«Devemos continuar a apostar na instalação de mais jovens agricultores»

Desde 1983 que a Associação dos Jovens Agricultores de Portugal (AJAP) trabalha no desenvolvimento do setor. Firmino Cordeiro, Diretor Geral da AJAP, refere ao Agronegócios que «a agricultura portuguesa continua a ser das mais envelhecidas da Europa» sendo que «devemos continuar a apostar na instalação de mais jovens agricultores. Sobre o PDR2020, diz que, à semelhança do Proder, «pode constituir um excelente mecanismo ao investimento de muitos jovens e agricultores portugueses». A Política Agrícola Comum (PAC), o Agroalimentar e a Agroindústria bem como as oportunidades do país em matéria de exportação são outros temas abordados nesta entrevista.

agricultura

Agronegócios: A AJAP existe desde 1983. Que diferenças existem entre esse período e hoje, ao nível da missão da Associação?

Firmino Cordeiro: A principal missão da AJAP é basicamente a mesma ao longo dos tempos. No entanto, os desafios atualmente são brutalmente maiores. Resumidamente, a AJAP iniciou esta caminhada há 33 anos, com o objetivo de representar condignamente, a nível nacional e internacional, os jovens agricultores. Afirmar a figura, lançar o desafio da atividade junto dos mais novos e pugnar por melhores condições na instalação enquanto agricultores, e de vida (associada às limitações que as zonas rurais encerram), foram e são ao longo dos tempos os principais desafios. Hoje, continuamos a reivindicar por tudo a que os Jovens Agricultores têm direito, à luz das políticas nacionais, como relativamente às provenientes da União Europeia (UE). Tudo o que puder ser feito nesta fase inicial de vida empresarial na área agrícola é fundamental atendendo às suas particularidades (risco, custo de instalação, imprevisibilidade das produções, condições climatéricas, instabilidade dos preços dos fatores e a vulnerabilidade dos preços das produções). A formação profissional necessária, o acompanhamento técnico, e a acreditação dos projetistas continuam igualmente a ser preocupações transversais ao longo dos anos. Importa assinalar a movimentação recente com a instalação de mais jovens na atividade, inclusive licenciados em áreas bem distintas da agricultura, em culturas também elas novidade, trazendo mais inovação e novas dinâmica ao setor. Acompanhamos de perto estas entradas, mas somos peremtórios em afirmar que todos temos responsabilidade no apoio e evolução destas explorações agrícolas no futuro. Por fim atendendo à perda sucessiva de população nas zonas rurais, vimos defendendo com afinco a implementação da figura do JER - Jovem Empresário Rural. 

AN: Qual é hoje o perfil do jovem agricultor (idade, formação, escolha da atividade) e que evolução se registou na qualidade dos jovens que apostam no setor? Precisamos rejuvenescer a nossa Agricultura?

FC: A agricultura portuguesa continua a ser das mais envelhecidas da Europa. Pelo que, prudentemente, devemos continuar a apostar na instalação de mais jovens agricultores. O atual programa PDR 2020 previa instalar menos de 5000 jovens agricultores, o Proder instalou quase 9000. Parece-nos pouco ambiciosa esta meta. Registamos como positiva as alterações que o atual Ministério pretende implementar, tal como a elevação da fasquia para os 10000 Jovens Agricultores. Relativamente às áreas desenvolvidas podemos afirmar que os setores das frutas (incluindo pequenos frutos), legumes, viticultura e olivicultura são os mais procurados. Clássicos é verdade, no entanto registamos arrojo na instalação de maior diversidade de culturas e na procura de novas variedades nas mais tradicionais. Falo da amêndoa, da romã, do pistácio, da cereja, do limão e do marmelo, nas fruteiras e do forte incremento nos pequenos frutos e hortícolas, onde a aposta tem sido bastante grande, nomeadamente no mirtilo, amora, framboesa, groselhas, morangos, tomate cereja, saladas pré preparadas, espargos, entre outras. De assinalar ainda a inovação nos produtos. Assistimos a uma maior preocupação dos novos jovens agricultores na transformação das suas produções, criando necessariamente mais valor, bem como na comercialização das suas produções, sem dúvida um importante sinal de maturidade e evolução.           

Desafios 

AN: Quais são os principais desafios que se colocam hoje ao jovem agricultor português?     

