Agroalimentar português: que futuro?

O atual Governo, através da tutela do Ministério da Agricultura e Mar (MAM), lançou, pela primeira vez, uma Estratégia ligada ao agroalimentar. Fomos perceber, em final de legislatura, o que foi feito, o que mudou e os desafios que esperam a um setor que, em 2014, valeu 6 mil milhões de euros em exportações, com um crescimento de 7,7%, face a 2013. Nuno Vieira e Brito, secretário de Estado da Alimentação e Investigação Agroalimentar fala ao Agronegócios da herança dos últimos quatro anos. A oposição (PCP e PAN – Pessoas, Animais e Natureza) rebatem.

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O secretário de Estado da Alimentação e Investigação Agroalimentar salienta que para uma maior competitividade no setor em Portugal, «torna-se fundamental um forte investimento em I&D+i e uma estratégia que incorpore objetivos e linhas de ação».

Neste sentido, diz, «para além de uma importante e necessária reestruturação dos Laboratórios de Estado (tendo em vista o seu papel de referência e a autonomia nacional em questões de segurança alimentar), promoveu-se uma política de inovação suportada em sete eixos estratégicos que deverão ser priorizados: a produção de alimentos, os recursos genéticos vegetal e biotecnologia, a sustentabilidade e competitividade dos povoamentos e ecossistemas florestais, os solos (na sua vertente da conservação, água, fertilização e nutrição mineral), a fitotecnia, a produção animal e, por fim a adaptação às alterações climáticas dos sistemas agrícolas e florestais», enumera. Em todos estes eixos, «encontraram-se linhas de trabalho que, de forma objetiva e aplicada, possa trazer valor à agricultura e agroalimentar português», acrescenta Nuno Vieira e Brito.

O governante diz que se desenvolveram igualmente «ações e intervenções que permitam uma maior política de informação e articulação entre entidades, considerado um dos maiores estrangulamentos para o conhecimento e para a economia, bem como se estimulou a criação de centros de competência para o agroalimentar e florestal, que em rede e numa forma a constituir pelos parceiros, desenvolvam em conjunto (instituições do sistema científico nacional, empresas, agricultores, autarquias e o ministério) projetos inovadores, desenvolvidos em tempo adequado, que correspondam às necessidades reais dos agricultores e das empresas, em última análise do país».

A oportunidade desta estratégia «suporta-se, igualmente, no novo enquadramento que surge perante os novos quadros comunitários, sejam eles o PDR 2020 (com mais de 100 milhões de euros em conhecimento e inovação) ou o “Portugal 2020”, que complementa a enorme disponibilidade do Horizonte 2020, totalizando cerca de 77 mil milhões de euros, que Portugal é, obviamente, impelido a participar ativamente».

Mas como criar valor? À pergunta, o secretário de Estado responde: «um bom indicador desta criação de valor é, certamente, mensurável no inúmero reconhecimento nacional e internacional, em matéria de inovação, que os produtos portugueses têm tido nos diferentes fóruns a que se apresentam. Para além da sua própria distinção, reforçam a notoriedade dos produtos portugueses e alargam, num mundo profundamente competitivo, as potencialidades de todo o setor agroalimentar».

Para esta diferenciação, «tão importante num país que não é reconhecido como produtor de quantidade, é determinante conhecimento, investigação, inovação em domínios que podem ser tão diversos como o próprio produto e as suas matérias-primas ou a próprio apresentação, embalagem ou marketing», vinca. E, nestes últimos anos, «fruto da maior preocupação no agroalimentar, da maior qualificação dos seus agentes, das exigências de consumidores cada vez mais informados, a evolução tem sido intensa e realizada não só pelos organismos de administração pública como pelas próprias empresas», afiança Nuno Vieira e Brito.

Numa análise nacional e global, o governante destaca «os bons resultados» obtidos em 2014, em que, «em Inovação, de acordo com o European Innovation Scoreboard, Portugal cresceu 3,9% e em Competitividade, o país que mais subiu no ranking mundial (15 lugares: de 51.º para 36.º). São sinais positivos que se transformam em mais e melhor agroalimentar», lembra.

