Bolsa Nacional de Terras - Disponibilizar a terra a quem quer investir

Artigo Técnico

Facilitar o acesso à terra, sobretudo aos jovens agricultores, rentabilizar terras subaproveitadas, alavancar a produtividade do território são alguns dos objetivos da Bolsa Nacional de Terras. O projeto está em funcionamento desde maio de 2013 e já cedeu dois mil hectares de terra privada e 750 hectares do Estado estão a concurso. Nuno Russo, coordenador da Bolsa, faz um balanço positivo, mas confessa que é tempo de investir na promoção e conquistar mais terras para esta plataforma de oferta e procura de terras com aptidão agrícola, florestal e silvopastoril.

Nuno Russo

Agronegócios (AN): Desde de 2012 que o Ministério da Agricultura e do Mar (MAM) trabalha na criação de uma Bolsa Nacional de Terras. Desde Maio de 2013 que está operacional. O que é a a Bolsa Nacional de Terras?

Nuno Russo (N.R.): A Bolsa Nacional de Terras foi implementado com o objetivo, principal de facilitar o acesso à terra e facilitar o encontro entre a procura e a oferta de terras. Em 2012, na altura foi identificado um entrave à entrada de novos produtores do setor agroflorestal sobretudo para os jovens agricultores. Esse entrave era o acesso à terra. O Ministério da Agricultura e do Mar começou então a fazer levantamento e identificação de algum património rustico que não estivesse a ser devidamente utilizado ou rentabilizado para o colocar à disposição daqueles que querem investir no setor. É um projeto inovador porque concentra num só espaço, uma plataforma informática, um site, toda a informação relativa a prédios rústicos e mistos com aptidão agrícola, florestal e silvopastoril e com capacidade produtiva para consulta universal e acesso livre para todos aqueles que estejam interessados em investir no setor. É inovador também porque tem uma rede de contatos, que são unidades gestoras operacionais, que nos ajudam a promover e divulgar e prestar esclarecimentos sobre o funcionamento da Bolsa Nacional de Terras, através de entidades que gerem o programa europeu Líder, essencialmente confederações e associações de agricultores.

AN: Como vai funcionar?

N.R.: Qualquer particular que esteja interessado em colocar nesta plataforma as suas terras, têm de aceder ao site da Bolsa de Terras e registar-se. Assim, tem acesso à sua área reservada onde carrega a informação particular e do prédio que pretende rentabilizar para efeitos de arrendamento, venda, contratos de campanha. Essa informação é validade pela entidade gestora da Bolsa de Terras e depois fica visível a qualquer interessado. Quem visitar o site pode fazer a sua pesquisa por área, aptidão. Tratando-se de uma terra particular a negociação é feita diretamente entre o interessado e o proprietário, sem intervenção do Ministério. O que o Ministério está a fazer é facilitar uma ferramenta onde essa informação está disponível.

AN: Com um ano e meio de funcionamento, qual o balanço que faz deste projeto?

N.R.: O balanço é positivo. Mas consideramos que há ainda uma grande necessidade de promoção e divulgação da existência de uma bolsa de terras nacional. Já foram transacionados através da bolsa mais de dois mil hectares, sem contar com as terras do Estado que foram a concurso. Neste momento 15% do total das terras disponibilizadas já foram transacionadas.

AN: Quantos hectares de terra já estão inseridos na Bolsa de Terras? A maioria é do Estado ou privada?

N.R.: A Bolsa de Terras disponibiliza mais de 14 mil hectares. São terras do Estado como de outras entidades públicas, entidades privadas e particulares. O objetivo é alargar a todo o tipo de terras e entidades, como municípios, juntas de freguesia, entidades bancárias, Santa Casa da Misericórdia. Maioritariamente são terras do Estado ou de outras entidades públicas.O Estado quis dar o exemplo e identificar, fazer o levantamento, e disponibilizar essas terras a terceiros. Em termos de áreas, 12 mil hectares são terras do Estado e de outras entidades públicas e o restante são terras privadas. Mas em termos do número de terras já inscritas, são mais as dos privados do que as do Estado. O que acontece é que as terras dos privados disponíveis na Bolsa, embora em maior número, são em menor dimensão. Trata-se de pequenas parcelas. As terras do Estado são em menor número, mas são de maior dimensão.

AN: Mas o objetivo é ter mais terras privadas?

N.R.: O objetivo é ter mais terras privadas e de entidades privadas. Quando a Bolsa Nacional de Terras foi criada, o primeiro dedo apontado é que o Estado tinha de dar o exemplo e que as terras do Estado subaproveitadas, pouco rentabilizadas ou até mesmo abandonadas. Foi, então, lançado há um mês o primeiro concurso para arrendamento das terras do Estado. Foram a concurso 25 prédios, 730 hectares, e tivemos 160 candidaturas. Esperamos até ao final do ano ter o primeiro concurso terminados com as terras cedidas. Estamos a preparar o segundo concurso com terras do Ministério da Agricultura e do Mar. E ainda pretendemos alargar a outros ministérios do Governo que tenham património rústico e não necessitem dessas terras para efeitos da atribuição das suas competências. Esses ministérios poderão utilizar a Bolsa de Terras para as disponibilizar.

