Baixo Alentejo: «O modelo das Organizações de Produtores deverá ser estimulado»

A Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM) trabalha há 35 anos o território em várias valências, com destaque para a Agricultura e o Mundo Rural. É desta estratégia de desenvolvimento local que fala Jorge Revez, presidente da ADPM, em entrevista ao Agronegócios. Uma aposta que passa pela utilização dos produtos locais, identitários do território, dos recursos naturais, da paisagem, do saber-fazer». No Baixo Alentejo, a agricultura assenta em dois modelos diferentes: sequeiro e regadio. Ambos, defende o responsável, «importantes no esforço de manutenção de um espaço rural vivo, que consiga, gerando riqueza, fixar as suas gentes, de forma sustentável e sem comprometer o futuro».

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Agronegócios: Comecemos pelo trabalho desenvolvido pela ADMP, criada em 1980. Como evoluiu a associação até aos dias de hoje e onde se posiciona atualmente ao nível da promoção do território e do desenvolvimento local?

Jorge Revez: A ADPM ao longo dos 35 anos tem vindo a concretizar processos de desenvolvimento, quer em Portugal quer em países em vias de desenvolvimento assentes em dois eixos fundamentais: por um lado assentando nos recursos endógenos dos territórios onde decorre a intervenção e, por outro, na capacitação dos seus recursos humanos e das organizações. De facto, os recursos locais constituem-se como boas alavancas para construir “ideias” de intervenção territorial, e simultaneamente, aumentar a autoestima e a identidade com o território, aspetos decisivos no desenvolvimento local e regional. A capacitação, entre outros aspetos, contribui particularmente para a apropriação pelas comunidades locais do seu próprio processo de desenvolvimento, aspeto que é particularmente caro para a ADPM, no pressuposto de que é desse desiderato que dependerá a sustentabilidade de qualquer processo de desenvolvimento. A ADPM evoluiu na medida e da forma que melhor foi encontrando para melhor dar resposta aos desafios que, nas últimas três décadas e meia se foram colocando, particularmente nos territórios rurais, fazendo convergir a valorização do ambiente, do património, da cultura, dos recursos silvestres, entre outros, na dinamização económica social e cultural dos territórios e das comunidades.

AN: A Agricultura e o Mundo Rural são duas áreas onde a associação atua. Fale-me um pouco da forma de intervir da associação nesta matéria.

JR: A região do Baixo Alentejo é, à semelhança da maioria das outras zonas rurais, predominantemente agrícola. Nesse sentido qualquer estratégia que se defina para estes territórios tem necessariamente que contemplar esta atividade como motor de desenvolvimento económico e social. Para a ADPM a estratégia de ligação entre a Agricultura e o Mundo Rural passa pela utilização dos produtos locais, dos produtos identitários do território, dos recursos naturais, da paisagem, do saber-fazer como motores para o desenvolvimento, para criação de ideia, de projetos, de negócios e de bem-estar. Exemplificando uma destas estratégias desenvolvida recentemente foi a Estratégia de Eficiência Coletiva “Valorização dos Recursos Silvestres do Mediterrâneo” (PROVERE). Esta foi concebida através de uma metodologia participada em que Municípios, Associações de Desenvolvimento, Institutos de Investigação e Ensino, agentes económicos e população em geral, que colaboraram ativamente para a delineação de uma estratégia inovadora baseada na valorização de recursos endógenos de grande potencial no território de intervenção: os recursos silvestres (plantas aromáticas e medicinais, mel, medronho, figo-da-índia, alfarroba, cogumelos…) Este processo visou o desenvolvimento de uma estratégia alternativa para os territórios de baixa densidade, na sua maioria ameaçadas pelo despovoamento, economicamente deprimidas, como o caso da maioria dos territórios do Baixo Alentejo e da Serra Algarvia. Essa estratégia passa pela valorização dos recursos silvestres através da aplicação das novas tecnologias de produção ao seu contexto real, com o intuito de gerar valor económico e revitalizar a economia e por sua vez contribuir para a atratividade dessas regiões, de forma a assegurar um reforço da coesão territorial e social, pilar fundamental do desenvolvimento nacional. Com a necessidade de consolidar a rede criada através da Estratégia de Eficiência Coletiva (EEC) Valorização dos Recursos Silvestres do Mediterrâneo, surge mais tarde o projeto “Recursos Silvestres do Alentejo, da promoção das fileiras à afirmação da região”, satisfazendo os novos desafios encontrados, numa perspetiva de promoção conjunta das fileiras inovadoras associadas aos recursos silvestres do Alentejo através de ações específicas de promoção, capacitação, informação e apoio ao desenvolvimento.

AN: Qual é a realidade atual da Agricultura no Baixo Alentejo e nomeadamente na área de intervenção da associação?

