Double crop e Relay crop na cultura do milho e da soja: Sistemas do passado, inovações de futuro

Double crop e Relay crop na cultura do milho e da soja: Sistemas do passado, inovações de futuro

Por: Bernardo Madeira
http://www.untourdeschamps.fr/
Dados e fotos amavelmente cedidos por Axéréales e PPK (Poljoprivredna Proizvoidnja Komplex)

Dois agrónomos franceses, de 24 anos, Sylvain Morvan e Jeoffrey Moncorger, decidiram organizar uma volta à Europa, em bicicleta, pelos projetos agrícolas inovadores para uma agricultura sustentável (nenhum caso português foi selecionado).

A iniciativa, que recebeu o patrocínio do próprio ministério da agricultura francês, terminou em agosto de 2012, tendo decorrido com grande interesse por parte da imprensa agrícola europeia. Em vários artigos publicados, em vários periódicos, e também no site da própria iniciativa, os dois aventureiros descrevem as várias paragens que fizeram bem como particularidades dos projetos que visitaram.

Chamou-nos especial atenção um dos artigos sobre uma exploração na Croácia dedicada à produção de sementes de cereais, atualmente administrada pelo grupo francês Axéréales.

Trata-se de um antigo complexo agrícola do governo socialista Jugoslavo, com 3.500 hectares, atualmente dedicados à produção de semente de trigo, cevada, milho e soja.

A exploração mereceu integrar o “circuito” europeu por duas “alegadas” inovações, a prática do “double cropping” e a cultura em “relay”.

Double cropping

O “double cropping” ou dupla cultura, é uma técnica que, no presente caso, consiste na sementeira de milho em sucessão à cevada, ou seja, depois da colheita desta. Nos países mais quentes esta “aventura” não impressiona porém, mesmo em Portugal, serão muito poucos os produtores que praticam a sementeira de milho imediatamente a seguir à colheita de um cereal de inverno (excetua-se a cultura para forragem). No caso descrito, para se conseguir colher o milho em segunda cultura para produção de grão, são utilizadas variedades híbridas de ciclos curtíssimos, estando-se a falar de ciclos FAO 100, por exemplo.

Este sistema, que é apresentado como um bom exemplo, é uma prática que há muito se encontra abandonada em Portugal, em alguns casos de forma racional, noutros casos sem explicação.

Na verdade, o “double cropping”, exige, por parte dos empresários agrícolas, um rigor raramente encontrado entre nós, com o cumprimento escrupuloso de datas de sementeira e de colheita.
Em muitos livros antigos (até aos anos 70), é comum encontrarmos referências às variedades de milho da classe FAO 100 comercializadas em Portugal, precisamente para sementeiras de ciclos muito curtos (70 dias), em alta densidade. Estes ciclos curtos destinavam-se, precisamente, a sementeiras feitas em junho e até em julho, após a ceifa do trigo e do centeio, produzindo ainda a tempo de permitir a sementeira do cereal de inverno.

Hoje em dia, com bons equipamentos que permitem a sementeira direta do milho na palha, esta prática pode ser implementada com relativa facilidade, desde que se garanta a disponibilidade de água.

Relay cropping

Outra das “inovações” apresentadas, a cultura em “relay”, trata-se de um sistema cultural que permite elevados ganhos mas que exige, ainda, um nível técnico mais exigente do que o double cropping.

O objetivo deste método é semear uma cultura enquanto a anterior ainda está em crescimento. Deste modo, as fases iniciais de instalação dão-se antes da colheita da anterior cultura.

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No exemplo presenciado pelos dois agrónomos nesta exploração croata faz-se a sementeira de soja diretamente nas searas de cevada em crescimento. Para o efeito, e no caso apresentado, os semeadores do cereal são modificados de modo a só semearem cerca de um terço a metade das linhas possíveis (alternando-se, por exemplo, 3 linhas semeadas com 4 linhas por semear).

Na primavera, logo que possível, e com a cevada ainda em crescimento, faz-se a sementeira da soja nas linhas livres (deste modo pode-se semear mais cedo, usando-se um ciclo da soja mais longo, que beneficia, também, do “microclima” proporcionado pela soja).

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Quando madura, a cevada é colhida regulando a ceifeira, por exemplo, para mais de 40cm de altura (tendo o cuidado de os rodados não pisarem a cultura), deste modo são colhidas as espigas de cevada sem qualquer dano para a soja, que é por fim colhida no final do seu ciclo cultural.

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A complexidade deste sistema, cuja mecanização e execução, com precisão, como se depreende pela descrição, não está ao alcance de qualquer agricultor, além de permitir a dupla cultura na mesma parcela, e num mesmo ano, de culturas de ciclos longos, aumentando enormemente a rentabilidade da superfície, surpreende por outro lado pelo facto de se conseguir poupar cerca de 50% da semente de cevada com uma perda de produção de apenas 11 a 15% (no caso desta exploração), perda de produção muito reduzida, e que é explicada pelos técnicos pelo efeito “bordadura” ou seja, as plantas têm, durante um grande período do ano, possibilidade de explorar uma grande superfície de solo, com um mínimo de concorrência intraespecífica, e sabe-se bem como as espigas, seja de trigo seja de milho, das margens, são, frequentemente mais férteis e volumosas do que as do centro.

Acrescente-se o facto de sendo a soja uma leguminosa, não concorre pelo azoto com a cevada, podendo até haver, como se depreende, um mútuo benefício.

Outro dos méritos desta prática está na redução das infestantes, especialmente da segunda cultura.

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Acreditamos no mérito deste sistema de cultivo que, embora poucos saibam e menos ainda se recordem, era amplamente utilizado em Portugal, especialmente no minifúndio de Portugal, com a tradicional sementeira do centeio às “margens” ou “leiras”. O cereal de inverno era semeado a lanço em toda a superfície do terreno, depois um arado abria regos, aproximadamente com 1 metro de intervalo (libertando assim essa faixa das sementes de centeio. Nesse rego, que ajudava na drenagem, semeava-se o milho na primavera seguinte, logo em março, e do ciclo mais longo possível. O milho, nas fases iniciais cresceria abrigado pelo centeio, e após a ceifa deste (manual), crescia livremente e produzindo bem.

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Com a chegada do trator, este sistema desapareceu totalmente, não por falta de mérito, mas por falta de alfaias adequadas e de vontade... Mas parece que os velhos tempos voltaram!

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