Cogumelos silvestres e a micorrização dos ecossistemas

Cogumelos silvestres e a micorrização dos ecossistemas

Por: Sandra Ferrador e Vânia Pinheiro, Bioinvitro Biotecnologia, Lda.

Os cogumelos silvestres são um recurso natural endógeno que apresenta elevado valor económico, ecológico e gastronómico. Aparecem espontaneamente em diferentes ecossistemas, como é o caso dos soutos, durante a época da Primavera, mas principalmente no Outono. Em algumas zonas do nosso país, como Trás-os-Montes, muitas são as pessoas que se dedicam à apanha desta iguaria para venda ou consumo próprio. Nos últimos anos, tem havido um crescente aumento da procura que contribui de forma significativa para as economias locais, mas tem consequências diretas nos ecossistemas naturais.

A diversidade fúngica produtora de cogumelos que se encontra nos solos, é afetada em grande medida pela apanha sem regras e desenfreada que tem acontecido nas últimas décadas, havendo um reconhecimento por parte de técnicos, investigadores e apanhadores que esta procura pode pôr em causa a curto prazo, a existência de determinadas espécies, principalmente as que apresentam maior valor comercial. No entanto, a diversidade micológica é afetada também pelo crescente abandono das terras em que os ecossistemas se tornam mais densos, pela intensificação do cultivo de algumas espécies, nomeadamente das monoculturas de eucalipto e pinheiro bravo. E, como consequência direta destas práticas culturais, a diversidade micológica é afetada também pelos incêndios. Os cogumelos silvestres não se conseguem cultivar devido à relação de simbiose que estabelecem com os seus hospedeiros, formando micorrizas com determinadas espécies arbóreas e arbustivas [6].  

A micorriza é uma relação simbiótica entre um fungo e a raiz de uma planta e esta prática chama-se micorrização. Os fungos que fazem parte da micorriza colonizam as raízes das plantas e promovem uma extensão da raiz no solo, aumentando a superfície de absorção das raízes cerca de 100 a 1000 vezes.

Devido ao aumento da superfície de contacto, torna mais eficaz a absorção de nutrientes e água fundamentais ao desenvolvimento da planta. Não é apenas devido ao aumento da área de absorção das raízes que as plantas recebem mais nutrientes, mas também devido à libertação de enzimas no solo pelo fungo que degradam nutrientes difíceis de absorver, tais como azoto orgânico, fósforo, ferro, entre outros [2]. Os fungos simbiontes produzem também componentes anti-fúngicos ou induzem na planta a produção de fenóis, ajudando-a a resistir aos ataques de fungos patogénicos. Alguns fungos micorrízicos têm demonstrado capacidade de reduzir a absorção e o transporte de metais pesados (Al, Cd, Cu, Mb, Ni e Zn) nas plantas pela imobilização dos mesmos nas suas paredes celulares, aumentando a resistência dos hospedeiros a locais poluídos. Com esta relação simbiótica, os fungos recebem das plantas os açúcares fundamentais para a sua sobrevivência [3].

As micorrizas podem ser designadas por endomicorrizas ou ectomicorrizas. As endomicorrizas são o tipo mais comum de micorriza, em que o fungo infecta a raiz, crescendo entre as células da mesma, acabando por penetrar individualmente em cada uma das células. As ectomicorrizas caracterizam-se pela existência de uma camada superficial de fungo em volta da raiz, não havendo a penetração do fungo nas células. Em condições ideais, o fungo desenvolve-se, acabando por frutificar e dar origem a cogumelos que surgem junto às árvores [5].

As aplicações práticas das ectomicorrizas podem dividir-se em duas: o melhoramento direto das plantas hospedeiras por fungos pioneiros, através da melhoria das suas condições fisiológicas (sobrevivência ao transplante, aumento das taxas de crescimento, aumento da absorção de água e de nutrientes minerais, com consequente economia na fertilização, aumento da tolerância a agentes patogénicos, entre outros) e a produção de cogumelos comestíveis [1].

