Colóquio “Que futuro para o uso sustentável dos pesticidas”

Por: Maria do Ceu Godinho1, Elsa Valério1, Cristina Amaro da Costa2, Ana Paula Nunes3 e Raul Rodrigues4
1 Escola Superior Agrária de Santarem - Instituto Politéctino de Santarem (ESAS/IPS)
2 Escola Superior Agrária de Viseu - Instituto Politécnico de Viseu (ESAV/IPV)
3 Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional (COTHN)
4 Associação Portuguesa de Horticultura (APH)

O Colóquio “Que futuro para o uso sustentável dos pesticidas” realizou-se na Escola Superior Agrária de Santarém, no dia 6 de dezembro de 2013, contou com cerca de 180 participantes e resultou da organização conjunta da Associação Portuguesa de Horticultura, do Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional e da Escola Superior Agrária de Santarém.

A oportunidade de discutir amplamente este tema foi ampliada pela publicação recente da Lei n.º 26/2013 de 11 de abril que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2009/128/CE de 21 de Outubro e ainda pela publicação do Plano de Acção Nacional, em finais de 2013. Estes instrumentos irão enquadrar a prática da protecção das plantas no futuro próximo, suscitando a necessidade de informar e debater, coletivamente, os procedimentos, direitos e obrigações para a melhoria da protecção das culturas com garantia da qualidade dos produtos agrícolas, da redução do risco dos produtos fitofarmacêuticos para o aplicador, consumidor e ambiente sem, contudo, comprometer a competitividade da agricultura nacional.

O Colóquio decorreu em duas sessões. Numa primeira parte foram abordados os objectivos do Plano de Acção Nacional, e dois dos seus eixos transversais: formação, sensibilização, informação, investigação, inovação e transferência tecnológica no âmbito da redução do risco associado aos produtos fitofarmacêuticos e desenvolvimento da protecção integrada. Na segunda parte realizou-se uma mesa redonda onde se promoveu um debate de proximidade entre os decisores políticos e os utilizadores da legislação actualmente em vigor. A mesa redonda contou com a moderação do jornalista Fernando Alves da TSF e iniciou-se com uma breve apresentação do tema “Uso sustentável dos Pesticidas”, onde se enfatizaram os riscos e alertas, as soluções alternativas para a protecção das plantas, a saúde e segurança do consumidor e do aplicador e a desejável preservação do ambiente. Os participantes na mesa redonda representaram o sector produtivo, com a presença de técnicos de entidades representativas do sector agrícola a nível nacional, e os legisladores, tendo sido abordada a política europeia para o uso sustentável dos pesticidas, a transposição da Diretiva 128/2009, a situação actual em Portugal e as perspetivas para o futuro próximo em relação aos pontos fortes e pontos fracos para a prática da protecção integrada, a qualse constitui obrigatória desde 1 de Janeiro de 2014.

Das apresentações e discussão destaca-se que:

›     o Ministério da Agricultura conta com a participação activa dos vários agentes intervenientes e indicados a participar na execução do planos de acção nacional, designadamente o INIAV, Universidades e Politécnicos, Centros Operativos e Interprofissionais e Organizações de Produtores;
›     a necessidade de dispor de perfis de formação ao nível da pratica da protecção integrada, no que se refere ao aconselhamento, à distribuição, comercialização  e aplicação de produtos fitofarmacêuticos necessários, sendo o ensino superior reconhecido como um agente eficaz nesta formação, desde que se garanta um conjunto de requisitos em termos de planos curriculares e carga lectiva. Esta formação deve ser articulada com o Catálogo Nacional de Qualificações e passível de ser transmitida aos públicos-alvo, nomeadamente técnicos e agricultores.
›     as escolas, ao nível do ensino superior, estão disponíveis e reúnem as competências necessárias para abraçar a formação, embora o ensino da protecção de plantas em Portugal tenha sofrido grande erosão em carga horária nos cursos de agronomia, na sequência do processo de Bolonha . Atualmente, a situação não é a desejável face às necessidades no domínio do saber e outras competências, essenciais ao exercício da profissão de técnico na área da protecção das plantas. Alerta-se, por isso, os responsáveis das várias instituições para uma análise crítica dos conteúdos de protecção das plantas nos actuais cursos de agronomia;
›     a prática da protecção integrada com qualidade está relacionada com o apoio técnico e a análise das situações, não se podendo limitar a tomada de decisão à simples utilização de regras estabelecidas em guias de utilização directa e passiva pelo agricultor;
›     os recursos e o enquadramento para a investigação em Portugal são escassos na área das ciências agrárias no contexto do financiamento nacional, existindo assim a necessidade de alertar os decisores políticos;
›    existem alguns milhares de agricultores, integrados em Associações de Protecção e Produção Integrada, que se encontram organizados, que têm formação em protecção integrada e para as exigências actuais referentes à aplicação de  produtos fitofarmacêuticos, têm apoio técnico regular, e encontram-se em condições de responder ao Plano de Acção Nacional.
›    existem inúmeras evidências de que a prática da proteção integrada vem, claramente, contribuir para o uso sustentável dos pesticidas, através de tecnologias que conduzem a uma efectiva redução da utilização de pesticidas, como por exemplo, a utilização de abelhões em culturas em estufa.
›    a adoção da proteção integrada implica um acréscimo de custos para o agricultor. No entanto, muitos agricultores ajustaram-se já a esse facto, devido à necessidade de ir ao encontro das exigências impostas pelo mercado.