JR: A agricultura do Baixo Alentejo é marcada, neste momento, por alguma polarização entre uma agricultura de regadio, acantonada nas terras mais férteis e muito associada ao EFMA, e a agricultura de sequeiro que se estende pela grande maioria do território. Este território do sequeiro é também um território marcado pelo despovoamento e por uma economia com alguma fragilidade, razões que aconselham prudência no que toca às medidas de política agrícola aplicáveis a esta realidade. Se, por um lado, e pela sua óbvia capacidade de criação de riqueza, não se poderá deixar de investir no regadio, há que, simultaneamente, não desproteger os sistemas de agricultura associados ao sequeiro. A importância destes sistemas passa, antes de mais, pela sua própria capacidade de criação de riqueza e pelo facto de essa riqueza ser gerada em territórios com fragilidades económicas e, portanto, dela grandemente necessitados. Por outro lado, a atividade económica gerada pela agricultura contribui para contrariar a tendência de despovoamento referida, gerando emprego e canalizando recursos económicos para quem nela trabalha. Por último, e por ocupar, como referimos, a esmagadora maioria do território, a agricultura de sequeiro tem também a seu cargo a salvaguarda e a conservação dos recursos naturais e de um conjunto de valores de conservação aos quais a sociedade atribui um elevado significado e valor. Em resumo, a agricultura desta região assenta em dois modelos significativamente diferentes - sequeiro e regadio -, mas ambos importantes no esforço de manutenção de um espaço rural vivo, que consiga, gerando riqueza, fixar as suas gentes, de forma sustentável, ou seja, sem comprometer o futuro.

PAC e OP’S

AN: Quais as principais dificuldades dos agricultores e quais as suas maiores necessidades?

JR: Os agricultores, não só os baixo-alentejanos, movimentam-se num edifício regulamentar de extrema complexidade - a Política Agrícola Comum (PAC). As transferências financeiras decorrentes da aplicação das regras da PAC são de capital importância na formação do rendimento das explorações agrícolas, pelo que será muito importante a consolidação de um quadro regulamentar estável e previsível, que possibilite aos agricultores planear convenientemente as suas estratégias de médio-longo prazo. A importância das ajudas comunitárias para a economia das explorações agrícolas não deve contudo adormecer a necessidade de melhoria constante dos processos produtivos dessas mesmas explorações, pelo que será de toda a utilidade que sejam disponibilizados aos agricultores serviços de apoio técnico focados precisamente nesta problemática: produzir bem. Embora o Estado possa ter uma ação facilitadora a este nível, é às estruturas associativas da agricultura que compete o papel primordial na disponibilização dos referidos serviços. Por último, e como qualquer setor da economia, os agricultores necessitam de organização, principalmente para a colocação dos seus produtos no mercado. O modelo das Organizações de Produtores (OP’s)deverá ser estimulado e, eventualmente, aperfeiçoado, por forma a dotar o setor de capacidade negocial, junto da distribuição, particularmente da grande distribuição, e de capacidade de informação e intervenção junto daquele que, em última análise, é o destinatário último da produção: o consumidor.

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Jorge Revez, presidente da ADPM

AN: É fundamental o contributo da Agricultura para a economia local? Em que medida?

JR: O contributo da agricultura decorre da sua natureza de atividade económica que, como outras, ao longo do seu processo produtivo, utiliza e remunera os prestadores de serviços locais e o comércio local, gerando atividade económica que se propaga por outros setores da economia local. Paralelamente gera emprego, que, além de proporcionar um estímulo para a atividade económica local, é um dos vetores fundamentais para contrariar a tendência de despovoamento que se observa nesta região. Outra dimensão do contributo da agricultura para a economia local prende-se com a já referida salvaguarda e conservação dos recursos naturais que, por um lado, assegura condições de continuidade futura da própria agricultura enquanto atividade económica e, por outro, cria novas oportunidades para a economia local, de que é exemplo maior o turismo.

AN: Sei que organizaram os Ciclos de Agricultura em Mértola, iniciativa destinada aos agricultores do concelho. Quais os objetivos da mesma?

JR: O Ciclo de Encontros sobre Agricultura em Mértola teve como objetivos divulgar, junto dos agricultores, os resultados do projeto “Valorização e Requalificação Ambiental do Campo Experimental de Vale Formoso”, promovido pela ADPM e co-financiado pelo INALENTEJO, e contou com a presença de oradores de diversas entidades, nomeadamente, da Terraprima, da Escola Superior Agrária de Beja, do Gabinete de Planeamento de Politicas e do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária. Este projeto visou dar um forte contributo para o desenvolvimento urgente e efetivo de estratégias de mitigação do problema da desertificação dos solos, no sentido de combater a degradação dos recursos naturais que servem de lastro à vida na Terra e de minimizar os seus efeitos negativos, agravados pelas alterações climáticas, proporcionando uma iniciativa de desenvolvimento local assente em preceitos de integração e sustentabilidade onde a componente ambiental assume um papel singular e relevante para a área do Parque Natural do Vale do Guadiana e com capacidade de ser replicado em outros territórios.

Investigação e apoio à produção

AN: Que outros projetos ligados à Agricultura tem desenvolvido a ADPM? Fale-me um pouco deles.

