Desempenho de híbridos de milho forrageiro em agricultura biológica

Desempenho de híbridos de milho forrageiro em agricultura biológica

Por: Ana B. Monteagudo

Instituto Galego da Calidade, Alimentaria - Centro de Investigacións Agrarias de Mabegondo (INGACAL-CIAM). Apartado 10, 15080 A Coruña.


Tem vindo a aumentar, nos últimos anos, a preocupação com a conservação do meio ambiente e com a saúde dos consumidores. É esta preocupação que está por trás da mudança no planeamento dos sistemas extensivos de produção agrícola e de gado. Desde a sua origem, a União Europeia tem vindo a promulgar uma série de directivas direccionadas ao controlo do uso de agro-químicos e das emissões de gases de efeito de estufa. Por outro lado, o consumidor exige cada vez mais maior segurança alimentar, pelo que valoriza os produtos biológicos, obtidos sem o emprego de compostos químicos que podem trazer riscos para a saúde, além de prejudicarem o meio natural.

Os sistemas de produção extensiva já não se adequam às necessidades actuais e a sobreexploração intensiva está a esgotar os recursos naturais, sendo cada vez necessários mais adubos químicos para aumentar a fertilidade do solo e para que o rendimento das culturas não desça em demasia. O custo em fertilizantes simples e compostos, estimado pelo governo espanhol durante o ano de 2010, superou os 1300 milhões de euros, enquanto o custo em fitossanitários, principalmente herbicidas e fungicidas, superou os 685 milhões de euros (MARM, 2011); ao que se acrescenta o enorme custo ambiental que o uso destes agro-químicos pressupõe. Estes custos tão elevados poderiam reduzir-se com o emprego de adubos naturais, como chorume e esterco; sistemas de rotação de culturas; e empregando variedades e híbridos melhorados que apresentassem uma maior eficiência no aproveitamento dos recursos disponíveis, assim como resistência genética a diferentes stresses bióticos e abióticos. É neste aspecto que a investigação para o melhoramento de culturas e os programas de selecção genética cumprem uma função decisiva.

Neste cenário global, a agricultura biológica (AB) está a converter-se numa boa alternativa de produção face à cultura extensiva. Na actualidade, a Espanha é um dos primeiros países da União Europeia em número de hectares cultivados num regime de agricultura biológica (MARM, 2010).

 

 

Figura 1. Híbridos de CIAM no ensaio de Friol.

 

O milho cultivado para grão e forragem é uma das principais espécies plantadas em Espanha, situando-se a sua produção fundamentalmente na Galiza, com 72% da superfície total. A cultura de milho forrageiro está a destacar-se face à de outras espécies forrageiras. Enquanto em 2010 e 2011 outras espécies forrageiras diminuíram a sua superfície em 2,7%, o milho forrageiro teve uma subida de 1,4%. Assim, a superfície dedicada à produção desta espécie, em 2011, estima-se que tenha superado os 95.800 ha (ESYRCE, 2011; MARM, 2011).

No entanto, a superfície dedicada ao cultivo de espécies forrageiras em agricultura biológica é ainda muito baixa, já que em 2010 correspondeu a apenas 9% do total espanhol dedicado ao cultivo de pastos e forragens (ESYRCE, 2010; MARM, 2010a). Esta situação vê-se reflectida na Galiza onde, apesar da sua importância na produção de pastos e espécies forrageiras, o cultivo destas em agricultura biológica representa apenas 1,54% do total nacional (MARM, 2010a).

O aumento no número de explorações pecuárias biológicas está muito relacionado com a superfície de produção biológica das forragens, visto que nestas explorações as reservas de forrageiras constituem a parte principal na alimentação do gado, e também estas devem ser produzidas de modo biológico (Regulamentos UE 2092/91, 1804/1999). Na Galiza encontram-se 3,5% das explorações de gado, e entre 2008 e 2010 esse número aumentou em 5% (MARM, 2010a).