Segurança alimentar

Sobre a questão da segurança alimentar, Nuno Vieira e Brito salienta que esta é «uma matéria-chave e decisiva» numa produção e transformação global que se preocupa com os consumidores. Neste sentido, realça a criação da Comissão de Segurança Alimentar, que «engloba todos os parceiros envolvidos na cadeia alimentar e com uma abrangência nacional, que de forma regular reúne, analisa os temas mais relevantes e propõe estratégias, como o recentemente criado Plano Nacional para a Gestão de Crises Alimentares».

«Ao longo de toda a cadeia alimentar, na sua área de atuação, tem existido um profundo investimento nesta temática e o próprio MAM, através do seu Laboratório Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, investiu em recursos humanos, instalações e equipamentos, no sentido de uma resposta rápida, seja ela motivada por controlos de rotina ou por situações que necessitam de maior profundidade e conhecimento.

Igualmente, foram celebrados um conjunto importante de MoU (memorandos de entendimento) com diferentes países que estimularam a cooperação e transferência de conhecimentos entre os diferentes países e que são, simultaneamente, uma garantia de qualidade e segurança dos produtos agroalimentares portugueses», sustenta.

E acrescenta: «Portugal necessita, pois, continuar este esforço e cooperação entre entidades relativamente a segurança alimentar, para que o seu estatuto, reconhecido nacional e internacionalmente, seja uma referência nacional».

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Nuno Vieira e Brito (segundo, a contar da direita)

Sobre a preparação dos agricultores para concretizar esta estratégia, em articulação com o processo de produção e as empresas, Nuno Vieira e Brito afirma que «o papel do Governo, neste como em outros setores, é o da criação de políticas, estratégias e mecanismos que permitam aos produtores e às empresas o seu desenvolvimento e criação de valor, de uma forma sustentável e eficaz».

Nesse contexto, o MAM «implementou uma estratégia que assenta fundamentalmente em quatro pilares, os chamados 4I´s: o Investimento, a Industrialização, a Inovação e a Internacionalização».

Para o secretário de Estado, «o setor agrícola tem registado cada vez mais adesão por parte dos jovens, uma geração altamente qualificada, que através da sua formação, muitas vezes transversais em domínios de conhecimento, tem trazido novas perspetivas, diferentes abordagens, mais inovação e uma atitude no setor que engloba desde a produção até à comercialização, com preocupações técnicas produtivas, de gestão e de sustentabilidade ambiental».

Com efeito, recorda, «mais de 8633 jovens agricultores foram instalados no anterior PRODER, num valor total do investimento apoiado de 1088 milhões de euros, a que correspondem 664,5 milhões de euros de Despesa Pública, com a manutenção e, mesmo, reforço dos valores no PDR 2020, num forte apelo aos jovens agricultores». «É, pois, um sinal de confiança no Futuro da agricultura e do agroalimentar e um exemplo do caminho certo realizado pelo MAM, nestes quatro anos», afiança.

Nuno Vieira e Brito lembra que, na sua estratégia de internacionalização, Portugal tem procurado «abrir novos mercados», promovendo acordos fitossanitários (SPS) para que as empresas e produtos portugueses «possam chegar onde ambicionam as suas próprias estratégias de internacionalização».

«Esforço intenso que permitiu trabalhar em mais de 80 novos países e abrir mais de 209 produtos e/ou grupos de produtos e negociar mais de 270 certificados sanitários em todos os continentes», diz, lembrando que o nosso país tem uma proximidade comercial muito intensa com quatro países da UE (Espanha, França, Reino Unido e Alemanha), sendo que Espanha corresponde a cerca de 1/3 das nossas exportações (por vezes, reexportadas para outros destinos), bem como com dois países terceiros (de fora da UE), mas que correspondem ao espaço da lusofonia, Angola e Brasil.