JR: A ADPM tem, ao longo dos anos, desenvolvido diversos projetos ligados à Agricultura, que vão desde a investigação, ao apoio à produção ou mesmo o apoio à comercialização:

►2009/2010 – “RUMUS - Boas Práticas Agrosilvopastoris para o Vale do Guadiana”, projeto que visou desenvolver junto dos agricultores do Vale do Guadiana um conjunto de ações relacionadas com as atividades agrosilvopastoris numa visão de sustentabilidade das pastagens bio diversas por um lado, e por outro lado, a manutenção do património genético aliado aos pequenos ruminantes.

► 2010/2013 – “FORCLIMADAPT – AdaptationofMediterraneanWoodlands to ClimateChangeEffects”, foi um projeto que contou com oito parceiros de cinco países da União Europeia e com o objetivo de implementar ações de adaptação às alterações climáticas nos espaços florestais.

►2010/2013 – Valorização e Requalificação Ambiental do Campo Experimental de Vale Formoso, é um projeto através do qual se pretendeu intervir e potenciar a capacidade do centro enquanto centro de erosão e de boas práticas agrícolas.

► 2011/2013 - Estratégia para o Desenvolvimento e Promoção da Fileira dos Recursos Micológicos do Baixo Alentejo; No Baixo Alentejo a abundância, a tradição associada aos recursos micológicos e o elevado valor gastronómico destes, levaram a ADPM a apostar na estruturação de um circuito organizado de comercialização para estes produtos tão excecionais. O objetivo é dar a conhecer duas espécies, a silarca (Amanita ponderosa) e a trufa de Mértola (Choiromycesgangliformis) permitindo assim fechar um circuito que já foi iniciado, com ações de gestão nas propriedades, formação para gestores e apanhadores, realização de materiais promocionais, entre outros.

► 2015/2016 – “Agricultura para o Futuro - Programa ACCOR para Portugal” financiado pela cadeia de hotéis ACCOR em Portugal é uma iniciativa coordenada pela ADPM que visa incentivar a instalação de novas culturas num modelo agroflorestal e promover a conservação de biodiversidade nos espaços agrícola através do donativo de 5.000 árvores a agricultores da região. Está prevista a plantação de cerca de 3740 árvores (entre romãzeiras, amendoeiras, oliveiras, azinheiras, etc.) e 1900 plantas (como alecrim, rosmaninho, murta, entre outras) numa área de cerca de 18 hectares.

► 2015/2016 - AdapForChange - Melhorar o sucesso da reflorestação em zonas semiáridas: adaptação ao cenário de alterações climáticas; A recente expansão do clima semiárido a todo o Alentejo e o crescente impacto das alterações climáticas exigem adaptação local. O aumento da floresta autóctone representa uma estratégia ao nível do ecossistema pois aumenta a resiliência e os serviços de ecossistema e diminuir a suscetibilidade à desertificação. O objetivo do AdaptForChange é diminuir o custo-benefício das reflorestações através de uma abordagem inovadora.

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AN: Quais são os principais desafios que se colocam à Associação no futuro?

JR: Os desafios futuros distribuem-se entre os estrangulamentos inerentes às Organizações da Sociedade Civil que operam nos territórios de baixa densidade e, por norma, longe dos centros de decisão, e os que se relacionam com as políticas públicas que enquadram os processos de desenvolvimento territorial. No que se refere ao primeiro aspeto, é determinante no futuro próximo, encontrar e cativar recursos humanos qualificados, capacitados e motivados para um trabalho, cujos resultados dependem em larga medida da determinação, perseverança e dedicação a causas que levam tempo a concretizar (o desenvolvimento local precisa de tempo para dar frutos) e que, por outro lado, tem de ser construído todos os dias e junto das comunidades, isto é, no interior do país. Trabalhar nestas OSC, assume por isso, quase sempre um espírito de missão e que precisa de convergir entre a teoria e a prática, entre o ensinar e aprender, entre o tradicional e a inovação, entre o conhecimento adquirido geração após geração e o conhecimento científico. E, por norma, a academia não prepara convenientemente para este perfil de profissão e daí muitas vezes a dificuldade de motivar recursos humanos qualificados para este tipo de organizações. Por outro lado, pese embora os resultados alcançados ao longo dos anos, e que em muitos territórios foram decisivos para um processo de desenvolvimento integrado e sustentável - como é o caso de Mértola - a verdade é que as políticas públicas que ajustam o desenvolvimento local e regional continuam pouco precisas, demasiado formatadas e sem atender às especificidades quer dos territórios quer das comunidades que habitam esses territórios, acabando por este tipo de processos de desenvolvimento ser tratado como um pilar menor na construção do desenvolvimento e progresso das regiões. Os desafios passam assim por conseguir alterar muitas destas lacunas, por criar e consolidar redes, por consubstanciar ainda mais a ligação do trabalho dia-a-dia com o território e os seus recursos e atividades e, sobretudo, fazê-lo com os residentes locais: os agricultores, os proprietários rurais, os empresários, os jovens, os idosos, os desempregados. 

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