A maior parte dos programas de melhoramento fazem-se centrados nos requerimentos da agricultura convencional, pelo que dispor de material melhorado adaptado às características da AB é difícil hoje em dia. Por outro lado, um dos preceitos da AB é a potenciação da diversidade mediante o emprego de variedades locais ou tradicionais e raças autóctones, sendo que, assim, o emprego de híbridos comerciais obtidos a partir de material não autóctone poderia ser um problema para os produtores biológicos.

Dado que a variabilidade genética disponível nos programas de melhoramento convencional foi baixando ao longo dos anos, devido ao emprego de um número limitado de parentais, a criação de novos programas de melhoramento orientados para a AB e empregando como fonte de origem genética as variedades tradicionais poderia solucionar os problemas apresentados.

O Centro de Investigações Agrárias de Magebondo (CIAM) está a desenvolver há vários anos diversos programas de melhoramento genético de milho forrageiro, partindo de variedades autóctones galegas. Desde 2008, o CIAM começou a estudar o comportamento de alguns destes híbridos forrageiros em cultivo biológico para determinar a valia dos materiais de selecção obtidos nos programas de melhoramento, que estiveram sempre centrados nos requerimentos do cultivo convencional, para o seu uso na AB.

 

Material vegetal e métodos

Durante os anos 2008 e 2010 avaliou-se o potencial forrageiro de 31 híbridos geração S3 obtidos a partir de um cruzamento das linhas (EC136xEC151) x EC214, estas três linhas parentais foram desenvolvidas nos programas de melhoramento do CIAM e contam na sua bagagem genética com material de origem galega.

Os ensaios de avaliação realizaram-se em diferentes locais entre as províncias de Ourense (Barbadás) e Lugo (Friol e Savinhão), em terrenos cedidos e controlados pelo Conselho Regulador da Agricultura Biológica da Galiza (CRAEGA). Em todos os casos o desenho experimental que se seguiu foi um desenho em blocos ao acaso com três repetições, em parcelas de 6,4 m2 com uma densidade final de 90 000 plantas por hectare. Juntamente com os híbridos do CIAM, avaliaram-se também como testemunhos os híbridos comerciais Anjou290, Pisuerga, Nkthermo, LG3303 e Dukla. Não se acrescentaram adubos naturais ou produtos herbicidas em nenhum dos ensaios realizados.

Os parâmetros agronómicos avaliados durante o período vegetativo foram o vigor, a precocidade da planta, a presença ou ausência de acama e os dias até à floração masculina e feminina, dias desde a sementeira até que 50% das plantas estivessem em floração. No momento da colheita pesou-se o total de plantas de cada parcela e colheram-se amostras da planta inteira, parte verde e espiga. Secaram-se 300 g de cada fracção a 80°C durante 16 horas numa estufa de ar forçado e depois pesaram-se para determinar o conteúdo de matéria seca e o rendimento forrageiro dos híbridos (Campo, 1999). As amostras secas moeram-se num moinho Christy & Norris com um tamis de 1 mm de luz. A farinha obtida foi usada para determinar os componentes nutricionais da forragem, mediante Espectroscopia de Reflectância no Infravermelho Próximo (NIR), segundos as técnicas e equações melhoradas por Campo e Moreno (2003).

A análise estatística dos dados realizou-se com o programa Proc GLM do pacote estatístico SAS v9.2 (SAS Institute, Cary, NC), considerando os distintos genótipos como factores aleatórios e fazendo uma separação de médias com o teste LSD (F significativo p<0,05). No caso do carácter de acamamento, previamente à análise, definiu-se uma transformação dos dados segundo a fórmula (x+0,5)1/2 (Steel e Torrie, 1985).