Por outro lado, «as próprias características dos produtos, bem como a sua capacidade de oferta, condiciona, igualmente, a estratégia das empresas agrícolas e agroalimentares, devendo a política do MAM ser a de promoção e valorização destes produtos, reduzindo custos de contexto e promovendo uma política de qualidade e segurança alimentar. Todavia, com as empresas e olhando oportunidades, desenvolve-se uma estratégia de internacionalização do agroalimentar que, em função dos produtos e da estratégia, tem olhado para novos mercados e novas geografias».

O Extremo Oriente (em particular China, Japão, Coreia do Sul e Vietname) é outro mercado importante onde o Governo intensificou a presença para novos produtos, «seja na área animal seja na área vegetal, que permitiu a abertura do mercado de leite e laticínios ou de renegociação de certificados dos produtos do mar na China ou a de carne de porco e carne de aves no Japão, permitindo iniciar exportações destes produtos e continuar o crescimento das exportações portuguesas».

Outros produtos encontram-se em fase de conclusão, como a carne de porco na China e Coreia do Sul, produtos de origem animal no Vietname, arroz, equídeos, uvas ou citrinas na China, entre muitos outros dossiers que igualmente foram apresentados.

tomate

Ao Brasil, Venezuela, parceiros importantes na América Latina, juntam-se esforços de abertura de mercado em países como o México, Colômbia, Peru, Chile ou Argentina. «Esforço já concluído ou em fase de conclusão, que permite novos mercados à fruticultura portuguesa (em especial a pera rocha), mas igualmente a outros produtos importantes como carne de porco e derivados ou laticínios», afirma o governante.

Centros de competência

Sobre os Centros de Competência (CC), Nuno Vieira e Brito realça que os mesmos pretendem agrupar numa rede de conhecimento temático, «com todas as entidades diretamente relacionadas com o conhecimento, desde a produção à transformação, com o apoio das entidades do sistema científico e tecnológico nacional e parcerias estruturantes, como as autarquias».

«Estas estruturas, que agregam na mesma entidade produtores, indústria, associações, sistema científico e tecnológico nacional (SCTN) e as autarquias, são relevantes para a resposta a desafios estratégicos crescentes colocados pelos mercados, projetando massa crítica para a criação de valor dentro das fileiras e permitindo dinamizar a passagem da investigação agrícola e agroindustrial para os agentes económicos».

O que se pretende «é que de forma coordenada e aplicada, com objetivos bem determinados e quantificados, próximos das preocupações da produção e em que o valor da investigação e inovação, seja transformada em desenvolvimento e crescimento, aumentando competitividade».

«Pretende-se que todos os interessados se juntem numa definição de agenda comum de investigação, sem duplicações e num enquadramento temporal que seja particularmente útil para os agricultores e empresas», acrescenta.

Recorde-se que presentemente, e em diferentes fases de desenvolvimento, mas com a assinatura de acordos de parceria existem os CC da Indústria do Tomate, do Sobreiro e da Cortiça, dos Frutos Secos, do Mel e da Biodiversidade, do Pinheiro Manso, do Pinheiro Bravo, do Porco Alentejano e da Lã.

Setor valeu €6 mil milhões em 2014

Nuno Vieira e Brito refere que o setor agroalimentar, em 2014, obteve o valor recorde de exportações de 6 mil milhões de euros, com um crescimento de 7,7%, face a 2013, «sendo que as exportações para países terceiros totalizaram 2 mil milhões de euros, um aumento de 7% face a 2013, comparativamente ao crescimento das exportações para o espaço comunitário de 8,3% face a 2013».

«Se considerarmos um período de tempo mais lato, constatamos a importância deste crescimento, com um aumento global de cerca de 25% desde 2011 (mais de mil milhões de euros de aumento) e de +31% para países terceiros (+500 milhões de euros). Comparativamente entre períodos (de 2005-2011 e 2011-2014), a evolução média anual das exportações do agroalimentar é notória, quer para os países da UE (3,5 mil milhões de euros/ano versus 5,5 mil milhões de euros/ano) quer para Países Terceiros (950 milhões de euros/ano versus 1,8 mil milhões de euros/ano), demonstrando o bom momento e a sustentabilidade de crescimento das exportações desde 2011», informa.