Os fungos pioneiros são de grande importância no estabelecimento de novas florestas, sendo a adaptação das plantas ao local uma fase crítica. O êxito está diretamente dependente da capacidade da planta jovem capturar recursos de forma rápida e eficaz. Uma exploração eficaz dos recursos nos primeiros dias de transplante assegura um rápido crescimento, conferindo o vigor necessário para resistir aos agentes patogénicos e sobreviver a stresses abióticos. Se as plantas jovens ficarem sujeitas a grandes períodos de stress, a taxa de sobrevivência é muito reduzida, havendo lugar a replantação com custos elevados.

Mesmo nos casos em que os terrenos contenham inoculo fúngico capaz de infetar eficazmente as plantas, pode ser aconselhável a inoculação, uma vez que lhes permite associarem-se aos fungos mais rapidamente e ainda na sua fase inicial de desenvolvimento [2, 3]. Em plantas produzidas em viveiro, é recomendável introduzir fungos micorrízicos, adaptados às plantas e ao local de transplantação. Deste modo, o trauma de transplante é reduzido ao máximo, baixando a taxa de mortalidade e permite à jovem planta adaptar-se e crescer mais depressa. A disponibilidade de nutrientes, em situações de transplante decai drasticamente, e os benefícios de uma simbiose pré-estabelecida são muito maiores e evidentes. O objetivo final da inoculação com fungos micorrízicos é aumentar a qualidade das plantas de viveiro e melhorar a sua prestação no campo, através de incremento das taxas de sobrevivência e de crescimento.

A maioria dos fungos pioneiros utilizados em micorrização de espécies florestais em viveiros não têm qualquer valor económico em termos gastronómicos, apesar das inúmeras vantagens que apresentam (Pisolithus tinctorius, Laccaria laccata, L. bicolor, Cenoccocum geophillum e Hebeloma crustuliniforme) [1,4].

A produção de cogumelos silvestres comestíveis, por outro lado, está menos desenvolvida, mas têm vindo a ser desenvolvidos trabalhos e cada vez mais com um interesse crescente, para o género Boletus (Boletus edulis, Boletus aestivalis, Boletus aureus e Boletus pinicola) e para a espécie Lactarius deliciosus [1, 4]. A micorrização com Boletus sp está associado a castanheiros, carvalhos, sobreiros, azinheiras, entre outras, com idades superiores a 15 anos, enquanto que a micorrização de Lactarius deliciosus está associada a resinosas a partir dos 7 anos. Tem sido realizada investigação nesta área, em que se tem verificado que o Lactarius deliciosus também pode ser inoculado no momento da plantação, havendo bons resultados de frutificação. Com a micorrização deste tipo de fungos, espera-se que a produção ocorra 2 – 3 anos após a inoculação, no entanto ainda há muitas práticas que são necessárias avaliar e estudar, assim como toda a parte genética e estatística, pois é ainda um tema pouco desenvolvido e onde as produções são difíceis de garantir, para fungos comestíveis.

Quando um proprietário pensar em inocular fungos na sua propriedade deve ter aconselhamento técnico apropriado que o possa ajudar a tomar decisões, isto porque para realizar uma inoculação devem ser analisados diversos parâmetros: a idade do povoamento, a espécie arbórea, o tipo de solo, as práticas culturais efetuadas ou a serem realizadas e a inventariação micológica. Todos os ecossistemas naturais produzem cogumelos, no entanto, as práticas culturais por vezes não são as melhores para o aparecimento dos cogumelos, nomeadamente as lavouras, as adubações intensivas, a densidade de cultivo com copas muito fechadas, o pH do solo, etc. No aconselhamento técnico prestado é obrigatório o conhecimento de todos os parâmetros para a apresentação da melhor solução: produção/conservação, uma vez que se trata de um “cultivo” muito interligado com consequências sérias para todos os intervenientes: solo, planta e fungo [4].

