pois a produção torna-se mais rentável. Se aplicar serrim ao solo e não fizer camalhões, grande parte vai ser desperdiçada, enquanto que com camalhões a matéria orgânica vai estar onde é precisa. Outra das vantagens dos camalhões é o facto de estes apresentarem uma menor compactação, e consequente mais arejamento e espaço para as raízes no solo. As raízes da árvore do mirtilo são bastante finas, pelo que têm dificuldade em crescer em solo denso. Pensamos também que as raízes da planta do mirtilo têm grandes taxas de respiração, razão pela qual necessitam de bastante oxigénio, daí o arejamento providenciado pelos camalhões ser essencial.
Outra das razões para a construção de camalhões é que facilita a passagem das máquinas.
Contudo, as plantações em camalhões podem também acarretar consequências negativas: para além de ser difícil fazê-lo em parcelas pequenas e irregulares, estes podem também levar a algum desperdício de água, pois esta resvala para a base do camalhão.

AG: Quais devem ser então as dimensões dos camalhões?
DB: Depende da forma do camalhão. Se for um trapézio poderá ter 80cm no topo, 120cm na base e uma altura de cerca de 30 cm.

AG: Em Portugal estão a ser feitas plantações em densidades tão elevadas como 0,75m (entre plantas) e 2,5m (entre filas), muito mais plantas por hectare do que nos EUA. Como comenta esta opção?
DB: O valor de 2,5m entre filas põe-me algo reticente pois à medida que as plantas crescem, como estão tão próximas uma das outras, tornar-se-á difícil a movimentação das pessoas no campos. Essa estratégia poderá ser eficaz nos primeiros 5/10 anos, mas a partir daí poderá trazer problemas.
Em Oregon as filas distam em 3 metros não só pelo que referi mas também para facilitar a passagem das máquinas.

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1Tela de solo, tela de ervas, ou weed mat é uma tela de plástico tecido, de várias cores, normalmente preto, que serve de barreira à luz e evita que ervas indesejadas cresçam.

2Emulsão de peixe - fertilizante foliar porque que contém azoto, fósforo e potássio, além de micronutrientes que as plantas precisam em pequenas quantidades para sobreviver

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