«Se avaliarmos com algum detalhe, constatamos, nos últimos quatro anos, um aumento de exportação em todos os principais grupos de produtos (Azeite – 131%, Carne de Porco e Derivados –78%, Fruta –63%, Carne de Aves e Derivados –55%, Hortofrutícolas – 45%, Carne de Bovino e Derivados –41%, Produtos do Mar – 30%, Vinho – 19%, Leite e Lacticínios – 15%, entre outros)», acrescenta.

Os últimos valores disponibilizados, referentes ao primeiro semestre de 2015, «são também bastante animadores, confirmando a tendência positiva de crescimento do agroalimentar, dado que no primeiro semestre de este ano, Portugal exportou cerca 3 mil milhões de euros no setor agroalimentar, o que representa um crescimento de 7% face ao período homólogo (+ 193.316.685€)».

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Nuno Vieira e Brito recorda, em jeito de balanço, que em 2011 e início de 2012, a «situação era extraordinariamente grave», por dificuldades financeiras e «incapacidade de resposta laboratorial, inclusive perante as obrigações comunitárias».

«Foi necessário recomeçar: recomeçar e repensar o planeamento, recomeçar e definir fontes de financiamento, recomeçar e decidir a componente analítica e a urgência da sua execução, recomeçar a que as instituições internacionais (em particular as comunitárias) nos considerassem como um país cumpridor das regras internacionais em matéria de segurança alimentar e saúde pública. Foram momentos intensos, particularmente difíceis e que hoje estão distantes, impossíveis de repetir no presente enquadramento».

Simultaneamente, adianta, «a afirmação de uma visão de segurança alimentar de todos, para todos e com todos – como exemplificado pela constituição da Comissão de Segurança Alimentar e a aprovação de importantes documentos, em particular o Plano Nacional de Gestão de Crises Alimentares».

«Em toda a cadeia alimentar, o esforço de mais e melhor está presente e torna mais consistente o papel de internacionalização do agroalimentar, que se baseia, de forma notória, em critérios de segurança alimentar. E neste esforço de internacionalização, igualmente estendemos o nosso conhecimento a outros países, iniciando um trabalho de cooperação que só é possível pelo investimento realizado nestes últimos quatro anos», acrescenta.

Por fim, o secretário de Estado diz que «segurança alimentar é, pois, um trabalho contínuo, de dedicação, pesquisa, apoio, de parcerias e grande envolvimento da sociedade. Não pode, de forma alguma, estagnar e creio que, nesta matéria, qualquer que sejam os responsáveis, o investimento em segurança alimentar é fundamental para o sucesso da agricultura e do agroalimentar, para a indústria alimentar e distribuição, para os consumidores, para a internacionalização de produtos e empresas e, enfim, para uma verdadeira política de independência nacional».

PCP: «apoio ao grande agronegócio»

Para João Frazão, da Comissão Política do PCP, a estratégia do Governo PSD/CDS «é conhecida de há muito e vem sendo paulatinamente aplicada pela desastrada política destes últimos quatro anos, no seguimento, aliás, da política dos anteriores Governos e da aplicação da PAC à agricultura nacional».

Estratégia, vinca, «que tem «como objetivo central a promoção do grande agronegócio, escondida atrás do chavão da competitividade, e da vocação exportadora, o que provoca a destruição da pequena e média agricultura, da pequena e média agroindústria, do pequeno e médio agrocomércio».