FC: A informação é crucial. Aos mais diversos níveis, a montante e a jusante da exploração, e sobre os aspetos diretamente relacionados. As responsabilidades são cada vez maiores, aliás, quanto maior o investimento maior o risco, e nos nossos dias os projetos envolvem cada vez mais investimento, dependendo um pouco de região para região, a média hoje deve ultrapassar os 140000€, nas instalações como jovem agricultor. O conhecimento dos mercados, preço dos fatores e dos produtos produzidos à escala nacional, europeia e mundial, é de extrema importância. Daí podem advir decisões importantes para assegurar clientes, e as formas mais apropriadas de venda com maior ou menor transformação e inovação. A disponibilidade para se agregarem a novas formas de comercialização é hoje também maior, nomeadamente pela concentração do produto e assim poder assegurar preços e clientes, seja em cooperativas, sociedades ou organizações de produtores. 

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Firmino Cordeiro, Diretor Geral da AJAP

AN: E dificuldades, quais são as mais preocupantes?

FC: A volatilidade dos preços à escala mundial, quer dos fatores, quer das produções, bem como a mão de obra (as máquinas ainda não fazem tudo) são sempre motivo de preocupações que vivem associadas a este tipo de explorações ou empresas. Importa não esquecer as dificuldades básicas como sejam a disponibilidade de terra e o preço, o capital próprio e o custo desse capital, e o apoio técnico às explorações nos primeiros anos de vida.  

AN: Que tipo de Agricultura defende para o país? E como olha para a forma como o poder político tem dado atenção ao setor nestas últimas décadas?

FC: Atendendo a um conjunto de aspetos característicos das nossas regiões (dimensão da propriedade, tipo de solos, topografia, disponibilidade de água e clima), o nosso país não consegue apenas evoluir num modelo competitivo de agricultura. Obviamente temos de apoiar este modelo, pois é fundamental para a produção de maiores volumes (importa referir também ela de muito boa qualidade), produção destinada aos mercados internos, mas cada vez mais na procura de novos mercados além fronteiras, de notar que este modelo pode facilmente ser associado às grandes cadeias de distribuição. Existe ainda e deve ser mais implementado e apoiado, um segundo modelo vocacionado para produtos DOP, IGP, BIO, Regionais, provenientes de variedades tradicionais e/ou melhoradas e raças autóctones, que importa valorizar não só através de apoios como na formulação do preço. A valorização deste tipo de produtos deve ir muito além do comparativo com os "comodites", devia entrar em linha de conta a proveniência, o processo produtivo e os aspetos relacionados com a conservação da biodiversidade. Em minha opinião, os apoios e promoção a este modelo são ainda escassos e pouco arrojados. A prová-lo o índice de abandono das zonas rurais, algumas classificadas como territórios de baixa densidade, têm sido expostos ao longo de décadas. O poder político, sem grandes sucessos, tem ao longo dos anos desenvolvido iniciativas várias, contudo demasiado paliativas e pouco interligadas entre si, para atender à débil realidade deste tipo de agriculturas, ao envelhecimento e pouca formação dos agricultores, bem como à escassez de condições conducentes com as necessidades dos nossos dias. 

AN: Nos últimos anos, vários setores – agroalimentar, hortofrutícolas, vinhos e pequenos frutos – têm registado comportamentos muito positivos. Como olha para este crescimento e de que forma olha para o futuro destes setores?

FC: Como anteriormente referi são áreas onde a transformação, inovação e organização da produção tem tido um papel preponderante. Apoiar este dinamismo e replicar para outras culturas é certamente um desafio aliciante que compete a todos, políticos, organizações e agricultores. 

Exportações 

AN: Como olha para a internacionalização e para os valores nacionais das exportações do mundo agrícola? Elas representam a real importância da Agricultura para o País?

FC: A crise económica e a diminuição do poder de compra em Portugal criou nas empresas agro e agroalimentares uma forte apetência para a exportação. A esta dinâmica têm tido os governos uma atitude pró ativa na abertura de novos mercados. É evidente que mercados tradicionalmente importadores de produtos portugueses têm revelado dificuldades fruto de crises internas. Refiro-me ao Brasil, Angola, Rússia (embargo), Moçambique e, claro, retrocessos em alguns países da Europa. Importa assim manter o apoio às empresas e suas representantes. A AJAP tem marcado presença em importantes feiras como a FACIM (Moçambique), MIF (Macau), São Salvador (Brasil) e outras, objetivando divulgar os nossos produtos e marcas, inclusive na concretização de negócios. A exportação também assente nos produtos tradicionais podia ser uma excelente oportunidade para as agriculturas menos competitivas, aliás, os turistas que visitam o nosso país podiam ser verdadeiros embaixadores de muitos destes produtos, se a nossa oferta estivesse mais organizada. 

AN: Como analisa a importância do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR2020) e que impacto pode vir a ter em milhares de projetos nacionais?