 

Resultados e discussão

Os híbridos avaliados demonstraram muita semelhança, considerando os parâmetros agronómicos, visto que só se observaram diferenças altamente significativas (p<0,001) para os caracteres de vigor (VP) e rendimento forrageiro (RF) (Tabela 1). Por outro lado, a existência de diferenças altamente significativas para todos as características agronómicas, juntamente com a ausência das mesmas na interacção genótipo x local (também para todos os caracteres, excepto VP), indicam, por um lado, o importante efeito do ambiente nos caracteres avaliados e, por outro, a estabilidade da diferença entre genótipos nas distintas condições climáticas das localidades em que se realizou o estudo. Isto também acontece no caso dos caracteres de qualidade, para os quais a norma de reacção dos diferentes genótipos face ao ambiente permanece estável, excepto para o conteúdo de carboidratos estruturais (CSA).

 

Tabela 1. Médias dos híbridos e testemunhas para os caracteres agronómicos. Análise de variância das variáveis e a sua interacção.

Tabela 2. Médias dos híbridos e testemunhas para os caracteres de qualidade nutritiva. Análise de variância das variáveis e a sua interacção.

 

 

Quanto à diferença dos caracteres agronómicos para os caracteres de qualidade nutritiva, observa-se maior variabilidade entre genótipos, existindo diferenças significativas (0,05<p<0,001) para todos os caracteres estudados, excepto no conteúdo de matéria orgânica (MO) e na digestibilidade in vitro da matéria seca (IVDMS), para os quais os híbridos estudados são mais uniformes, como já se descobrira em estudos prévios (Lewis et al., 2004; Monteagudo et al, 2010). O conteúdo de matéria orgânica situa-se em cerca de 96% e a digestibilidade aproxima-se dos 69%. Este valor de digestibilidade corrobora os valores obtidos num estudo preliminar, no qual se incluíam este e outros híbridos, realizado por Monteagudo et al. (2010), e está em consonância com valores de digestibilidade descobertos por outros autores em estudos realizados tanto em cultivo convencional como em cultivo sustentável com adubo com chorume de porco (Argillier et al., 2000; Campo et al., 2011). Contudo, este valor de 69% é maior ao encontrado por Campo et al. (2010) em condições de cultivo sustentável, tanto adubado com chorume de porco como com chorume de bovino.

 

Figura 2. Híbridos de CIAM no ensaio de O Saviñao.

 

O valor médio do conteúdo de proteína bruta citou-se nos 4,85%, valor que é inferior ao esperado para estes híbridos em cultivo convencional, ainda que fosse de esperar esta diminuição por não se ter aplicado nenhum tipo de adubo e por o conteúdo proteico ser de um tipo que é muito afectado pelos níveis de fertilização azotada. Li et al. (2010) obtiveram uma redução no conteúdo de proteína de até 22% em condições de baixa disponibilidade de azoto. Estes autores também descobriram que a digestibilidade e o conteúdo de fibras eram muito influenciados pela concentração de azoto, com uma redução de 2,5% de digestibilidade e um aumento no conteúdo de fibras até 2,30%, dependendo do tipo de fibra considerada. No entanto, como já se indicou anteriormente, neste estudo descobriu-se que a digestibilidade mantinha valores próximos aos obtidos noutros estudos em cultivo convencional. É o caso do conteúdo de fibras (FAD e FND) onde se confirmam os dados de Li et al. (2010), com valores superiores aos encontrados por outros autores com distintos tipos de fertilização (Campo et al., 2010; Marsalis et al., 2010). Por outro lado, as diferenças descobertas noutros estudos podem não ser apenas devidas ao nível de fertilização, mas também às condições climáticas das zonas de cultivo, pois as concentrações dos componentes da parede celular estão fortemente influenciadas pelo ambiente (Kruse et al., 2008).

 

Tabela 3. Médias dos melhores híbridos e testemunhas para os principais caracteres agronómicos e de qualidade nutritiva, nos que evidenciaram diferenças estatísticas significativas entre genótipos.