Tal opção, sustenta João Frazão, «tem como elementos estruturantes um conjunto de medidas legislativas de que se destacam as novas regras fiscais (que levaram ao abandono ou à ilegalidade dezenas de milhar de pequenos produtores), mas também as alterações à Lei dos Baldios (que visa o esbulho da posse e do uso dos baldios aos seus legítimos proprietários, os compartes, ao serviço dos interesse da indústria das celuloses e dos aglomerados), a destruição da Casa do Douro (acabando com a única estrutura que representava os pequenos viticultores daquela região, ao serviço das casas exportadoras de Gaia), ou a lei da arborização e rearborização, ou a bolsa de terras».

«Tal opção que, repete-se, une os sucessivos Governos do PS, PSD e CDS, é bem visível nos resultados da aplicação do PRODER, em que apenas 6% dos agricultores (os maiores) acederam aos apoios para investimento, e na destruição de centenas de milhar de explorações agrícolas nas últimas três décadas de integração na então CEE», argumenta o comunista.

Para João Frazão, as opções do Governo na reforma da PAC acabam, por exemplo, «com as quotas leiteiras (o que está a provocar uma situação desastrosa na produção leiteira nacional) e mantém as ajudas desligadas da produção, e na sua aplicação em Portugal, decidindo não aplicar a regionalização, a modulação e o plafonamento significativo das ajudas».

Para o dirigente do PCP tudo isto tem propósitos claros: «o primeiro, o da destruição de milhares de explorações agrícolas, que não só produzem alimentos de qualidade, praticamente sem apoios, assegurando uma boa parte da soberania alimentar do nosso país, como garantem a ocupação do território e designadamente do mundo rural, cada vez mais desertificado, em função destas políticas».

O segundo, «o da implantação no nosso país de um modelo de agricultura, assente na exploração intensiva dos solos, da água e de outros recursos naturais e na utilização de mão-de-obra barata, quantas vezes imigrante e em condições de escravatura. Um modelo agroindustrial com o objetivo central de produzir para exportar não interessa o quê nem como é produzido. Esta estratégia subalterniza a produção nacional de alimentos para consumo interno e coloca dificuldades aos mercados locais de proximidade e à qualidade alimentar da população».

Para João Frazão, o que faz falta ao nosso país «é a defesa da nossa soberania alimentar, valorizando a pequena e média agricultura (como reconhece a própria ONU), apoiando prioritariamente a produção de bens agroalimentares e assegurando preços justos à produção, contrariando o facto de hoje os produtores receberem apenas 10% da cadeia de valor (de 100 euros pagos pelos consumidores, os produtores apenas recebem 10)».

Sobre as “palavras-bandeira” deste Governo – investigação e inovação – o dirigente comunista salienta que «é necessário lembrar que foi este o Governo que encerrou laboratórios do Estado, um pouco por todo o país e deixou ao abandono Estações agrícolas, de que a Estação Nacional de Fruticultura Vieira da Natividade é um expressivo exemplo, o que motivou uma tomada de posição pública de um conjunto de reputados técnicos nacionais, bem como prosseguiu a redução de quadros do Ministério da Agricultura, que hoje está completamente depauperado de técnicos, designadamente jovens».

«Os últimos anúncios do Governo inserem-se na lógica do apoio ao grande agronegócio e de desprezo pela agricultura familiar», lembra.

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João Frazão realça que «para garantir a investigação e a inovação na agricultura, é necessário, em primeiro lugar, reabrir os Laboratórios do Estado e dotar as infra-estruturas existentes dos meios materiais e humanos para cumprirem as suas funções».

Para além disso, «é necessário reativar os serviços de extensão rural, para garantir que toda a informação chega aos pequenos e médios agricultores e à agricultura familiar, no respeito pelos seus saberes ancestrais e pelas produções tradicionais».

Para o responsável, «a garantia de segurança alimentar, seja pela qualidade dos produtos produzidos, seja pela garantia de assegurar alimentos suficientes para o nosso povo, é uma matéria da maior importância». «A experiência dos últimos anos diz-nos que as mesmas estruturas de fiscalização e controle que não deixam escapar pequenos problemas nas explorações da agricultura familiar, deixam fermentar as condições para crises tão graves como a dos nitrofuranos, da gripe das aves, das vacas loucas ou da carne de cavalo em substituição de carne de bovino. Torna-se evidente que a agricultura massificada, industrializada, que a atual política promove está na raiz dos problemas citados».