Em Novembro de 2010, a Câmara Municipal de Marvão, no Alentejo, deu início à micorrização de Boletus sp, com o objetivo de beneficiar a simbiose existente entre estes cogumelos e os castanheiros, fomentando outro tipo de produção nos soutos para além da castanha e proteger o castanheiro de certas doenças do sistema radicular e do colo, nomeadamente a doença da tinta.

O processo realizado passou pelo uso de um trator acoplado com um escarificador de 4 dentes. No trator seguiam os recipientes com o inoculo que descia através de mangueiras com torneiras, ligadas aos dentes do escarificador. Este passou entre as linhas dos soutos, junto às árvores a uma pequena profundidade (cerca de 8 cm), enquanto o inoculo era deixado nas aberturas. Estas foram tapadas com um lastro acoplado ao escarificador.

No total foram abrangidos neste projeto 53 hectares distribuídos por 30 parcelas, com uma ocupação de solo dominada por povoamentos de castanheiros adultos conduzidos para a produção da castanha e nenhuma delas produzia a espécie de cogumelos que foi inoculada. Após avaliação dos parâmetros de cada uma das parcelas optou-se pela micorrização dos castanheiros com fungos Boletus sp.. O técnico responsável pelo projeto, o Eng.º Sérgio Trindade acompanhou a inoculação de toda a área e verificou passados 6 meses o aparecimento de Boletus edulis nos locais onde foram realizadas as inoculações (Figura 1), verificou também que na primavera e outono seguintes surgiram esporadicamente em algumas parcelas Boletus edulis, mas em pequena quantidade. Dois anos após a inoculação era esperado maior quantidade de cogumelos, tal não se verificou, muito provavelmente devido às condições climatéricas verificadas nessa época (2011/2012). O outono foi muito seco e quente e o inverno muito frio tendo dificultado o desenvolvimento e a frutificação do fungo. Embora seja sempre dependente das condições climatéricas, espera-se que no corrente ano a frutificação do Boletus sp. surja em maior escala.

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Outros trabalhos têm sido realizados com resultados promissores, no entanto, é nossa convicção que o processo de inoculação deverá começar nos viveiros com fungos pioneiros, preparando e protegendo as plantas logo na fase inicial, dando assim início à sucessão micológica que naturalmente aparecerá à medida que o ecossistema se desenvolva. Em paralelo, e de elevada importância, a regulamentação da apanha deste recurso natural irá ajudar a manutenção da diversidade num setor com elevado potencial sócio-económico.

Bibliografia

  1. Costa, A., Batista, P., Martins, A., data indefinida, “Micorrização in vitro de germinantes de Pinuspinaster”, Instituto Politécnico de Bragança, Portugal.
  2. De la Varga H., Agueda B., Agreda T., Martínez-Peña F., Parladé J., Pera J., 2013, “Seasonal Dynamics of BoletusedulisandLactariusdeliciosusextraradicalmycelium in pine forestsof central Spain”, Mycorrhiza, IRTA, SustainablePlantProtection, Centre de Cabrils, Espanha.
  3. Sanchez-Zabala J., Majada J., Martín-Rodrigues N., Gonzalez-Murua C., Ortega U., Alonso-Graña M., Arana O., Duñabeitia M., 2013, “Physiological aspects underlying the improved outplanting performance of Pinuspinaster Ait. seedlings associated with ectomycorrhizal inoculation”, Mycorrhiza, University of the Basque Country UPV/EHU, Dpto. Biología Vegetal y Ecologia, Espanha.
  4. Marques, G., 2007, “As micorrizas e os cogumelos nos soutos”In Castanheiros.J. G. Laranjo, J. F. Cardoso, E. Portela; C. Abreu (eds). In E. Portela J. F. C. J. G. Laranjo, &C. Abreu (Eds.), Vila Real, Portugal.
  5. www.mycorrhizae.com
  6. www.superinteressante.pt

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