 

O rendimento forrageiro global de híbridos e testemunhas foi de 8,84 t/ha, valor inferior ao rendimento esperado em cultivo convencional, ainda que existam antecedentes de rendimentos similares em estudos prévios (Lauer et al., 2001). O rendimento observado também foi inferior ao obtido em estudos prévios em cultivo ecológico, onde a produção de matéria seca foi superior a 10 t/ha (Campo et al., 2010; Monteagudo et al., 2010). Contudo, alguns dos híbridos estudados aproximam-se a estes valores de rendimento (Tabela 3). Este é outro parâmetro influenciado pelo tipo de fertilização aplicada na cultura, mas também pelas condições ambientais. Assim, é de destacar que 2010 foi um ano especialmente escasso em precipitação, e durante o ciclo de cultivo pode ter havido falta de água nas diferentes localidades onde se realizaram os ensaios de avaliação, favorecendo a diminuição do rendimento.

Quanto à separação por grupos, os híbridos do CIAM assemelham-se muito, quanto aos parâmetros agronómicos, aos híbridos comerciais empregados como testemunhas, ainda que aqueles sejam mais precoces e com rendimento ligeiramente maior (Tabela 1). No caso dos caracteres nutricionais, os híbridos do CIAM também se mostraram melhores comparativamente às testemunhas, pois apresentam um menor conteúdo de fibras e maior conteúdo de carbohidratos não estruturais. Esta fracção de carbohidratos não faz parte da parede celular e constitui a fracção nutritiva para o animal. Apesar disso, sendo o conteúdo de fibras diferente, a digestibilidade de ambos os grupos está ao mesmo nível.

A existência de variabilidade genética entre os híbridos para características agronómicas e de qualidade nutritiva, permite seleccionar, de entre todos, os que mais se destacam pelo seu rendimento e pela sua qualidade (Tabela 3). De todos os híbridos comerciais empregados, a variedade Anjou290 foi a que se destacou pela sua precocidade (77 dias para a floração masculina) e em qualidade nutritiva, com o menor conteúdo de fibra neutro detergente (FND) e o maior conteúdo de amido (AMD). Nkthermo e Dukla, foram os que mais se destacaram para o rendimento forrageiro, superando as 9 t/ha. Entre os híbridos do CIAM, destacam-se o 954, 958 ou o 979, pois: são precoces (cerca de 78 dias até à floração masculina); têm um rendimento forrageiro superior a 10 t/ha; possuem alto conteúdo de proteína e AMD, assim como baixo conteúdo de FND. o 956 também se destaca pelo seu rendimento, conteúdo proteico e de FND. Os híbridos 949, 952 e 971 não têm um rendimento tão elevado mas destacam-se nos caracteres de qualidade nutritiva, sobretudo o 952 pelo seu alto conteúdo proteico e o 971 pelo seu baixo conteúdo de FND.

 

Figura 3. Recolha do milho forrageiro.

 

Os híbridos do CIAM avaliados neste estudo revelaram-se semelhantes aos híbridos comerciais, indicando assim o seu valor (sobretudo os apresentados na Tabela 3), e podem considerar-se bons candidatos à sua utilização pelo sector pecuário. O rendimento forrageiro foi baixo mas bom, tendo em conta que não se aplicou nenhuma fertilização nos ensaios. A rotação de culturas com leguminosas e a aplicação de chorumes ou estercos ecológicos com uma fonte de azoto mostraram ser paliativos eficazes perante a diminuição de rendimento. Kirchman et al. (2008), depois da revisão de vários estudos, chegaram à conclusão de que as diferenças de produtividade entre a agricultura biológica e a convencional se reduzem empregando adubos naturais e compostagem, além da rotação de culturas. Deste modo, nos Estados Unidos, onde o uso de adubos naturais está mais generalizado, obtiveram-se reduções na produção inferiores às da Europa. 

A selecção feita seguindo um programa de melhoramento convencional pode seleccionar determinados caracteres que sejam também desejáveis em cultura biológica. No entanto, a selecção de características tão influenciadas pelo ambiente e pelo aporte de azoto, como o rendimento ou o conteúdo de fibras, deveria ser feita sob condições de cultivo biológico. As avaliações em condições biológicas de materiais já obtidos nos programas convencionais permitem descartar os menos ajustados às referidas condições de cultivo, contudo é necessário que os programas de selecção tenham em conta as novas condições de cultivo e desenvolvam materiais mais adaptados.

 

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