E lembra: «Portugal tem que defender as suas produções tradicionais (cereais, onde temos um défice assustador – mais de 75% -, batata, onde já fomos autossuficientes e hoje importamos uma boa parte do que consumimos, carne de bovino, onde temos também graves insuficiências, olival, assegurando os elevados níveis de qualidade do nosso azeite proveniente do olival tradicional ameaçado) e nas raças e espécies autóctones. E, entre outras mais, temos que promover muito a produção de componentes para rações onde somos completamente dependentes do exterior)».

Mas a questão está sempre no preço pago à produção. «Com uma política que tenha como objetivo assegurar preços justos à produção (e as últimas estatísticas afirmam que os preços, no ano passado caíram 6%), os produtores lançarão as sementes à terra e produzirão», lembra.

Para João Frazão, «o rejuvenescimento do nosso tecido agrícola é vital. Sucede que, apesar dos números mirabolantes que o Ministério vem anunciando, a idade média dos agricultores, ainda subiu um ano, passando de 63 anos nos censos agrícolas de 2009 para 64 no Inquérito às estruturas agrícolas de 2013».

«Ora o Governo deixou, sucessivamente por responder as questões que lhe foram colocadas pelo grupo Parlamentar do PCP sobre a taxa de mortalidade dos projetos de jovens agricultores.

Na verdade, uma parte muito significativa dos projetos, passados os prazos mínimos obrigatórios, são obrigados a encerrar, pois não subsistem apoios, materiais e de acompanhamento para estes investimentos, e pelos básicos preços à produção», acusa.

«Importará ainda assinalar que no quadro das opções nacionais da Reforma da PAC, PDR 2020, o Governo optou por criar mais dificuldades aos pequenos agricultores jovens, aumentando a comparticipação financeira dos produtores nos apoios à primeira instalação. Uma vez mais está a privilegiar os que têm maior capacidade financeira», acusa o comunista.

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Por tudo isto, o PCP faz um balanço «desastroso» da ação do Governo nesta matéria e considera que Portugal necessita de «políticas agrícola e de pescas com o objetivo de abastecer a população com produtos saudáveis, favorecer os níveis de auto abastecimento e o equilíbrio da balança alimentar, promovendo o emprego e a melhoria dos rendimentos, das condições de trabalho e de vida dos agricultores, pescadores e assalariados».

«Precisa ainda de defender uma reforma da PAC) que garanta a soberania alimentar, com regulação dos mercados e defesa dos interesses nacionais, bem como a defesa de um sistema de quotas leiteiras e de direitos de plantação da vinha», remata João Frazão.

PAN alerta para o agropecuário

André Silva, porta-voz do PAN, afirma que a estratégia do agroalimentar adotada em Portugal nos últimos anos «tem vários pontos positivos, sobretudo a exposição de forma clara do diagnóstico da situação». Contudo, considera que «esta apresenta várias falhas, nomeadamente no que toca ao setor agropecuário, já que nada menciona acerca da melhoria do bem-estar e proteção animal, estando mais focado em estratégias de aumento de produtividade».

«Na nossa visão tal estratégia revela-se errada para um país que pretende instalar a inovação como base do plano apresentado. Toda a indústria agropecuária tem imensas lacunas no que respeita ao bem-estar animal, e o MAM deveria também ter colmatá-las de forma inequívoca. O próprio Tratado da União, no seu artigo 13.º, vem dizer que não podemos desconsiderar a natureza senciente dos animais», alerta, lembrando que, por outro lado, «qualquer estratégia que vise a continuação do uso de pesticidas na agricultura é desadequada. Já existem estudos e evidências suficientes que comprovam que o futuro passa pela agricultura biológica».