AN: Estão previstas medidas para incentivar os proprietários privados a disponibilizar as suas terras?

N.R.: Todo o processo é voluntário. Vamos é tentar sensibilizar para o objetivo da Bolsa de Terras, ou seja, facilitar o acesso à terra aos investidores, combater o abandono das terras, a desertificação do território, promover postos de trabalho, promover a instalação de jovens agricultores, ser um instrumento de estruturação fundiária, de ordenamento do terrirório, de emparcelamento informal, ser uma ferramenta de estimulo à atividade agrícola e alavancar alguma produtividade e riqueza do território. Sabemos que nem todos são sensíveis a estas questões por isso há também a necessidade de antever alguns incentivos fiscais de modo a promover a adesão. Existem já alguns em funcionamento. O principal, e aquele que tem sido utilizado, é uma redução de 75% dos custos emolumentares pagos pelos registos e qualquer alteração do registo dos prédios junto das conservatórias. A própria Bolsa de Terras tem uma taxa de gestão de funcionamento, que está suspensa até maio de 2015. Existe um outro incentivo fiscal previsto na legislação, mas que ainda não está em vigor.Trata-se de uma redução, ou até mesmo isenção do IMI [Imposto Municipal sobre Imóveis], para terras disponibilizadas na bolsa. Esta ideia está dependente de duas situações. Por um lado, o término da assitência financeira a Portugal e, por outro, é necessário reavaliar os prédios rústicos, Isto obriga à publicação de uma portaria pela parte do Ministério das Finanças. E antes disso de uma decisão política.

AN: Este projeto contribuiu também para realizar um cadastro nacional de proprietários de terra?

N.R.: Sim. Através da Bolsa de Terras é possível fazer um maior conhecimento

do território português em termos de disponibilidade de terra para efeitos de produção, quer seja agrícola, florestal ou silvopastoril. A Bolsa de Terras de alguma forma pode contribuir para a realização desse cadastro através da informação que é recolhida nesta plataforma eletrónica.

AN: Quais os critérios que devem ser cumpridos para aderir a uma terra inscrita na Bolsa? E para a inscrever?

N.R.: O nosso principal objetivo é que as terras tenham aptidão agrícola, florestal, silvopastoril e com potencial produtivo. O único documento necessário para inscrição é a caderneta predial do prédio rústico regularizada. Depois é necessário disponibilizar identificação, caraterização e localização do prédio e até identificação de alguns condicionantes de utilização do prédio. Essa informação é validada. Em casos necessários, deve ser validada documentalmente pelas entidades gestoras operacionais da Bolsa de Terra. Caso haja alguma dúvida poderá haver uma verificação in loco relativamente às caraterísticas da terra. Os principais critérios de preferência para atribuição são disponibilidade de terras para jovens, possibilidade de aquisição de terras confinantes para aumentar a área média da exploração, membros de organizações de produtores, e confederações, sociedades agrícolas e projetos ligados à agricultura biológica ou de proteção integrada. As terras do Estado só podem sair da Bolsa via concurso público. Quando se trata de terras privadas, a negociação é direta. A única coisa exigida é que quando a terra for cedida nos dêem conhecimento para que essa terra seja retirada da Bolsa e que nos informe do valor da venda ou arrendamento para efeitos estatísticos. Queremos criar indicadores sobre o mercado fundiário.

AN: Haverá um acompanhamento do bom uso dessa terra? Em que medida?

N.R.: Em relação às terras do Estado sim. Após atribuição a terceiros, será celebrado contrato de arrendamento onde ficam estabelecidas as condições da proposta apresentada, o uso daquela terra e mesmo as condicionantes. A entidade gestora da Bolsa de Terras, que a Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, vai acompanhar e observar o cumprimento do próprio contrato.

AN: No que diz respeito, por exemplo, à floresta, não basta colocar a terra ao dispor. Há inúmeros riscos associados a esta exploração como o mercado, onde a concorrência é muita, custos dos serviços silvícolas, combustíveis e energia. Como pode o Ministério criar mais condições aos investidores?

N.R.: A maioria da terra disponibilizada neste momento é terra florestal. Isto resulta da empresa do Estado, Lazer e Florestal, que tem como competência a gestão do património agroflorestal do Estado e grande parte das suas propriedades são com aptidão florestal. Em termos da área florestal existem situações que poderão ser benéficas pela sua utilização da mesma forma que as parcelas agrícolas, pela questão dos confinantes. As pequenas parcelas florestais poderão ter uma possibilidade de aumentar a área se conhecermos que elas estão diponíveis para venda ou arrendamento.