Todavia, os representantes das associações de produtores presentes referiram e reforçaram algumas preocupações comuns:

›    a capacidade nacional de concorrência com outros países mediterrânicos e o resto do mundo poderá ficar debilitada devido às restrições impostas pelas regras da proteção integrada e pela ausência de soluções técnicas, sejam elas pesticidas ou instrumentos de luta biológica ou biotécnica, realidade que difere relativamente a outros países;
›    o investimento nacional em investigação, desenvolvimento e transferência de tecnologia fica muito aquém de outros países europeus, que se encontram muito melhor preparados para este desafio;
›    a existência de diversos constrangimentos técnicos, como a especialização dos agricultores para determinadas culturas (com o aumento do risco para a sua protecção e a dificuldade de proceder a rotações culturais), a desatualização dos manuais técnicos, das listas de pesticidas permitidos com informação sobre os riscos toxicológicos e ecotoxicológicos, assim como a falta de autonomia dos técnicos (virtude dos normativos nacionais), dificultam muitas vezes uma tomada de decisão atempada e efectiva. A falta de técnicos, de informação e de formação, que se tem verificado são outro factor de constrangimento.

De um modo geral, estes intervenientes demonstraram preocupação com as dificuldades e atentaram para o desafio que será incluir, nesta dinâmica, um conjunto vasto de agricultores que se encontra longe desta realidade, sem formação e impreparado tecnicamente para a mesma, considerando o Plano de Acção Nacional demasiado ambicioso face à realidade nacional.

Os representantes de empresas distribuidoras de factores de produção consideram que o setor se encontra preparado para as exigências que decorrem da Lei e do Plano de Acção Nacional, desde 2005, já que nessa altura se iniciou a implementação do Decreto-Lei nº 173/2005, de 21 de Outubro, sobre distribuição, comercialização e aplicação de produtos fitofarmacêuticos, que obrigava à habilitação de operadores de venda e técnicos responsáveis de empresas de distribuição e comercialização de produtos fitofarmacêuticos, ao licenciamento de empresas de distribuição e venda e à venda responsável. No entanto, este sector está preocupado com a retirada de um conjunto vasto de soluções químicas destinadas à protecção das culturas, que irá deixar diversas questões sem resposta e contribuirá para reduzir a capacidade de resposta do agricultor ao mercado global, em particular em culturas extensivas, como o milho ou a batata.

Do ponto de vista dos representantes dos legisladores, foi unânime em considerar que desde a publicação da Directiva n.º 2009/128/CE de 21 de Outubro, até a preparação e entrada em vigor da Lei n.º 26/2013 de 11 de Abril, se perdeu um tempo precioso, que teria sido essencial para o sector se ajustar.

De um modo geral, alguns utilizadores e legisladores consideram que o Governo não se encontrava devidamente informado e capaz para a preparação desta lei, colocando em causa a possibilidade de se caminhar no sentido do uso sustentável dos pesticidas, por dificuldades temporais, técnicas e organizativas. Para outros, a preocupação maior continua a estar relacionada com as dificuldades para o setor agrícola decorrentes da retirada de pesticidas do mercado e, com as exigências associadas à adoção da proteção integrada, que afirmam virá a colocar em causa a actividade dos agricultores e a sua competitividade.

Mas face a tudo isto, será o uso sustentável de Pesticidas, através da adoção da Protecção Integrada, uma questão política? De interesses setoriais? Ou uma questão que diz respeito à sociedade em geral, já que a saúde do ser humano e a qualidade do ambiente são preocupações coletivas e das quais dependem a sustentabilidade das gerações futuras?

Em nosso entender, o uso sustentável dos pesticidas é uma preocupação e uma obrigação comuns, que nos deve unir, com base nas ideias, princípios, conhecimento e experiência, tentando ultrapassar as dificuldades e os interesses que nos opõem.

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