FC: O PDR2020 pode, à semelhança do Proder, constituir efetivamente um excelente mecanismo ao investimento de muitos jovens e agricultores portugueses. Compete ao Estado e à UE criar as condições de apoio por forma a que racionalmente os organismos sejam capazes de estar à altura desta enorme vontade de produzir, exportar, criar emprego e gerar riqueza. 

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AN: As áreas do Agroalimentar e da Agroindústria têm tido um crescimento também positivo no país nos últimos anos. São setores fundamentais para o mundo rural? Em que medida?

FC: Crescer na inovação dos alimentos, na qualidade e rastreabilidade dos mesmos, bem como nas suas diferentes formas de transformar as produções nacionais, cria valor, diferencia, e reforça a nossa competitividade. Nesse sentido, é de extrema importância aliar a produção à investigação, aliar inovação à demanda dos mercados e às preferências dos consumidores. Os agricultores não podem ser deixados à sua sorte e simplesmente entregues à agressividade dos mercados. Esta simbiose é fundamental, até porque nós temos muito potencial de investigação, e conhecimento empírico ainda desapropriado. Não pode o agricultor isoladamente suportar estes custos. 

AN: Falando do agroalimentar. Um dos objetivos de Portugal é chegar a 2020 com equilíbrio da balança comercial no setor. Neste momento o défice agroalimentar rondará os 2,6 mil milhões de euros. Como chegamos lá?

FC: Os políticos e os dirigentes associativos devem colocar em cima da mesa objetivos e metas ambiciosos, tal como Fernando Santos a colocou aos nossos jogadores. Sabemos que este trajeto não é fácil, até porque na agricultura é extremamente difícil governar em função de ciclos políticos, pelo que estabelecer consensos alargados nestas matérias seria meio caminho andado para conferir estabilidade ao setor, confiança no investimento e estratégias concertadas assente no crescimento das exportações.   

Leite e suinicultura 

AN: Como analisa a crise que tem afetado os setores do leite e da suinicultura?

FC: São setores fundamentais, setores muito complexos, de grandes investimentos e com margens curtas. Sempre que existem alterações conjunturais a nível europeu e mundial, relacionadas com a diminuição do consumo e variações significativas de preços, este tipo de estruturas empresariais ameaça ruir. Afetando as empresas e consequentemente muitos empregos ficam em risco, para além da ruína de empresários que dificilmente conseguem renascer. É por isso necessário tomar medidas nacionais, mas acima de tudo comunitárias, de proteção, capazes de impedir “dumping” e especulação, capazes de atenuar o ímpeto dos monopólios, capazes de fazer diminuir a força do poder económico à razão da sobrevivência de pessoas, empregos e de muitas regiões. São realidades obviamente diferentes, mas cada país deve ter os seus mecanismos de proteção, por exemplo, pela prioridade que deve dar no consumo das suas próprias produções, aquando da ocorrência deste tipo de situações. A UE deve assumir um papel mais interventivo quando efetivamente determinados setores, por causas que são alheias, ameaçam ser dizimados.    

AN: O fim das quotas leiteiras será muito prejudicial a Portugal? Que influência e impacto terá no futuro do setor?

FC: Obviamente que a abolição das quotas, independentemente das causas anteriormente referidas, por si só constituía uma séria ameaça para o setor do leite em Portugal. Este setor possui particularidades ímpares, pois tem custos bastante elevados de produção (difíceis de diminuir), pelo que não podia ter sido deixado à sua sorte da forma abrupta como se veio a revelar. Países com condições de diminuir alguns dos custos de produção têm tentado “esmagar” e “invadir” os mais vulneráveis com leite a preços mais baixos, e apoiados pela estratégia voraz das grandes distribuidoras. No entanto, o embargo russo e as campanhas exageradas por toda a Europa, anticonsumo de leite, estão a fazer ruir os impérios produtores do norte europeu. Talvez porque lhes bateu à porta, surjam outro tipo de soluções.    

leite

AN: Que análise faz a AJAP sobre a PAC? O que mudou em Portugal nestes últimos 30 anos?