AN: Paulo Pimenta de Castro, presidente da Acréscimo - Associação de Promoção ao Investimento Florestal, referia numa entrevista, que a «quase totalidade das áreas de aptidão florestal incluídas na Bolsa não apresenta condições susceptíveis a negócios rentáveis associados às espécies de rápido crescimento, como o eucalipto». Como comenta?

N.R.: Embora esteja atento à imprensa e todos os comentários relativos ao funcionamento e gestão da Bolsa Nacional de Terras, não conhecia essa posição. Posso dizer que quem proferiu essas declarações não tem um conhecimento cabal de todas as terras disponíveis na Bolsa. Aquilo que verificamos é que grande parte da área florestal disponível na bolsa já está implantada. Poderá ter necessidade de investimento, melhorias, para a produzir de outra forma. Lamento que se façam declarações sem conhecimento de causa. Neste concurso de terras do Estado apenas foi uma área florestal a concurso. É uma área de 300 hectares de pinheiro manso que tem plano de gestão florestal que tem de ser cumprido de acordo com as condições estabelecidas.

AN: Qual a entidade que vai fazer a gestão da Bolsa de Terras?

N.R.: A Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural é a entidade gestora da Bolsa Nacional de terras. Existe um coordenador, eu, que faz a articulação com a entidade gestora e que faz acompanhamento do funcionamento sistemático e proativo da gestão da bolsa. Existe um grupo de acompanhamento da bolsa, coordenado por mim, onde estão as 16 entidades Líder que são parceiras da Bolsa de Terra juntamente com a Direção Regional de Agricultura e Pescas. Essas 16 entidades candidataram-se para ajudar a gerir a bolsa de terras no território. Seria impossível gerir tudo a partir de Lisboa. Essas 16 entidades têm as suas associadas que resultam em 233 entidades gestoras operacionais no terreno. Essencialmente são confederações ligadas à agricultura, florestas e regadio, a Federação Minha Terra, que tem as associações de desenvolvimento local, a associação ACTUAR, a Câmara dos Soliciatores e a Câmara Agrícola Lusófona. Estas entidades foram acreditadas e tiveram alguma formação por parte da entidade gestora da Bolsa de Terras para prestar todo o tipo de esclarecimento sobre o funcionamento, ajudar os proprietários, com dificuldade de acesso aos meios tecnológicos, e de promover e dinamizar a Bolsa de Terras. É um sistema de funcionamento em rede que se pretende que seja muito dinâmico e proativo.

AN: Qual o investimento feito pelo Ministério da Agricultura para colocar este projecto em marcha? E qual o retorno que estima ter?

N.R.: O investimento foi a «prata da casa» a funcionar. O coordenador não tem equipa. Todo o site foi feito com recursos próprios da Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural. Foi utilizado o orçamento da direção e os seus recursos humanos. Depois socorremo-nos das outras entidades que se candidataram para ajudar a fazer a promoção da Bolsa. Não temos qualquer orçamento próprio. Para o ano, se existirem condições, queremos candidatar a Bolsa de Terras no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 para termos verba disponível para o funcionamento da própria bolsa e também para promoção e divulgação condigna da Bolsa no terreno.

AN: Este projeto vai também permitir conhecer melhor a exploração agrícola e florestal em Portugal?

N.R.: Essa é outra competência da Bolsa Nacional de Terras. Queremos recolher informação sobre valores de arrendamento ou de venda dos prédios rústicos ou mistos, para que se comecem a fazer relatórios e a produzir indicadores relativamente ao mercado rural fundiários e à mobilização de terras a nível nacional. Iremos analisar e emitir informação, com acesso público, sobre mercado rural fundiário.

AN: Desde que está em funcionamento da Bolsa de terras, quantos inscritos já há e quantos já tiveram acesso à terra?

N.R.: Os distritos que se destacam em termos de área disponibilizada são os distritos de Beja e Évora [Alentejo devido à barragem do Alqueva. Naquela área, há terras tanto de privados, como de entidades públicas, em particular da EDIA, empresa que gere o empreendimento do Alqueva. Em seguida, está o distrito de Castelo Branco. Também aqui há um número considerável de terrenos disponíveis e isso resulta de a empresa Lazer e Floresta ter grande parte das suas terras nesta região. O objetivo é que todos os distritos tenham terras disponíveis na Bolsa.

AN: Quais os projetos que têm sido implementados? Há alguma cultura que se destaque por ser mais frequente?

N.R.: Os dois mil hectares já transacionados são terras privadas e não temos o registo das culturas que vão ser feitas. Não pedimos essa informação porque achámos que seria entrar numa área de interesse pessoal. No que diz respeito aos 750 hectares de terras do Estado que foram a concurso, como o processo ainda está a decorrer, não posso adiantar essa informação. Mas como há um projeto apresentado no concurso público, sabemos sim quais as culturas que serão feitas.

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