Para André Silva, a área da investigação e da inovação «está afastada do terreno e das necessidades reais». O PAN considera que «a investigação é o braço direito da inovação, desde que a progressão se faça com o respeito por todas as espécies. A utilização da investigação para o desenvolvimento de espécies vegetais alteradas geneticamente, como proposto na estratégia elaborada pelo MAM, vai completamente contra aquilo que o PAN acredita como inovador e seguro a nível alimentar».

Aliás, salienta o responsável, «vários estudos alertam para os malefícios que os transgénicos podem trazer para a saúde. Toda a investigação a ser efetuada em prol da inovação deve ter em consideração a proteção da saúde da população, do bem-estar animal, das espécies vegetais e das florestas portuguesas».

«A inovação deverá sempre passar pelo investimento e investigação no domínio da agricultura biológica», sustenta.

E acrescenta que «a segurança e a soberania alimentar de Portugal não estão garantidas e estas passam obrigatoriamente pela proteção e regeneração dos solos».

«Os nossos solos estão a ser empobrecidos e a ficar desertificados por via dos agroquímicos utilizados, da elevada mobilização dos solos e da atividade agropecuária. Assim, e em primeiro lugar, Portugal deve restringir a agricultura sintética e pecuária intensiva, convertendo o território em modo de produção biológica», advoga.

André Silva diz que «Portugal tem um enorme potencial no que respeita às hortícolas e frutícolas, muito devido à qualidade dos mesmos comparativamente com outros países da UE. Devemos por isso valorizar o que temos de melhor e mais forte, tal como a fruta e os frutos secos como, por exemplo, a pera rocha, a castanha, as nozes, a cereja, o tomate ou as laranjas, sem esquecer, obviamente, o vinho e o azeite, produtos que são de excelência».

Por tudo isto considera ser «essencial conseguir transmitir a quem está no terreno a forma como se pode usufruir dos apoios e as vantagens da aplicação da estratégia definida».

«A utilização de uma linguagem acessível e a criação de locais de atendimento especializado e facilitadores do diálogo são alguns dos pontos essenciais para se avançar nesta área. O agricultor estará sempre aberto a rentabilizar a sua atividade, uma actividade de risco e altamente trabalhosa que se encontra nas mãos do marketing e da agressividade de preços dos grandes grupos de compras, nomeadamente hipermercados. Contudo, é o Estado quem deve dar o primeiro exemplo, transferindo os apoios existentes à agricultura química para a agricultura biológica», avisa.

E sublinha que «qualquer jovem agricultor deve ter em mente os malefícios das produções químicas, e optar por iniciar um projeto direcionado para os modos de produção biológicos, tornando-se assim também decisivos para a mudança do paradigma da agricultura nacional».

Por fim, diz que «existem muitas falhas» no que respeita aos setores da produção agrícola e pecuária. «À cabeça, e constituindo as alterações climáticas e a emissão de gases com efeitos de estufa (GEE) uma preocupação da UE, torna-se impensável e incoerente para o PAN a preocupação com as alterações climáticas sem se ter em linha de conta os elevadíssimos impactos negativos desta indústria. A estratégia apresentada pelo MAM falha redondamente neste sentido, e nestes quatro anos, pouco ou nada foi feito. Torna-se urgente a implementação de medidas de proteção e de redução drástica dos GEE emitidos por Portugal», alerta o responsável do PAN.

Para além disto, «a educação deve estar na base de qualquer estratégia que pretenda alterar modos de produção e de consumo. Portugal deverá adotar inequivocamente uma política de rejeição dos OGM. Devem ser dadas garantias ao consumidor através de uma rotulagem muito mais clara e da criação de testes credíveis para avaliação da carga tóxica nos alimentos. Imperativo também é informar os produtores das alternativas mais saudáveis e incentivar a proteção e a regeneração dos solos», conclui.

O Agronegócios contactou também o Partido Socialista (PS) e o Bloco de Esquerda (BE) mas, até ao momento, não obtivemos quaisquer posições sobre a matéria destes dois partidos.

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