FC: As grandes linhas de orientação da PAC, têm-se ajustado ao longo dos QCA(s), em função das necessidades alimentares, de problemas estruturais, ambientais, de conservação dos recursos naturais e da biodiversidade e das alterações climáticas. Como pano de fundo tem permanecido o equilíbrio na distribuição das ajudas diretas aos agricultores, o apoio ao investimento, ao desenvolvimento rural e às florestas. Depois da necessidade imperiosa de produzir para alimentar a população europeia, estávamos no início desta longa caminhada, surgiram excedentes e com estes a necessidade da introdução das quotas de produção. Verificaram-se exageros na produção e no uso de fatores, que paulatinamente foram corrigidos, (crise das vacas loucas, nitrofuranos nos frangos, contaminações com nitratos, excessos no consumo de água, são alguns desses exemplos). A Agenda 2000 constituiu na Europa uma importante mudança de paradigma, apareceram as medidas agroambientais, surgiu um forte impulso à florestação através do famoso 2080, surgiram vários apoios a modelos de agricultura tradicional, e aos produtos de origem biológica. Talvez os principais problemas se devam à aplicação e adaptação deste tipo de diretrizes a cada país. Portugal teve altos e baixos neste tipo de intervenções, impulsionou na minha perspetiva pouco o setor, incentivou no geral pouco os jovens a entrar na atividade e os resultados timidamente foram surgindo. Estamos melhor, muitas alterações nos processos produtivos, mais mecanizados, com mais regadios, mais caminhos rurais, seguramente mais produtivos, mais organizados na concentração da produção e felizmente mais exportadores. Podíamos ter feito muito mais e melhor, acredito que os grandes decisores nacionais deram o seu contributo, mas a agricultura portuguesa tardou em ser aceite como verdadeira atividade económica estruturante para o país, o interior perdeu população e iniciativa em demasia, e os jovens foram-se instalando muito timidamente. A concertação do Estado com as principais organizações do setor (AJAP, CAP, CNA e CONFAGRI) nunca foi pacífica ao longo dos anos, imperou muitas vezes o dividir para reinar, em detrimento de uma discussão saudável das grandes questões da nossa agricultura. Todos aprendemos com os erros, talvez ainda estejamos a tempo…  

Três décadas ao serviço da Agricultura

AN: Que atividades e serviços presta a AJAP aos seus sócios? Quantos associados tem a Associação?

FC: Com três décadas de atividade e uma rede de gabinete atualmente constituída por cerca de 80 locais de atendimento e de assistência técnica, a AJAP presta um vasto conjunto de serviços à agricultura nacional, a par de uma intensa atividade ao nível da cooperação, que passa pela internacionalização das empresas agrícolas e pelas relações internacionais. Todavia, a nossa atenção é dedicada essencial e prioritariamente às realidades locais e ao contacto direto com os agricultores. Os principais serviços que a AJAP coloca à disposição dos agricultores são: assistência técnica - Agricultura Biológica e Produção Integrada, Formação Profissional, Candidaturas IFAP, SNIRA, Declarações IVV e VITIS, Serviços de Aconselhamento Agrícola – SAA, Serviços de Apoio às Empresas – SAE, Elaboração de projetos de instalação/investimento, serviços de parcelário, regularização da atividade pecuária (REAP) e dos recursos hídricos e visitas técnicas às explorações. A Associação tem cerca de 13 mil associados do setor, onde também estão representadas um número significativo de PME's que procedem à transformação e comercialização da produção, para além de rececionar cerca de 19 000 candidaturas anuais aos subsídios agrícolas, representando assim, cerca de 10,5% do volume total de agricultores candidatos. 

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AN: Que mensagem deixa ao setor, nomeadamente aos jovens agricultores nacionais?

FC: Ser jovem agricultor requer muita ambição, muita vontade e querer, muita capacidade para reagir às adversidades, bastante capital, alguma terra, muita informação e bastante formação. Para quem se pretenda instalar deve para além de todos estes aspetos basilares, rodear-se de entidades (empresas) e organizações capazes de o aconselhar verdadeiramente dos prós e contras de tudo o que vai encontrar pela frentes, timings, pedidos de pagamento, licenças de construção, captação de água e dos animais. A comercialização, procura dos mercados, preços, formas de concentrar produções e ter escala, são questões que importa acautelar tanto quanto possível. Relativamente aos Jovens Agricultores instalados, asseguro que podem contar com a AJAP no que entenderem, podemos até não resolver, mas encaminhamos, podemos não ter a solução, mas seguramente juntos podemos encontrá-la. Por último, que se envolvam nas atividades que a AJAP vai desenvolvendo pelo país, neste momento está em curso o I – Ciclo de Conferências Jovem Agricultor, em abril estivemos em Caminha, no início de Junho em Tavira, dia 29 em Peso da Régua, dia 13 de julho em Nelas, em setembro em Estremoz, outubro na Madeira e em novembro terminamos com uma conferência de imprensa em Lisboa. Não desistam, a agricultura é sinonimo de liberdade, de trabalho ao ar livre, de paixão e de rentabilidade.

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